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3 X 4 PEDACINHO DE NOSSA HISTÓRIA

(Chico Ribeiro Neto)

A gente só tirava fotos 3 x 4 em momentos importantes da vida: entrar no ginásio, matricular-se no colégio, na faculdade, carteira de identidade, certificado de reservista, primeiro crachá de emprego, e por aí vaí.

Eu ia tirar meia dúzia de 3 x 4 nos Lambe-Lambe do Relógio de São Pedro ou no Terreiro de Jesus, em Salvador. Quando acabava, o fotógrafo perguntava se você não queria levar 8 fotos pagando um pouco mais. A gente só precisava de 4 fotos, mas acabava levando as 8 e dava as restantes a parentes e à namorada, mas a dedicatória tinha que ser bem curta. Um “Te amo” resolvia tudo. De tão pequeno, o 3 x 4 era difícil de rasgar na hora de acabar o namoro.

Tinha 3 x 4 que desbotava com o tempo, uns ficavam amarelados. Quem tinha mais dinheiro tirava os 3 x 4 num Foto, uma loja num shopping onde a coisa era mais arrumada, tinha uma sala acarpetada cheia de luzes, ar condicionado e um banquinho vermelho acolchoado. O espelho era fundamental. Tirava de manhã pra ir pegar as fotos de tarde. Vinham numa cartela de plástico com o nome do Foto. Havia uma loja que colocava seu comercial na cartela onde vinham as fotos: “Nossa dúzia tem 14 fotos”.

O site da Câmara Municipal de Conselheiro Lafaiete (MG) tem um texto cujo título é “Saiba como ser tirada a foto para a Carteira de Identidade”, a seguir: “O fotografado deve apresentar fisionomia neutra ou um sorriso discreto, desde que em ambos os casos mantenha os lábios fechados, sem franzir o rosto” (conselheirolafaiete.mg.leg.br).

Fui pesquisar a 3 x 4 na música. Tem a “Retrato 3×4”, da banda Agito Capilar, que diz num trecho:

“Me dá um retrato 3 x 4

Que é pra eu botar na minha carteira

Se a saudade apertar

O retrato eu vou olhar

Durante a semana inteira”.

Belchior gravou “Fotografia 3 x 4”, em 1976, em plena ditadura, mostrando a saga dos jovens que saíam do interior do interior do Ceará para o Sul. Segue um trecho:

“Em cada esquina que eu passava um guarda me parava

Pedia os meus documentos e depois sorria

Examinando o três-por-quatro da fotografia

E estranhando o nome do lugar de onde eu vinha”.

E tem a brilhante “Devolva-me”, de Renato Barros e Lilian Knapp, gravada em 1966 pela dupla Leno & Lilian e brilhantemente regravada anos depois por Adriana Calcanhotto, cujo trecho segue:

“O retrato que eu te dei

Se ainda tens, não sei

Mas se tiver, devolva-me!”

Não sei se a foto era 3 x 4, mas que a música é linda, isso é. Segue uma lembrança.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

EU ACEITO E NÃO ACUSO

Eu aceito sua mão em casamento. Juro amor eterno, ser fiel no respeito, na alegria e na tristeza, nos momentos mais difíceis, na pobreza e na riqueza. São palavras do altar que também faço na vida real, na minha aldeia e na tribo em que vivo. São compromissos não cumpridos.

O tempo vai se arrastando até a monotonia, e esse elo um dia se quebra quando batem as adversidades. Priorizei os direitos em detrimento dos deveres. Não acuso a mim mesmo como sou e nem reviso o passado como aprendizagem. Eu aceito porque acho que deve ser assim o viver sem acusar, aqui no sentido de contestar. Nem pedi para vir ao mundo.  Não passo de um sopro.

O enlace matrimonial é apenas um contrato social como qualquer outro nesse sistema capitalista de aparências e vaidades onde sou levado a seguir normas como manda o figurino da ordem das coisas. A tudo eu aceito, mas não acuso nem os meus próprios atos.

Eu aceito fazer parte dessa engrenagem, ver o progresso destruir o ser humano e a própria máquina me triturar. A própria evolução da inteligência acaba de engolir ela mesma, porque é cativa e escrava do mercado e não está a serviço do humanizar. Aceito tudo que diz essa mídia vazia, sem conteúdo.

Não passo apenas de uma matéria-prima do poder selecionador das raças que cuida em eliminar, lentamente, de morte os mais fracos, e eu aceito e não acuso esse processo perverso do massacre. Eu aceito a violência e as matanças, as corrupções, os conluios e as injustiças sociais como se fizessem parte de uma lei natural, sem reversão. Aceito que as coisas são assim e não há como mudar.

