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PSIQUIATRIA: A CURA PELO CANDOMBLÉ (1)

(Chico Ribeiro Neto)

Esse é o título da matéria que fiz para a revista “Manchete”, publicada em 07/03/1976, número 1.250, com fotos de Artur Ikissima e do arquivo da revista. Aqui, o médico Álvaro Rubim de Pinho, ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e professor titular de psiquiatria na Universidade Federal da Bahia, afirma: “De um modo geral, o médico apresenta uma tendência para supervalorizar o caráter de onipotência e infalibilidade de sua profissão, quando na realidade deveria ficar mais aberto, sobretudo no caso de desequilíbrios que afetam a mente, para poder avaliar com exatidão a influência real dos recursos religiosos”.

Diante da atualidade do tema, reproduzo essa matéria, cuja primeira parte está postada hoje:

“Em todas as regiões do Brasil, os terreiros de candomblé, os centros espíritas ou mesmo algumas tendas de caboclos sempre receberam com frequência a visita de pacientes atacados das faculdades mentais. Até pouco tempo, as famílias um pouco mais abastadas que levavam seus doentes hospitalizados em clínicas psiquiátricas aos pais-de-santo, nos dias de folga, procuravam esconder esta apelação dos médicos e dos amigos. Na realidade, todos os iniciados tinham pleno conhecimento dessas práticas. Mas todo mundo concordava em manter os fatos em segredo.

Há cerca de 10 anos, o médico baiano Álvaro Rubim de Pinho, ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e professor titular de psiquiatria na Universidade Federal da Bahia, decidiu romper a cumplicidade do silêncio e tornar públicas tais práticas. Rubim de Pinho se recusa a aceitar a qualificação de pioneiro no assunto. Explica que, antes dele, três grandes figuras já se haviam interessado de perto por estes estudos: Nina Rodrigues, Artur Ramos e Estácio de Lima. As pesquisas de Rubim de Pinho têm sido apresentadas em congressos médicos de nível internacional, e, apesar da hostilidade inicial de alguns psiquiatras da escola ultra-racional, a própria Organização Mundial da Saúde já tomou consciência da “utilidade social de certos tipos de curandeiros no tratamento das doenças mentais”.

Rubim de Pinho parte dos fatos concretos: no Brasil, quando um indivíduo acusa um desequilíbrio mental grave, é muito mais comum do que se poderia pensar o recurso a uma estranha simultaneidade de terapias. A família confia o doente ao psiquiatra, mas, ao mesmo tempo, procura consultar o médium espírita mais famoso ou uma mãe-de-santo conhecida.

O médico, segundo Rubim de Pinho, não pode desconhecer essa psiquiatria folclórica. “É necessário distinguir, no quadro clínico, o que é patogênico daquilo que é patoplástico, sabendo compreender, nesse conjunto, os elementos espirituais valorizados pelas seitas.”

De um modo geral, afirma o professor, o médico apresenta uma tendência para supervalorizar o caráter de onipotência e infalibilidade de sua profissão, quando na realidade deveria ficar mais aberto, sobretudo no caso de desequilíbrios que afetam a mente, para poder avaliar com exatidão a influência real dos recursos religiosos.

É interessante conhecer a opinião das mães-de-santo a respeito do assunto. Olga de Alaketu, senhora de um dos terreiros de candomblé mais célebres da Bahia, coloca o problema em termos bastante simples, mas que, no fundo, apresentam grande interesse para um estudo científico.

“Quando o problema é puramente nervoso”, diz ela, “aí só o médico pode resolver. Mas quando se trata de negócio de espírito, isto é, de entidades perturbadoras que penetram na vida do indivíduo, aí não existe médico no mundo que dê jeito. Aquele nervoso aparente não é nervoso; é coisa espiritual que só se resolve no terreiro”.

Mãe Olga revela que já curou dezenas de casos de doenças do espírito. “Em primeiro lugar, quando a pessoa chega às minhas mãos, vou trabalhar para procurar sentir aquilo de que ela está mais precisando. Trato o doente com muito carinho e, se for o caso, até guardo a pessoa em minha casa o tempo necessário”.

Olga explica que, durante as sessões de tratamento, fica observando os momentos de “volta da consciência”, para poder fazer com que o paciente recobre o mais possível essa consciência “sem agitação e sem aperreio”.

