NOS TEMPOS DOS CARTÕES POSTAIS
– Quando chegar, não esquece de mandar um cartão postal. Os mais velhos se lembram bem dessa recomendação quando algum familiar, amigo, namorado ou namorada viajavam para uma cidade distante ou uma capital, no caso Salvador, que muitos chamavam de Bahia ou Baia. A viagem era sempre aguardada com muita ansiedade. Na véspera nem se conseguia dormir direito.
As viagens, em sua grande maioria, eram feitas de ônibus em estradas de cascalho e demoradas, umas com o propósito de passeio e outras até mesmo para ficar de vez na casa de um parente para arrumar um trabalho e melhorar de vida porque o interior pequeno era muito acanhado e não oferecia condições de crescimento. E as malas de couro cru! Cabia tudo dentro.
As partidas eram chorosas e calorosas como se a pessoa estivesse indo para o fim do mundo, para a China ou para o Japão. Os abraços e beijos eram demorados, e o motorista se danava a buzinar o carro para apressar os passageiros. Na saída eram aqueles adeuses!
Boas recordações daqueles tempos dos cartões postais onde a pessoa ia numa lojinha de lembranças e comprava aquelas belas imagens fotográficas e as remetia pelos Correios. Demorava um pouco de chegar ao remetente, mas era batata! Não falhava e nem desviava.
– Para minha amada, com muitas saudades do meu amor. Este é um lugar que nos une, mesmo tão distantes. Você está sempre em meu coração.
– Para meu pai e minha mãe querida, com muito carinho. Fiz uma boa viagem e estou adorando esta cidade. Em breve envio mais notícias.
– Ao meu amigo, ou amiga, um forte abraço. Aqui tudo é bonito e estou aproveitando esses dias para conhecer vários lugares encantadores. Quando a viagem era rápida, a pessoa trazia na bagagem um monte de cartões postais para comprovar sua visita.
Esses e outros dizeres, de acordo com cada intimidade que um tinha para com o outro, eram escritos nos versos dos cartões postais com distintas caligrafias, não esses garranchos de hoje que quase ninguém entende.
Naquele tempo, muita gente fazia coleção de cartões postais. Eu mesmo conheci uma pessoa que era fissurada nessa mania e tinha cartões de várias partes do mundo, sem contar do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e de outras capitais do país. Quantas saudades!
Por que hoje você diz que tal lugar é um cartão postal da cidade? Em Vitória da Conquista, por exemplo, dizem que o Cristo de Mário Cravo ou o Poço Escuro? Em Salvador, o cartão postal pode ser o Elevador Lacerda, o Farol da Barra ou a Ponta de Humaitá, na Ribeira. No Rio de Janeiro é o Cristo Redentor ou o Bondinho do Corcovado. Em Paris é a Torre Eiffel.
Atualmente não existem mais cartas e nem recantos de cartões postais. Hoje é tudo instantâneo pelo celular através de uma foto ou selfies, com uma legenda troncha cheia de erros de português. Na maior parte, as mensagens são feitas por áudio e, praticamente, sem ligações telefônicas.
Será que alguém aí ainda guarda, lá no fundo do baú, algum cartão postal ou carta de antigamente? Muitos foram jogados fora como velharia imprestável para dar lugar ao moderno. Dia desse encontrei um cartão postal em minha pasta. Só não vou revelar a mensagem.
NO ESTILO “VIVER SERTANEJO”
A Rede Globo de televisão está aí com um programa cujo título é “Viver Sertanejo” que está mais para viver fazendeiros cercados de suas boiadas e cavalos de raça no pasto, no pantanal ou à beira de rios, para mostrar a vida dos famosos cantores desse estilo (muitos estão mais para o arrocha e a sofrência) em suas casas luxuosas de piscinas, estúdios, salões de jogos, belas suítes, pias douradas e muitos empregados e capatazes.
É uma maravilha um “viver sertanejo” assim de ricos músicos cantores cheios da grana no desfrute de seus confortos. Quero ver é apresentar um viver sertanejo autêntico, de preferência típico nordestino de homens e mulheres pobres vivendo na labuta do dia a dia no campo, plantando e cuidando de suas lavouras no rigor do sol, morando em suas taperas e rezando para que não bata a seca e destrua tudo.
Nesse caso, não seria um estilo opcional sertanejo de deleites desses artistas de maga-shows, mas um modo de vida de sobrevivência mesmo, dependendo da agricultura de subsistência, com um pequeno rebanho (muitos nem têm um gadinho para tirar o leite matinal para seus filhos), com seus costumes e hábitos de uma gente sofrida pouco assistida pelos governantes e políticos.
O sertanejo de verdade, ou o catingueiro, é aquele que se levanta ao raiar do dia e vai para a roça com suas ferramentas para lavrar a terra até o pôr do sol, isto quando caem as trovoadas e molha o chão. Nos sábados vai à feira da sua cidade para vender seus produtos.