Eu não acuso o meu comodismo, individualismo, meu egoísmo e passividade diante dos horrores da vida daqueles que padecem na fome e na exclusão total, sem a usufruir da dignidade merecida. Às vezes entro com um auxílio de doações solidárias para enganar minha consciência de que ela está em paz comigo mesmo.

Eu aceito ser apenas uma peça ou parafuso para fazer a máquina girar e nem questiono e acuso se ela tirou milhares de empregos dos excluídos que não tiveram formação escolar e ensino para acompanhar sua engenharia. Eu estou sentado sobre um iceberg derretendo e nem percebo. Não passo de um burguês-puritano dentro da barriga de uma baleia, como o Jonas da Bíblia.

Se tenho uma casa para morar, um carrinho na garagem ou na porta para rodar, um bar para tomar umas geladas com os falsos amigos, eu aceito o meu mudinho mesquinho e não acuso a decadência e o declínio da humanidade que está auto se destruindo.

Nem acuso o aquecimento global, os desmatamentos, as queimadas, os tufões e os ciclones, o consumismo do lixo e vou seguindo minha vidinha monótona, sem graça e nem penso na morte que pode bater em minha porta a qualquer hora. Sou um idiota imbecil que acha que já cumpriu sua missão na terra.

Eu aceito o anormal como normal, o errado como o certo e o desonesto como um bom predicado do “vencedor” a qualquer preço. Aceito o levar vantagem em tudo, ser bicho toupeira ou a avestruz que mete a cabeça no chão. Aceito tudo aquilo que os outros aceitam.

Não acuso quem rouba e só quero mesmo é passar o dia no celular hipnotizado nas redes sociais, lendo besteiras e fake news, disseminando o ódio e a intolerância. Não acuso a ignorância e aceito ser patrulhado em minha liberdade de expressão. Tenho medo de externar livremente o que penso para não ser moralmente linchado. Aceito a censura voluntária.

Por tanto aceitar, eu termino entrando em isolamento e depressão, o mal do século que eu não acuso como consequência dessa sociedade construída com pilares de areia. Como nas juras de amor, não passo de um traidor de mim mesmo, um simples carvão.

Eu aceito e não acuso porque sempre ando a dizer que não tenho tempo para refletir, conversar com os outros, responder as mensagens e só faço me encantar e concordar com as inovações tecnológicas (inteligência artificial), sem fazer indagações. Se os outros aceitam e acham ser bom para a humanidade, eu também aceito. Não quero entrar nessa de filosofar porque isso é coisa de intelectual desocupado.

CENAS DE VELÓRIOS E ENTERROS

Cada povo ou tribo tem seus rituais característicos nos funerais, desde a etapa do velório até o enterro e esses costumes são ancestrais, com suas origens nas primeiras civilizações, mas os comportamentos das pessoas são estranhos, falsos, hilários e dão belas matérias-primas, com todo respeito, para contos literários, peças teatrais, causos, programas humorísticos e até poesias.

Mais uma vez aqui vou citar o meu pai, um homem rústico do campo que era um predestinado para acompanhar o doente terminal na cabeceira da cama com orações, seguir pelo velório, fazer o caixão do defunto (era lavrador, carpinteiro, marceneiro e até pedreiro) e só terminava no rito do enterro. Naquelas redondezas onde morava ele era a pessoa requisitada para esses serviços, sem nada ganhar. Perdia noites de sono depois de um cansativo dia de trabalho.

Só para começar, os hábitos das pessoas da zona rural (pelos menos naqueles velhos tempos) têm pequenas nuances em relação aos velórios e enterros das cidades. Tem ainda o cerimonial do pobre e o do rico. Lembro na zona rural, ainda menino, por exemplo, que meu pai fazia o caixão com suas tábuas e na hora de fechar batia os pregos com martelo na cara do defunto. Se a pessoa não tivesse morrido em definitivo, era capaz de levantar do caixão ao ponto de colocar todo mundo em disparada correria.

No campo, as pessoas são mais simples, honestas, sem maldades e fingimentos, mas não faltam as ladainhas das rezadeiras, os choros, alguns histéricos, um café com biscoitos, cuscuz, canjica, bolos e claro, uma cachaça para esquentar o papo dos compadres e comadres e ter a disposição para correr quilômetros com o caixão para o enterro no povoado mais perto. São os momentos de muitas fofocas e prosear nas salas e nos terreiros.