Ela acaba sempre descobrindo qual é a entidade sobrenatural (espírito) que está perturbando o indivíduo. Nesta fase, às vezes é necessário recorrer a um ebó, isto é, trabalho de despacho que comporta sacrifício de aves, oferenda de farofa de azeite de dendê, charutos, pipocas e velas, colocados em certos locais especialmente indicados para o ritual, sobretudo as encruzilhadas.

Olga de Alaketu cita um exemplo recente: “Há algum tempo chegou a minha casa uma moça de 17 anos atacada de histeria. Na casa dela, dava ataques frequentes, durante os quais ficava dura e se urinava todinha. Ela chegou no terreiro levada pelo psiquiatra, acompanhada de seu pai e de um tio. Ficou sendo tratada ao mesmo tempo pelo psiquiatra e por mim. O médico curou de um lado e eu, do outro, amansei a entidade. Esta moça hoje vive tranquila em sua casa, nunca mais teve ataques e já retomou até os estudos”.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

 

 

 

FLOCOS DE ALGODÃO

Durante a primavera elas estão floridas de amarelo e outras cores, proporcionando um espetáculo exuberante de encher os olhos. Não sei dizer com precisão se são flamboyants, mas isso não importa tanto, visto que são belezas diferentes que a natureza nos proporciona através dessas árvores localizadas na Avenida Filipinas. Para essas flores ou capuchos brancos, resolvi denominá-los de flocos de algodão, captados pelas lentes da nossa máquina. Confesso que é a primeira vez que vejo esses flocos pendurados numa árvore como se fossem uma arte feita por um exímio artesão para uma noite de Natal, mas são perfeitos demais. Muitos passam apressados e nem percebem o encanto que a natureza nos proporciona e, aos poucos, elas vão se desprendendo dos galhos e formando um tapete branco no chão. Vi também uma árvore dessa ali na Avenida Rosa Cruz e imaginei que os flocos fossem algum material artificial, coisa montada pelo próprio homem, ou mesmo uma sujeira vinda do alto derivada da poluição.

 

 

 

 

COMO DESATAR ESSE NÓ?

De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

O vaqueiro,

Amansador de burro brabo

Deu um nó cego,

E ainda bateu um prego.

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

Dizem que o universo é infinito,

E se for finito,

O que existe além disso,

Trevas no precipício?

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

Se Deus existe,

Quem, então, criou Deus?

Tudo é mistério sem razão,

Coisas da fé e da religião,

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

A vida já nasce com a morte,

Uns saudáveis e fortes,

Outros pobres miseráveis,

Até com doenças incuráveis.

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

Os espíritas acreditam

Na reencarnação,

Os cristãos afirmam que não,

Que a alma segue outra dimensão.

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

A ciência se liga na matéria,

Não sabe da onde viemos,

Nem quem somos,

E para aonde vamos.

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

E o amor não correspondido,

Fica o dito pelo não dito,

Se conhecer é sofrer,

Melhor é não saber?

 

Como desatar esse nó,

E decifrar esse quiproquó?

 

 

 

 

PESSOAS QUE FALAM DEMAIS…

 

Em lançamentos de livros, homenagens, solenidades e eventos políticos, principalmente, sempre existem aquelas pessoas carimbadas que quando são chamadas a se pronunciar uns começam a cochichar nos ouvidos dos outros:

– “Agora você pode tirar uma cochilada ou ir tomar umas no bar mais próximo e voltar depois que ainda está no meio do discurso”.

Sobre uma pessoa conhecida que batia o recorde no falatório, um amigo soltou essa um tanto exagerada:

– Cara, se você quiser pode ir ao motel com a mulher, fazer aquela brincadeira numa boa, sem pressa, e retorna ao recinto para ouvir a outra metade da explanação, isto se você ainda conseguir aturar.

Pois é, para essa gente que fala demais com rodeios e detalhes, inclusive numa conversa chata, muitas vezes recheada de elogios e bajulações, deveria haver um aparelho denominado de desconfiometro para dar um sinal de alerta de tolerância após um determinado tempo.

Seria, ao meu modo de ver, uma grande invenção, útil para quem está falando e também para a plateia que começa a se remexer nas cadeiras, abrir a boca ou ficar no celular, ao mesmo tempo rezando para quem está lá na frente fechar a boca e dizer: “Muito obrigado a todos por me suportar”. Agora, imagine isso para as pessoas idosas!