Quando chega a estiagem e a cisterna fica seca (quando se tem uma), o jeito é botar a lata d´água na cabeça ou através do jumento, caminhando quilômetros de distância atrás de uma fonte, poço, um tanque ou um açude que ainda conserva um pouco do precioso líquido da vida.
Uma coisa é o “viver sertanejo” dos grã-finos Leonardo, Daniel, Jorge e Mateus, Chitãozinho e Xororó, Maiara e Maraísa, José de Camargo, Ana Castela e tantos outros que nem vivem da terra e vão ali vez ou outra para fazer suas festas com os amigos ao redor das fogueiras nas varandas suntuosas com suas cantorias.
Outra é o viver do nosso sertanejo, chamado até de tabaréu residindo em sua casa simples com seu chapéu de couro surrado para se proteger do sol escaldante. Ele faz suas preces ao se levantar e ao se deitar para rogar ao seu Deus ou ao seu santo que lhe dê coragem para enfrentar as intempéries do tempo e poder criar seus filhos.
Por que não fazer um programa, um documentário ou uma série de reportagens sobre esse viver sertanejo roceiro, como se comporta, o que faz durante o dia e a noite, suas atividades e as dificuldades para vencer os obstáculos? Falo isso porque eu mesmo fui um sertanejo desse e vivi essa experiência.
É muito prazeroso esse “viver sertanejo” das celebridades, não querendo com isso dizer que o nosso de verdade seja infeliz e amargurado. Mesmo diante dos problemas, ele é solidário entre seus compadres da comunidade; está sempre com um sorriso no rosto; recebe bem as pessoas; e sabe como driblar as angústias e as tristezas.
AS TRAPAÇAS E ASTÚCIAS DOS HEBREUS QUE EM CANAÃ FUNDARAM O JUDAÍSMO
Hebreus e árabes são meios-irmãos, mas brigam há milênios por propriedade e herança, conforme narram historiadores arqueólogos e a própria Bíblia através do livro do Gênesis. Tudo começou com Abraão quando saiu de Ur, da terra dos caldeus, na Mesopotâmia, e foi parar em Canaã (Retenu Superior), na Palestina, com seu clã.
O jornalista e escritor David Coimbra, em “Uma História do Mundo” faz um relato numa linguagem simples da trajetória desse patriarca, inspirador do judaísmo, e de seus descendentes de forma compreensível ao leitor e recheado de trapaças e astúcias. Na verdade, o cristianismo e o islamismo também têm Abraão, o seminômade, em suas escrituras religiosas.
Por volta de 2000 ou mais a.C. aconteceu uma seca braba em Canaã que causou muita fome e, como fazem os nordestinos, Abraão e sua bela Sara, ou Sarai, seu sobrinho Lot e demais formaram uma caravana até o Egito onde existia alimentos em fartura. Como os egípcios não podiam ver um rabo de saia, Abraão combinou com sua cobiçada Sara a dizer para o faraó que eles eram irmãos.
Uma versão conta que o patriarca temia ser morto pelo rei se ele contasse que Sara era sua mulher e outros dizem que Abraão fez uma negociação para ser bem recebido e adquirir o que queria. De qualquer forma, ele foi astuto e Sara serviu o faraó em seu harém. Por causo dela, Abraão foi bem tratado e recebeu ovelhas, bois, jumentos, servos e camelos. Se deu bem com seu esquema.
Ocorre que logo depois da chegada dos hebreus houve uma praga nas lavouras do Egito, fato que levou os egípcios a suspeitarem que a culpa estava em Sara que foi devolvida ao marido e seu povo expulso de suas terras. Cita a Bíblia que o Senhor ficou furioso e feriu o faraó e toda sua casa.
Abraão retornou com seus rebanhos para Canaã e Lot foi para Sodoma, a cidade do pecado que foi queimada por Jeová, juntamente com Gomorra. No entanto, Lot, sua esposa, que virou uma estátua de sal que, por curiosidade (coisa de mulher), ter olhado para trás, e suas duas filhas foram poupados. Ele foi para uma cidade chamada Segor e depois refugiou-se numa caverna com suas filhas, as quais embriagaram o pai e fizeram sexo com ele. Cada uma gerou um filho, Moab, o pai dos moabitas e Bem-Ami, pai dos amonitas.
O Antigo Testamento tem muita lenda, mas também verdade. A história descreve que Sara era estéril e Abraão, com o consentimento de Jeová, deitou-se com a escrava Agar com a qual teve Ismael que fundou os ismaelitas e se tornou patriarca de todos os povos árabes depois de ter sido expulso de casa sem nada com sua mãe pelo próprio pai por insistência da ambiciosa Sara logo após gerar Isaac com noventa anos de idade. Ela temia que o mais velho se tornasse o verdadeiro herdeiro da família, como assim regia o costume antigo.