No entanto, o que quero mesmo falar aqui é sobre os cenários esquisitos que se vê nos velórios e enterros.  Ah, ia esquecendo, quando morria um rico ou um “coronel”, gente ruim, malvada, carrasco e malquista, a família contratava, em alguns lugares ainda se faz isso, as carpideiras, as mulheres que ganhavam para chorar pelo defunto, com direito a revezamentos. A mulher e os filhos nem se lamentavam com sua partida para o outro mundo.

Velório de pobre não tem gente de óculos escuros para fingir que derramou muitas lágrimas pelo falecido. No de rico, muitas pessoas chegam de óculos escuros falando baixo e dizendo para o outro: lá se foi uma grande figura, gente boa, generosa, honesta, de caráter, nem que não tenha essas qualidades. Para os parentes, minhas condolências, pêsames e sentimentos em voz bem emotiva.

Quando morre um idoso e a viúva é nova e bonitona, aparece um conquistador galã nos apertos acolchoados já de olho na dita cuja, mesmo garantindo que era muito amigo do defunto, que deixa de ter defeitos. Quando a família não é muito unida e existem brigas entre irmãos, um já olha para o outro como adversário na partilha dos bens e imaginando que não vai deixar ninguém passar a rasteira nele, mesmo que sejam poucos dotes. Em muitos casos acontecem até mortes. Os noticiários não negam.

O que mais aparece num velório e num enterro é a hipocrisia velada, aquela de doer na alma, cheia de elogios falsos e chama o falecido ou falecida de irmão e irmã queridos do coração. E quando o indivíduo tem amantes é um vexame só. A mulher abraça o ex no caixão copiosamente chorando. Às vezes, a viúva nem sabia do caso ou quando já tem conhecimento parte para os tapas, classificando a adversária de vagabunda, puta e vadia. É um escândalo só no meio do velório. Uns começam a discutir ali mesmo pela herança, sem nenhum escrúpulo.

É, meus amigos, cenas de velório e enterro merecem ser registradas na caneta, gravadas e filmadas no celular. Dão bons filmes e são pratos cheios para a literatura, até do cordel. E quando morre um famoso (a) ou uma celebridade? É onde tem mais gente de óculos escuros, com aquela empáfia. Coisa rara de se ouvir: já foi tarde, mas se escuta que os bons se vão logo e que os ruins são duros na queda.

As entrevistas são sempre as mesmas de que é uma grande perda, insubstituível na sua profissão, deixa um grande legado e nos ensinou muitas coisas como mestre das artes e da política. Só aparecem as qualidades, mesmo que seja um ou uma ranzinza, pedante ou metido (a) a besta, dono (a) da verdade. As palavras são quase as mesmas e as frases parecem ser decoradas, recheadas de bordões.

SENTIFICAR, LIVRO DE LINAURO NETO, DA EDITORA PENALUX

 

Lançamento do livro, na Livraria Nobel, em Vitória da Conquista – BA

Por Luis Altério

 

“aqui estamos

humildemente agradeço

a companhia”

Assim começa o livro. Como se, ele, o Poeta, na Livraria também agradecesse a nossa companhia… E a Livraria ficou quase cheia de leitores do nosso Linauro. Vi muitos exemplares a serem despachados com a sua dedicatória (embora, mais uma vez, e pela enésima vez, sentisse a falta de escritores cá da terra. Vieram, pela minha contabilidade uns…deixa cá ver…uns…uns, porra, só?!…. uns 5 escritores conhecidos (se vieram mais, que eu desconheça, desde já peço perdão!)). Enfim, é assim mesmo, e dificilmente mudará o panorama, embora não seja difícil de um dia – quem sabe! – as coisa mudem.

Tiradas as fotos, as conversas entre conhecidos, ainda li vários poemas: Confesso, aqui! Temos POETA!

Irei ficar atento às obras de Linauro! É para ficarmos, TODOS, atentos e, claro, LER … Querem mais provas?… Eis que, na apresentação de seu livro, o Poeta lê os seus poemas: Aí, debruça-se num dos poemas fortes e de contestação, e se comove…. espera reagir aos nós de garganta que só poetas sensíveis sentem, de tão sentidos versos lidos….a dada altura, pede desculpa, para se restabelecer por breves segundos, e continua o poema…. Foi lindo ver como, de facto, há esperança nesse Brasil profundo!