Eu, às vezes, faço o “mea culpa” quando dou uma esticada na fala e não percebo, mas sou repreendido pela mulher ou um amigo mais próximo. Tento argumentar que foram somente 10 minutos quando ultrapassei os 20. Estou procurando me policiar nessas ocasiões.

Falar muito tempo é até uma falta de respeito para quem está ali em pé ou sentado escutando. O falador só vê o seu lado. Quando alguém assim procede, lembro logo do cubano Fidel Castro que ficava oito, dez ou mais horas discursando numa praça para seus súditos, numa espécie de lavagem cerebral.

Nessa mesma linha, os falastrões nos fazem também fazer comparações com os pastores evangélicos que passam horas com a bíblia na mão esconjurando o satanás e convencendo os fiéis a darem o dízimo se não quiserem ir para o inferno. Usam o diabo como maior arma de convencimento.

Em todos os lugares existem sempre aqueles que são os terrores quando pegam um microfone numa solenidade, e coisa são os políticos em comícios. Para quem gosta, estamos entrando na temporada das eleições onde os candidatos costumam sair roucos de seus falatórios para conseguir seus votos.

 

 

A CAMPANHA DO PT TEM QUE FOCAR SUAS AÇÕES EM OUTRAS CAMADAS SOCIAIS

Não vejo muito sentido essas reuniões, encontros e realização de eventos voltados, em grande parte, para as entidades e militantes que são da esquerda, isto é, grupos de eleitores que já estão definidos em quem vão votar. No início serve como motivação e estratégias de trabalho no sentido de multiplicar a militância.

Outra coisa é acreditar que a vinda do presidente Lula, de Jaques Wagner, Ruy Costa, do governador Jerônimo e outros caciques do partido a Vitória da Conquista é decisiva para ganhar a eleição municipal. Dão mais brilho, força e visibilidade, mas é preciso que o povo chegue junto nesse apoio.

Hoje nós temos um país totalmente polarizado e dividido politicamente, basta observar as pesquisas de aprovação do atual Governo Lula com as de 2010, se não me engano, quando deixou a presidência com cerca de 80% de aceitação. De lá para cá muitas coisas aconteceram no país que mudaram o cenário de intenção de voto.

Não estou dizendo com isso que suas vindas não sejam importantes para reforçar a campanha, mas temos que ser realistas de que o atual Governo de Lula não tem mais aquela aprovação dos anos 2000 quando sua presença e de seus companheiros atraiam multidões de novos eleitores e até decidiam eleições.

As coisas mudaram muito dos anos 2013 para cá com aqueles movimentos e protestos de rua que criaram os monstros, como o    “Bozó” e seus seguidores, fortalecendo a extrema direita. Não se pode mais pensar que tendo o Lula lá como presidente da República e o Jerônimo aqui no Governo da Bahia vão decidir o pleito no executivo municipal que é diferente da nacional.

As realidades atuais são bem distintas. A direita e a extrema avançaram muito no campo popular, inclusive utilizando métodos ilícitos e promíscuos de forma agressiva, com suas fake news. Por sua vez, a esquerda murchou e cedeu muito espaço quando deixou de atuar mais ativamente em suas bases, como se fazia no passado.

O PT e suas coligações de esquerda não podem subestimar os adversários e acharem que tendo Lula e o Governo do Estado serão imbatíveis. É preciso focar e centrar fogo nos eleitores de centro, na juventude de estudantes, nas associações e entidades de classe, tanto nas áreas urbana como rural.

Numa carreata, caminhada ou comício, não basta apenas a participação dos militantes dos partidos e de movimentos de esquerda. Tem que arrastar o povo que está do outro lado, aquele que foi esquecido lá atrás.

Na minha simples e modesta leitura, o PT conquistense criou uma comissão e uma coordenação de campanha quase toda de notáveis professores da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e outros intelectuais, quando deveria ter mais gente representante do povo. É a minha avaliação que até pode estar equivocada.

Já ouvi falar por aí que é o núcleo duro da Uesb, e isso não é nada bom. Deu certo lá no passado. Os tempos são outros e é preciso renovar para ganhar. Seria salutar incluir gente nova nesses grupos, com menos teoria e mais prática, com programas mais claros e objetivos de fácil compreensão. Tem que falar a língua do nosso povo.

A verdade é que o pré-candidato, ou candidato Waldenor Pereira, ainda é um ilustre desconhecido das periferias e da população do campo, apesar de deputado estadual e federal por vários mandatos. É necessário que se faça um trabalho mais massivo de popularização, do tipo corpo a corpo como antigamente.

Bem, quem sou eu para estar aqui dando pitaco político em campanha, se existem marqueteiros e sábios professores que pensam totalmente diferente de mim! Só acho que se deve correr atrás de outros eleitores que estão mais para eleger o outro lado de lá. Nessa comissão e coordenação deveriam ter jovens estudantes, artistas, trabalhadores e líderes de associações e entidades.

NAS SALAS DOS PACIENTES

ESSES PROFISSIONAIS DA MEDICINA, RECEPCIONISTAS E DA ÁREA DE SAÚDE EM GERAL DEVERIAM SER CHAMADOS DE PACIENTES, E OS DOENTES DE IMPACIENTES. TEM COISAS QUE NÃO CONSIGO ASSIMILAR.

O termo paciente dado às pessoas que ficam numa sala à espera de uma consulta médica; fazer ou receber os resultados de exames, seja através do SUS ou particular, deveria ser impaciente. Numa clínica ou numa unidade hospitalar, o ambiente é tedioso, sombrio e estressante, para não falar de medo, principalmente nos consultórios odontológicos, ouvindo aquele chiado da máquina de triturar dentes. Pior ainda é uma cirurgia na boca.  Eu que o diga.

Nunca entendi esse negócio de paciente. A impressão é que essa gente da área de saúde que assim nos classifica teve a intenção de tripudiar e gozar com nossas caras. Nessas salas, fica um olhando para o outro com ar de impaciente e na expectativa da sua hora de ser chamado. O tempo parece parar.

O paciente, ou impaciente, fica naquela ansiedade danada da sua vez, principalmente quando é na base das senhas, caso das centrais de marcação do setor público. Os hipocondríacos tocam a falar como matracas, justamente de doenças, ao invés de um papo mais ameno e descontraído. Deveria existir uma lei proibindo conversar sobre esse assunto nas salas de pacientes, ou impacientes.

Você já procurou observar sobre a prosa que mais rola nessas salas de postos de saúde pública, hospitais e nas clínicas privadas, sobretudo entre aqueles (as) de idade mais avançada? Claro que existe grande diferença dos lugares (saúde pública e privada) em termos de atendimento e conforto, mas as conversas são quase todas comuns, tanto num como no outro. Ai, lá vem a questão das classes sociais, tão desiguais em tudo.

No setor privado, o idoso (a) já chega logo distribuindo suas queixas para a recepcionista ou o recepcionista, antes de entrar no consultório. É um rosário de lamúrias, e coisa é com o médico ou a médica lá dentro.

– Oh, minha filha (o) eu não lhe conto, estou aqui com dores em todo corpo. Dói aqui, dói acolá, e ontem não consegui dormir de noite, levantando e me revirando na cama, sempre indo ao banheiro para fazer xixi. Quase não consegui me levantar. Só na madrugada tirei uns cochilos leves.

Tem paciente que o atendente já conhece sua vida toda, de cabo a rabo, e ao entrar pensa logo consigo: “Ih, lá vem aquele chato (a) mala com suas histórias intermináveis! Haja paciência para aturar!”

No SUS não existe muito isso porque os atendentes ficam num balcão ou guichê com um monte de fichas burocráticas na mão e pouco dão atenção aos pobres coitados. Tratam com estupidez e são mal-encarados, com raras exceções.

O médico chega atrasado e é rápido na consulta, coisa de cinco, dez ou quinze minutos. Estou sendo até condescendente. Existem alguns mais conscientes do seu dever, mas são poucos. O papo é entre os pacientes, ou impacientes, mesmo naquelas cadeiras duras, sem ar-condicionado, ao contrário das salas da saúde privada.

Nas salas privadas tem aquela televisão ligada num só canal com aqueles programas horríveis. Uns ficam assistindo e, ao mesmo tempo, falando de doenças. Outro com o celular na mão o tempo todo e ninguém com um livro, só no meu caso quando vou a uma consulta. Confesso que me sinto como um estranho maluco naquele ambiente, fechado até as tampas.

O hipocondríaco sabe de tudo e anda com um monte de remédios na bolsa para todo tipo de dor. Conheci uma mulher que tinha medicação para tudo, de dor de cabeça a do dedo da mão ou do pé. Coitada, morreu entrevada de tanto tomar remédios!