E agradecendo eu, como consumidor e frequentador à Livraria Nobel, a disponibilidade do Belo Espaço… Fomos, como nos outros lançamentos, bem acolhidos!

Termino, então, saudando o nosso Poeta e, recolher-me ao meu Lar. E continuar a leitura… E antes de escreve esta resenha, ainda li este:

“sossega a alma

o silêncio é tão importante

quanto o verso”

– Certíssimo, Linauro! O silêncio como catarse da poesia de tudo o que sentimos!

Luís Altério

“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS”

De George Orwell, de a “Revolução dos Bichos”

Para escritores e outros que ainda não leram, deve se debruçar sobre as críticas literárias de George Orwell aos livros “Trópico de Câncer” e “Primavera Negra”, de Henry Miller, bem como de outros autores, como Alfred Edward Housman, J. Joyce. T.S. Eliot, E. Poud. D. H. Lawrence,  Wyndham Lewis, Aldous Huxley e Lytton Strachey.

Sobre esse grupo, diz Orweel que eles não parecem um grupo. Lawrence  e Eliot não gostavam um do outro. Huxley adorava Lawrence, mas era repelido por Joyce. A maioria teria esnobado Huxley. Lewis atacava todos os outros.

“Se a ideia básica dos poetas georgianos era a “beleza da natureza”, a dos escritores do pós-guerra (I Guerra) seria o “sentido trágico da vida”. Todos eles têm um temperamento hostil à noção de “progresso”. O sentimento é que nem deveria acontecer.

O pessimismo de Eliot em parte é um lamento sobre a decadência da civilização ocidental. Em sua análise, a inclinação de todos os escritores desse grupo é conservadora. Muitos tinham queda pelo fascismo, outros eram indiferentes. Huxley, desespero com a vida.

Por que os principais escritores dos anos 20 são pessimistas? Por que há sempre uma sensação de decadência. Não seria, quem sabe porque essas pessoas escreveram em uma época de conforto excepcional? “É só em períodos assim que o “desespero cósmico” pode florescer. Pessoas de barriga vazia nunca se desesperam pelo universo, nem aliás, pensam sobre o universo”.

Em suas abordagens, no primeiro capítulo, Orwell fala do cenário literário dos anos 20, para ele a época de ouro, e solta reflexões sobre a arte do escrever onde o leitor é alçado a entrar nessa baleia. Ele começa pelo romance de Miller, “Trópico de Câncer” que apareceu em 1935. O próprio insiste ser pura autobiografia.

O ensaísta do cenário da época na França, narra que em alguns bairros da cidade, a quantidade dos assim chamados artistas deve ter superado a dos trabalhadores. Calculou-se que no final dos anos 20 havia trinta mil pintores em Paris, a maior parte “impostores”. “Foi a era dos azarões e dos gênios”…

Pelas suas obscenidades nauseantes, a obra de Miller tornou-se impublicável. No mundo dos túmulos sombrios, descrito entre outros por Lewis, sobre o qual Miller escreve, abordando apenas o lado de baixo: as formas do lupemproletariado.

É uma história, como descreve Orwell, de quartos infestados de percevejos em hotéis para operários, de brigas, de surtos de bebedeiras, bordeis baratos, refugiados russos (Revolução Russa), mendicância, trapaça e empregos temporários. Todo esse cheiro de azedo foi matéria-prima para o romance de Miller que se alimentou desse lixo.

Quando “Trópico de Câncer” foi publicado, os italianos marchavam sobre a Abissínia e os campos de concentração de Hitler já estavam entupidos. Os centros intelectuais do mundo eram Roma, Moscou e Berlim. Foi um romance sobre norte-americanos combalidos mendigando bêbados no Quartier Latin. Um ano mais tarde foi publicado “Primavera Negra.

Na comparação com Joyce, de Ulisses, o crítico de “Dentro da Baleia”, diz que há um traço dele, não em todo lugar. Em “Primavera Negra”, mesmo com pontos surrealista, todos se sentem iguais. “Miller escreve sobre o ser humano na rua e, a propósito, é uma pena que seja uma rua cheia de bordeias.

“Em “Primavera” há um flashback maravilhoso de Nova Iorque fervilhante de irlandeses, mas as cenas de Paris são as melhores”. No romance de “Trópico”, os bêbados e vagabundos são tratados com maestria na técnica rigorosamente única – assinala, ao pontuar que as sensações são que todas as aventuras deles acontecem com você.