Confesso até que sou um expert nesse negócio de paciente, ou impaciente em salas médicas. Lembro do tempo que estava fazendo tratamento contra a hepatite C e tomava medicações fortes do tipo Interferon na veia (acho que é o nome certo) que deixava a gente nervoso nos finais de semana e até levava a surtos psicóticos.

Sempre levava e ainda levo meu livro para ler, com cara emburrada, para não falar com ninguém, mas escutava e escuto tudo. Cada um com seu problema de sofrimento para narrar.

Lembro de uma mulher contar para os outros ao lado que, por causa dos remédios fortes, deu um surto de nervosa e quebrou tudo dentro de casa. Me achava um esquisito extraterrestre. Aquela conversa me deixava mais nervoso.

Mesmo com o livro na mão, aparecia alguém querendo entabular um papo, talvez por piedade e compaixão em me ver ali isolado, só lendo, sem interagir com os outros pacientes-impacientes.

– E aí, qual vai ser sua hora com o médico? Como está se sentindo com o tratamento? Para mim está sendo uma barra pesada, cara! Você é mesmo daqui de Conquista? E tome perguntas. Respondia monosolabicamente com ar de que não estava a fim de prosa. A pessoa se recolhia e devia me esconjurar todo em sua mente:

– “Que sujeito mal-educado. Deve ser um revoltado, egoísta, antissocial e fica aí se achando melhor que os outros com esse livro e jeito de intelectual metido a merda. Em mim era aquela agonia e tormento, não vendo a hora do médico me chamar na sala de pacientes, ou impacientes.

 

 

ALGUNS DE SEUS PENSAMENTOS

Estou finalizando a leitura de “Assim Falava Zaratustra”, de Nietzsche, um filósofo ateu, complexo e um ponto fora da curva do século XIX que, para começar, menospreza, deprecia os poetas e as mulheres. Para ele, só as mais velhas são mais sensíveis e maduras que merecem atenção. Quanto aos poetas – por ironia, sua linguagem é quase toda poética entre metáforas e parábolas – são mentirosos e enganadores fúteis.

Bom, vamos a alguns de seus pensamentos, os mais lúcidos e que nos servem de ensinamentos para a vida. No capítulo “DE PASSAGEM”, depois de atravessar muitos povos e cidades, Zaratustra retorna para sua montanha e sua caverna. De passagem, ele se depara com um louco na porta da cidade, que o povo o chamava de “macaco de Zaratustra” porque imitava o próprio em sua linguagem e pensar.

O louco abriu os braços e disse que ali Zaratustra nada tinha a procurar, mas tudo a perder. Ali era um lamaçal! “Isto é um inferno para os pensamentos dos solitários. Aqui se cozinham vivos os grandes pensamentos, aqui se reduzem a papa. Aqui apodrecem todos os grandes sentimentos…”

O “macaco” continuou a falar para Zaratustra: “Não percebes como aqui o espirito se tornou um jogo de palavras? Cospem repugnantes intrigas verbais! E dessas intrigas fazem, os de cá, ainda jornais (hoje poderia ser redes sociais).

“Provocam-se sem saber porquê. Entusiasmam-se e não sabem porquê. Sacodem suas latas, tilintam com seu ouro. Sentem frio e procuram calor na aguardente. Aquecem-se e procuram frescor nos espíritos gelados. Estão todos infectados e contaminados pela opinião pública”.

O “louco macaco” insistiu em lhe aconselhar, afirmando que “eu sirvo, tu serves, nós servimos. Assim rezam ao soberano todas as virtudes hábeis, para que a merecida estrela se prenda afinal ao peito esquálido. A lua, porém, ainda gira em torno de tudo o que é terrestre. Assim também o soberano gira em torno do que há de mais terrestre: O ouro dos lojistas. Aqui corre sangue pútrido, pobre e espumoso, por todas as veias. Cospe sobre a grande cidade, que é o grande depósito onde se acumulam todos os detritos”.

Como se percebe, o diálogo tem sua própria antítese, e Zaratustra manda o “louco” se calar exclamando que ele tem vivido muito tempo à beira do pântano ao ponto de teres convertido em sapo e rã. Por que não te retirastes para o bosque. “Desprezo teu desdém e já que me prevines, porque não te preveniste a ti mesmo?

Zaratustra ficou longo tempo calado e disse: “Também sinto repugnância por esta grande cidade e não só deste “louco”. Aqui e acolá, nada há que melhorar, nada há que piorar”.