“A grosseria indiferente com que os personagens de “Trópico de Câncer” falam é muito rara na ficção, mas comum na vida real. George Orwwll esclarece que “Trópico” não é um livro de um jovem. Miller tinha mais de 40 anos quando foi publicado. É um livro maturado na pobreza e na obscuridade. A prosa é um espanto e, em partes de “Primavera”, ainda melhor”. Palavras impublicáveis estão em todas as partes.

“Miller é uma pessoa falando sobre a vida, um homem de negócios norte-americano comum, com coragem intelectual e um dom para as palavras”. …”Tendo atrás de si anos de lupemproletariado, fome, vagabundagem, sujeira, fracasso, noites ao relento, batalhas contra agentes de imigração, lutas infinitas por um pouco de dinheiro, Miller descobre que está se divertindo”.

Sobre Walt Whitman, em “Folhas de Relva”, o ensaísta afirma que ele escreveu num período de prosperidade nos anos 30 onde a liberdade valia mais que a palavra. Voltando a Miller, assinala que existe uma correlação Whitman. “Trópico” termina com uma passagem whitmanesca, na qual, depois das luxúrias, trapaças, brigas, bebedeiras e imbecilidades, ele simplesmente se senta e observa o Sena passar, em uma espécie de aceitação (eu aceito) mística das coisas como elas são”.

“Dizer “eu aceito” em uma época como a nossa, é dizer que você aceita campos de concentração, cassetetes de borracha, Hitler, Stalin, bombas, aviões, comidas enlatadas, metralhadoras, golpes, expurgos, lemas, esteiras de linhas de produção, máscaras contra gás, submarinos, espiões, arruaceiros, censura à imprensa, prisões clandestinas, aspirinas, filmes de Hollywood e assassinatos políticos”.

Para Orweel, a verdade é que a vida cotidiana comum consiste muito mais de horrores do que os autores de ficção se dão ao trabalho de admitir.  Ele faz reflexões com base em outros autores, que se encaixam no mundo atual quando fala que vivemos em um mundo que está se encolhendo. As “vistas democráticas” terminaram em arame farpado. “Aceitar a civilização como ela é, praticamente significa aceitar o declínio”.

Orweel ressalta que as pessoas em “Trópico de Câncer” chegam muito perto de serem comuns, na medida em que são preguiçosas, desonradas e mais ou menos “artísticas. Entre as décadas de 20 e 30, avaliar um livro por seu conteúdo era pecado imperdoável, e mesmo ter consciência do conteúdo era considerada falta de gosto – afirma o autor de “Dentro da Baleia”.

Nos anos 1930-1935 algo acontece e a atmosfera literária muda, na visão de Orwell, que cita Auden, Spender e outros como novo grupo de escritores que entram em cena, com “tendência diversa”. “Saímos do crepúsculo dos deuses e entramos em um tipo de clima escoteiro, com joelhos à mostra e cantorias em grupo”. O literato deixa de ser um expatriado cultural com inclinação para a Igreja, tornando-se voltado para o comunismo. Se a ideia básica dos escritores dos anos 20 é o “sentido trágico da vida”, para os novos é o “propósito sério”- observa o crítico literário.

PRIMAVERA OU VERÃO?

Com o aquecimento global que muitos ainda não se atentaram para o problema, ou como no popular, a ficha ainda não caiu, e ficam colocando a culpa no El Nino, o malvado menino, as estações estão misturadas no planeta com tragédias e catástrofes. Nem sabemos mais o que é primavera e verão.  O calor fora do comum é o termômetro. Primavera ou verão? O cenário está aí, só não ver quem não quer e passa o tempo no consumismo e na ganância do ganhar dinheiro, jogando milhões ou bilhões de toneladas de lixo no velho planeta cansado de guerra. Os desmatamentos e as queimadas são provas de que a humanidade está caminhando para sua autodestruição. Ainda temos algumas reservas de florestas e, nas cidades, árvores nos jardins para nos refrescar e respirar um pouco de ar “puro”, como no jardim da Praça Tancredo Neves, em Vitória da Conquista, que a nossa máquina flagrou. No entanto, muitos passam despercebidos na correia da vida. Outros até entram e curtem este pequeno pedaço da natureza na selva de pedra, mas não param para refletir no que está acontecendo e continuam a destruir nosso meio-ambiente em seus atos politicamente incorretos. A verdade é que as estações não são mais as mesmas, a não ser nas datas em que nelas estão pontuadas pela ciência e os serviços de meteorologia.  As mudanças climáticas estão ditando o ritmo dessas misturas malucas. Primavera ou verão? As flores podem nos responder a pergunta.

SEM TEMPO NO TEMPO

Poeminha inédito de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Ando sem tempo,

Para te amar, ler e sorrir,

Para te abraçar,

Nem para um alô,

Para meu amor,

No tempo que segue seu compasso.

Só que nossa gente,

Vive em disparada,

Negando a existência do tempo,

No acelerado passo:

Diz não ter tempo;

Tropeça no poste da frente,

No tempo do celular;

Ultrapassa o sinal,

No laço do capital.

 

Ando sem tempo,

Dentro do tempo,

Que gira como a roda,

Que o próprio tempo inventou,

No sonho da meia noite,

Que o homem sonhou,

E você dorme e acorda,

Com a agenda na mão,

Como código de Humurabi,

Nem sabe

Da Lei do Talião,

E esquece do tempo,

Que te envelhece.

 

Ah, desculpa, irmão!

Ando sem tempo,

Na corrida da vida,

Nem vi sua mensagem,

E na hora, do aqui e agora,

Se depara de cara,

Sem levar bagagem,

Na partida da última estação,

Do seu tempo, oh Senhor!

Que o vento levou.

FAZER UMA COISA SÓ

(Chico Ribeiro Neto)

Quando eu tinha uns 10 anos, em Salvador, mamãe Cleonice me mandou comprar coador de café de pano na Rua da Ajuda e ainda me dava o troco para o picolé. Cheguei lá, era perto de um antiquário, quase na Ladeira da Praça, e lá estava o vendedor: em pé no passeio, com os dois braços cheios de coador. Voltei pra casa intrigado: aquele cara só vende uma coisa na vida.

Tinha um primo que vendia bilhetes da Loteria Federal sentado numa escadinha que levava a uma casa lotérica, no Forte São Pedro. Tinha sua freguesia certa e assim sobrevivia. Às vezes parava para cumprimentá-lo. Era de pouca conversa. Seu único trabalho era vender a sorte no seu silêncio.

Tinha um cara na Pituba que só vendia aipim, muito bom por sinal. Morei no bairro alguns anos e sempre o via pela manhã com o carrinho cheio de aipim e coberto com algumas folhas. Antes de meio-dia já tinha vendido tudo. Esse mudou. Na última vez em que o vi continuava a vender aipim – agora já descascado e embalado – junto com batata doce, banana da terra, inhame e quiabo, “diversificando os produtos para agregar valores ao seu negócio”.

Outro dia vi o letreiro na fachada de um restaurante: carnes, frutos do mar e massas. Dificilmente fará as três coisas bem feitas.

Sempre admirei quem vende uma coisa só ou quem faz uma coisa só, e bem feita. Nunca gostei daqueles caras que parecem uma orquestra: têm uma flauta amarrada na boca, tocam guitarra, o pé direito toca um bumbo, o pé esquerdo toca uma caixa, têm uns guizos presos no pescoço e se duvidar ainda tocam mais um instrumento com a orelha.

“Temo o homem de um livro só”, dizia Santo Agostinho, que também sentenciou: “O mundo é um livro, e quem fica sentado em casa lê somente uma página”.

Meu pai Waldemar tinha uma padaria em Ipiaú (BA) e queria abrir um segundo negócio. Meu avô Chico Ribeiro o desaconselhou: “Ou você toca o sino ou acompanha a procissão”. E tem gente que toca o sino e ainda carrega o andor na procissão. “Cuidado com o andor que o santo é de barro”.

Nunca pintei quadros. Não sei cantar e não toco nenhum instrumento. Não sei fazer móveis de madeira nem trocar a resistência do chuveiro. Procuro apenas lidar com meu ofício de escrever, onde minha caneta vira pá e pincel, enxada e picareta, enxó e serra, martelo e chave de fenda, voz e violão. Meus instrumentos são uma caneta tinta preta e um caderno de 200 folhas. E assim toco a vida.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

CURSO DE DEMOCRACIA PARA OS EXTREMISTAS E MEDIDAS SOCIAIS

O Brasil está mais para uma república de bananas e um reino das anistias, das intrincadas burocracias, dos engavetamentos de processos e da impunidade. No lugar de este não ser um país sério, prefiro indagar que país é esse? Na voz dos nossos cancioneiros poetas, ainda podemos citar que esta piscina está cheia de ratos, ou quem quer alugar o Brasil. É o quintal dos ianques coiotes com seus uivos horrendos.