“DO ESPÍRITO DO PESO”, na fala de Zaratustra, o Nietzsche ressalta que sua linguagem é do povo. Falo de modo rude e franco para os delicados. “Meu pé é casco de cavalo. Com ele troto e galopo por montes e vales, pelo comprido e de cá para lá, e em toda corrida rápido fico endiabrado de prazer”.

Mais adiante, assinala que aquele que ensinar os homens a voar, destruirá todas as barreiras. “O avestruz corre mais depressa que o mais veloz cavalo, mas também enterra a cabeça na pesada terra. Assim faz o homem que ainda não sabe voar”.

“A terra e a vida parecem-lhe pesadas e é isso o que quer o espírito do peso! Mas aquele que deseja ser leve como uma ave deve amar-se a si mesmo”.

“É preciso aprender a amar-se a si próprio com amor sadio, a fim de aprender a suportar a si mesmo e a não vaguear fora de si mesmo”

“Amor ao próximo”, assim se chama o fato de vaguear fora de si mesmo. É com esta expressão que se tem mantido e fingido mais, especialmente por parte daqueles a quem todo mundo dificilmente suporta”.

“A única coisa pesada, porém, para o homem levar é o próprio homem! É que carrega aos ombros demasiadas coisas estranhas. Como o camelo, ajoelha-se e deixa-se carregar bem”.  Diz que o interior do homem se parece muito com a ostra: Repelente, viscosa e difícil de apanhar.

“Também nos enganamos muito acerca do homem, por haver muita casca pobre e triste de excessiva grossura. Há muita força e bondade ocultas que jamais foram desvendadas…”

“O homem é difícil de descobrir, e ainda mais para si mesmo. A inteligência mente muitas vezes acerca do coração. Isso é o que faz o espírito do peso”.

“Na verdade, também não gosto daqueles para quem todas as coisas são boas e que chamam a este mundo o melhor dos mundos. Chamo-os de oni-satisfeitos”.

“A facilidade de gostar de tudo não é dos melhores gostos. Louvo as línguas delicadas e os estômagos escrupulosos que aprendem a dizer: “Eu” e “Sim” e “Não”.

“Mastigar e digerir tudo, porém, é fazer como os suínos. Dizer sempre sim, isso só os asnos e os de sua espécie aprendem. O que meu gosto deseja é o amarelo intenso e o roxo quente, mistura de sangue com todas as cores. Mas aquele que cai de branco revela ter uma alma caiada de branco”.

“Eu não quero estar ou morar onde toda gente escuta. Este é agora meu gosto: Prefiro viver entre perjuros e ladrões. Ninguém tem boca de ouro. O animal mais repugnante que tenho visto entre os homens chamei-o de parasita. Não queria amar e queria viver de amor”.

“Chamo desgraçados todos aqueles que só podem escolher entre duas coisas: Tornar-se animais ferozes ou ferozes domadores de animais. Não gostaria de erguer minha tenda ao lado deles”

VOCÊ ME EMPRESTA ESSE LIVRO?

(Chico Ribeiro Neto)

“Quando a gente gosta, a gente começa emprestando um livro, depois um casaco, um guarda-chuva, até que somos mais emprestados do que devolvidos. Gostar é não devolver, é se endividar de lembranças” (Fabrício Carpinejar).

“Ela nunca me devolveu “O Pequeno Príncipe”. “O essencial é invisível para os olhos”.

A última vez em que vi o grande jornalista baiano Jorginho Ramos (que nos deixou em abril deste ano) foi na saída do Bom Preço do Chame-Chame. Ele, que era diretor da biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, me convidou para ir lá. Falei que iria ao IGHB para conhecer os livros raros. Não deu tempo. Falamos também do saudoso historiador Cid Teixeira e Jorginho lembrou uma frase dele: “Burro não é quem empresta o livro; burro é quem devolve”.

– Você me empresta esse livro? Prometo lhe devolver em 15 dias, no máximo. (Já se vão 8 anos).

Um amigo tinha um recibo impresso (tipo de biblioteca) onde constavam nome do livro, de quem pegou emprestado e a data de devolução.

“Livro de empresta

Se vai não volta

Se volta não presta

Triste do livro que se empresta!” (Tarcísio Araújo).

“Quem empresta, nem para si presta” (ditado popular).