Daqui brotam as coisas mais hilárias, absurdas e ridículas, como a mais recente de fazer um acordo com extremistas que invadiram e fizeram um quebra-quebra nos três poderes (não se sabe qual o mais mambembe e tupiniquim) para, no lugar de prisões, eles prestarem serviços sociais às comunidades, pagar multas, confessarem seus atos e o mais esdruxulo de todos, fazerem um curso de democracia.

No lugar, essa justiça do Supremo Tribunal Federal (STF) – mais política que técnica em suas decisões – poderia ordenar um curso de catequese religiosa para aprender os ensinamentos do Velho e do Novo Testamentos. Está mais para volta às aulas dos cursos sobre as leis de trânsito do Código Nacional quando o motorista comete uma infração grave, como dirigir bêbado. O catecismo cairia bem.

Passa pela cabeça de alguém que um extremista de direita nazifascista, que pede uma intervenção militar (ditadura), vai virar um democrata progressista depois de um curso sobre democracia e como deve ser exercida a liberdade de expressão? Confessar um ato criminosos para se livrar da cadeia até o bandido mais perigoso faz isso e depois volta para sua marginalidade do crime e da violência.

Não é para entender essas medidas de anistias, como para os crimes eleitorais e as ladroagens da Operação Lava-Jato, senão você vai ficar pirado e precisar fazer uma análise psiquiátrica, que dizem ser coisa para doido maluco. Os seguidores negacionistas e terraplanistas “bozonaristas” vão se tornar lulistas de esquerda? Que maravilha! Tudo está resolvido e juntos vamos realizar uma festa de pizza acompanhada do samba do crioulo doido! Melhor ficar ligado no aquecimento global do derretimento do gelo nas calotas polares!

O florentino Dante Alighieri (1265- 1321), em sua “A Divina Comédia”, um dos primeiros cordelistas teatrólogo clássico da Idade Média, de teor histórico, mitológico, filosófico, político e religioso (foi exilado pela Igreja Católica), puniria todos com castigos severos nos infernos, cada um em suas devidas camadas de sofrimento, como pecadores atormentados pelos demônios, e jamais optaria por um curso de democracia.

Agora mesmo está saindo o procurador Geral da República, o baiano Augusto Aras, o maior engavetador dos crimes cometidos pelo “capitão Bozó” e seus fiéis seguidores.  Na obra de Dante, ele seria julgado como o bajulador e impostor.

Os outros bagunceiros como traidores da pátria, falsários de fake news, avarentos e golpistas. Parece uma Divina Comédia ver o ministro Gilmar Mendes, do STF, elogiando e incensando os atos de Aras. Ele também estaria nos infernos do florentino de Florença.

Dá para acreditar em nosso Brasil dos conluios, dos conchavos, dos malfeitos, das malandragens, das traições contra o nosso povo, das castas privilegiadas em seus palácios e dos piores índices no âmbito da educação, o penúltimo no teste do Pisa (só ganhou para a Tunísia)? Confesso que admiro os otimistas, uns do próprio poder (ossos do ofício) e outros marqueteiros de palestras, mas desconfio que sejam somente da boca para fora. O que falam entre quatro paredes?

E assim caminha o nosso Brasil de feridas abertas, numa história de repetidas impunidades e anistias, desde aos escravistas dos barões do café da vergonhosa escravidão, passando pelas oligarquias republicanas e aos torturadores e perseguidores contra políticos nas ditaduras de Getúlio Vargas (1930-1945) e na ditadura civil-militar (1964-1990) dos generais que praticaram crimes de lesa-humanidade e saíram ilesos, sem nenhuma punição.

 

O LITRO, O QUILO E AS CONVERSAS DE COMPADRES DO FIM DO MUNDO

Quem veio primeiro, o litro ou o quilo? Pelo que sei (posso até estar errado), o litro na forma de medida, mesmo antes de Cristo na civilização da Mesopotâmia. Na era primitiva, funcionava o escambo, ou troca de mercadorias, inclusive por serviços, o que perdura até hoje na modalidade da moeda como espécie de compra e venda.

Nas feiras de antigamente, nas cidades do interior, lembro ainda menino, e não é coisa de velho, os mantimentos (farinha, feijão, milho, arroz), frutas e outras coisas mais eram vendidos na base do litro e da unidade. Só as carnes eram no quilo. Recordo bem do meu pai vendendo farinha nas medidas de cedro de cinco, três, dois e até um litro. Hoje tem até comida a quilo.

Os feirantes proseavam alegres nos encontros de compadres e comadres sobre os tempos de chuvas e secas, notícias de parentes de São Paulo, vizinhos e até moças que fugiam de casa com seus namorados. Diziam que o cara roubou a virgem donzela.

Existiam histórias de coronéis, gente valente, de vaqueiros destemidos nos espinhos do agreste sertão da caatinga e causos de pescador e caçador. Tinha-se mais calor humano. E quando se recebia uma carta pelos correios, era aquela felicidade! Saia-se mostrando para os amigos e parentes. Era até motivo de festa.

Nos tempos atuais, tudo é na base do quilo, desde nossa saborosa e vigorosa banana, até a manga, a maçã, o mamão e todos legumes. Só está faltando vender as folhas (alface, rúcula, coentro, salsa) no peso. Até o papo é no quilo, porque ninguém atura mais ouvir o outro por muito tempo, pois pode ser taxado de chato. No máximo 50 ou 100 gramas de prosa.

O pior de tudo é que ninguém sabe como está a balança. No Brasil dos falsários e golpistas, não dá para confiar na fiscalização dos órgãos do poder público (precária e até corrupta) e nem nos comerciantes, muitos gananciosos e inescrupulosos. Nem sabemos quando estamos sendo roubados. Nos supermercados, os líquidos não estão completos.

E aí alguém diz: São coisas dos tempos antigos. O progresso trouxe mudanças. Será que para melhor? Só se for para eles, os abonados e aqueles que, de tanto viverem em disparada na corrida pelo dinheiro, acham tudo normal. Nem percebem que estamos desumanizados.

Porém, este é outro assunto sociológico e filosófico mais profundo para se discutir. A conversa aqui mesmo é sobre o litro, o quilo e os papos agradáveis e cordiais dos compadres e comadres. Naquela época não era cafona as crianças e jovens respeitarem os pais e até darem benção aos mais velhos quando se cruzavam no campo e nas ruas das cidades. As pessoas eram bem mais humanas e quase não se ouvia notícias de violências bárbaras.

Será que estou sendo romântico e nostálgico demais? Nas cidades, principalmente no final da tarde, homens e mulheres colocavam as cadeiras no passeio, na porta de suas casas, para vários dedos de prosa, sem pressa. Hoje não se faz mais isso, e o contato com o vizinho é coisa rara. Nas grandes metrópoles, mal se conhecem.

Havia aquela conversa de pé de orelha ou de ouvido quando era um segredo que logo se tornava público pelo fofoqueiro ou fofoqueira, que passava o dia na janela vendo o movimento. E as conversas dos anciões, carregadas de sabedoria e cultura sobre a vida! Eles atualmente são raramente consultados porque são vistos como imprestáveis e caducos, lelés da cuca.

– Oh cumpade, cadê Nô de Dina?

-Ah cumpade, não sabe não? A fogosa da mulher fugiu com outro e de desgosto ele sumiu pra San Palo. Também não dava no coro!

– E aquela morena da filha das ancas aprumadas?

– Ficou mal falada, cumpade! Puxou a mãe e anda por aí regaterando com todo mundo. Tá amasiada com um cara lá do Norte, cabra meio esquisito com jeito de pistolero.

– É cumpade, coisa de fim do mundo. A terra é só sequidão. Só se ver gente descendo de pau-de-arara. Virou formiguêro. As lavouras se acabando e o gado berrando na cacimba.  Os moços de hoje só quere saber de bater perna nas cidades.

As conversas entre as comadres eram mais coisa de mulheres, das intimidades do sexo, o tabu da época. Era até pecado falar nisso em público. Os homens não tomavam parte. Hoje existe uma abertura em pé de igualdade e, nessa questão, foi um grande avanço. Elas estão inseridas no mercado e em postos de decisões.

No entanto, em se tratando de litro e quilo, está todo mundo embolado e nivelado na mesma muvuca da desumanização, da barbaridade, da falta de respeito para com o outro, do consumismo, da falta de leitura e cultura, do egoísmo e do individualismo. Todos de celular na mão só estão de olho no dinheiro, e nem olham para o nível da balança nos restaurantes.

Até a inteligência e o conhecimento são classificados na base do quilo, mesmo assim desvalorizados e não muito levados em conta. Aliás, um quilo de ignorância, de extremismo, de intolerância e ódio está valendo mais que um de saber e estudo. Um quilo de corrupto e bandidagem vale mais que um de honestidade e caráter. O litro é coisa do passado, tenho até um em meu espaço cultural como peça de museu.





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