Tem gente que não pega o livro emprestado, rouba mesmo. Um colega do Colégio Central, na década de 60, roubava livros na antiga Civilização Brasileira, na Rua da Ajuda, em Salvador. Na hora em que a livraria estava com muito movimento, ele pegava um livro numa mesa que ficava pelo meio, entre as estantes, folheava-o com toda a calma, como quem lê o prefácio, assinava o nome rapidamente na primeira página e colocava o livro na mochila. Caso fosse apanhado no flagra ele reagiria: “O livro é meu, veja que já está assinado!” Nesse dia em que o acompanhei, deu tudo certo, mas fiquei apenas de olheiro. Acho que Deus deve perdoar quem rouba livros para ler.

Outro amigo costumava surrupiar livros da Biblioteca Pública do Estado, mas não sei qual era a tática. Por falar em biblioteca, o jornalista Alberto Oliveira resolveu recentemente doar cerca de mil livros, alguns raros. Diz ele: “Não vi destino melhor que uma biblioteca pública. Fui à Juracy Magalhães, no Rio Vermelho. Fizeram-me uma exigência: enviar, por email, uma lista de todos os livros, fotografando-os um a um, para que pudessem decidir se aceitam a doação. É evidente que não insistirei em levar livros a quem, aparentemente, deles não precisa”.

As pessoas também emprestam dinheiro, mais difícil de devolver do que o livro.

“Antes de emprestar dinheiro a alguém, verifique de qual dos dois você gosta mais” (ditado popular).

“Um banco é um lugar que te empresta dinheiro se conseguires provar que não necessitas dele” (Bob Hope).

Vamos emprestar mais beleza à nossa alma. Tomara que ela não devolva.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

ENTRE A BELEZA E O PERIGO

Nas cidades médias e grandes, as pessoas pouco observam as belezas da natureza. Mesmo saindo de casa ao amanhecer, praticamente ninguém admira o raiar do sol, a aurora, nem tampouco o entardecer do pôr-do-sol quando retorna para seu lar. Muito diferente do homem do campo que ainda eleva seu espírito para a criação e seus mistérios. Na beleza também, como na imagem dos pinheiros ao lado do Centro de Convenções Edivaldo Franco, na Avenida Rosa Cruz, como se fossem torres de catedrais, no alto também está o perigo da fiação entre os postes de energia. É preciso parar e olhar para o invisível visível. Como a imponência dos pinheiros que juntos parecem orar e bendizer, do outro lado, num quintal, está uma velha árvore, cuja copa pendeu-se toda para o passeio da rua. Quem passa sente rapidamente penetrar num túnel de galhos e folhas, mas lá também está o perigo dela tombar em alguém por falta de uma poda por parte da Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal. O que faz uma cidade bonita não é a engenharia arquitetônica dos seus prédios e de seus casarões, mas a cobertura florestal. Vitória da Conquista, por exemplo, ainda deixa a desejar em termos de arborização, apesar do seu clima ameno. Precisamos de mais beleza como estas clicadas pelas nossas lentes, mas sem o perigo para seus moradores.

SERRA DOS BEM-TE-VIS

Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Nasci menino nordestino,

Na Serra dos Bem-te-Vis,

Agreste de pinturas rupestres,

Parente do Neandertal,

Que navegou

Entre águas doce e de sal;

Fui laçado

Pelo existir do destino;

Enfrentei batalhas,

Em meu cavalo a galope,

Sobrevivi ao golpe;

Criei cicatrizes,

Nos fios das navalhas;

Mantive minhas raízes,

Da Serra dos Bem-te-Vis.

 

Cai e levantei;

Sei o quanto sofri

Nesse sistema brutal,

Quando rasgaram

Minha mente,

Nela colocaram um chips

De lavagem cerebral,

Mas nunca esqueci

Da Serra dos Bem-te-Vis.

 

No céu embaçado do inverno,

Cambaleando segui em frente;

Imaginei estar no inferno,

Na guerra dessa gente;

Revigorei minha alma,

No amanhecer do sol de verão,

Nos passos firmes

Do meu bastão,

Lá da Serra dos Bem-te-Vis.

 

Escalei montanhas;

Atravessei oceanos;

Conheci suas entranhas,

Solitário vivi, pedras removi,

Desde a Serra dos Bem-te-vis.

 

Lá na Serra dos Bem-te-Vis

Não apodrecem os sentimentos,

Nem existem intrigas verbais,

Que vão parar nas redes virtuais;

Não envelhecem

Os corações juvenis,

Lá na Serra dos Bem-te-Vis

 

 

 





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