Como todos sabem, Isaac quase foi sacrificado pelo pai por ordem de Jeová para testar sua fé, mas depois tornou-se homem descendente de todos hebreus. Está escrito que Sara morreu com 127 anos e Abraão ainda teve seis filhos com Quetura e faleceu com 175 anos.
Issac casou-se Rebeca que levou vinte anos para engravidar e deu os gêmeos Esaú, o peludo, e Jacó que significa o suplantado. A mãe gostava mais do segundo filho, um dos patriarcas dos hebreus, pacífico que preferia morar na tenda, enquanto o primeiro, um hábil caçador, despojado de valores materiais e de caráter era o querido do pai.
Por ser mais sedentário, Jacó representava a civilização. Como era o primogênito, Esaú tinha direito a ser o chefe da família e a herdar os bens na morte do pai, mas cedeu esse lugar para o irmão em comum acordo ou por ter caído na lábia de Jacó. Mesmo assim, Jacó usou o irmão lá na frente para trapacear e chantagear.
De acordo com o autor da obra, o que temos nesse episódio são a civilização e a selvageria, e também o homem e a mulher, a fraqueza e o ardil, a imprevidência e a astúcia. No final de sua vida, muito doente e cego, Isaac sentiu ser a hora de dar a benção simbólica paterna que confirmaria a primogenitura.
Isaac resolveu, então, abençoar Esaú e mandou que ele preparasse um prato bem suculento da sua caça. Esaú partiu com sua arma para caçar um animal. Ao ouvir a conversa por detrás da porta, a gananciosa Rebeca chamou Jacó e preparou outro plano para trapacear Esaú e o marido.
– Faça o que digo: Vá ao rebanho e traga dois belos cabritos. Prepararei com eles um prato para teu pai, como ele gosta. Tu vais levar o prato a ele e Isaac comerá e vai te abençoar no lugar de Esaú.
– Mas, mãe, argumentou Jacó – meu irmão é peludo e eu tenho pele lisa. Se meu pai me tocar passarei por embusteiro e serei amaldiçoado. No entanto, Rebeca orientou Jacó a cobrir os braços e as pernas com as peles dos cabritos esfolados de forma que o pai, se o tocasse, iria pensar se tratar do cabeludo Esaú.
Isaac até que desconfiou, mas terminou dando a benção para Jacó. Quando Esaú chegou com sua caça para oferecer ao pai já era tarde demais. Esaú ficou amargurado e mesmo assim pediu a sua benção, mas não tinha como o velho voltar atrás. Apenas disse que ele foi trapaceado pelo irmão.
– Eis que a tua habitação será desprovida de gordura da terra e do orvalho que desce dos céus. Viverás da tua espada, servindo ao teu irmão, mas se te libertares, quebrarás o teu jugo de cima do teu pescoço. Com essa alternativa, Isaac deu permissão a Esaú para vingar-se de Jacó.
Ao sentir o perigo, Rebeca mandou o filho para a casa do seu irmão Labão que morava na Mesopotâmia. Como para um esperto, outro mais esperto ainda, o tio deu uma boa enrolada nele ao ter se apaixonado pela bela prima Raquel.
Labão disse que seria uma honra tê-lo como genro, mas teria que serví-lo de graça por sete anos. Foi aí que Jacó caiu no esparro. Trabalhou por sete anos e no dia do casamento tomou aquele porre de deixar embriagado e terminou se deitando com Lia, a irmã baranga mais velha.
No outro dia tomou aquele susto e foi reclamar do tio que teria sido passado para trás. Labão astucioso explicou que havia mandado Lia para seu leito conjugal, em vez de Raquel, porque em sua terra o hábito era casar a irmã mais velha antes da mais moça.
Para consolar Jacó, afirmou que ele teria também a Raquel desde que trabalhasse mais sete anos como escravo para ele. Jacó, doido pela Raquel (homem é um bicho besta e romântico), topou a empreitada e terminou ganhando ainda as duas criadas Zilpa e Bila. Ficou com as quatro e passou mais seis anos como administrador de Labão, acumulando posses e filhos.
Depois de vinte anos possuía um tremendo rebanho, quatro mulheres, doze filhos e uma filha. Os doze terminaram sendo os fundadores das doze tribos de Israel, nome pelo qual Jacó passou a ser chamado.
Quando esse novo Israel decidiu retornar para Canaã, o tio não permitiu. Então ele tramou uma fuga com Raquel, que esperta levou as estatuetas ou terafins do pai. Esses terafins eram deuses que, além de servirem para adoração e idolatria, davam a quem as possuía o direito à herança familiar. Essas estatuetas eram uma prova de que alguns hebreus pioneiros também praticavam o politeísmo sem serem incomodados.
Na fuga houve outras trapaças entre Raquel e o pai, mas Jacó conseguiu se safar e chegar a Canaã onde fez boa fortuna ao ponto de ser o mais rico da Palestina. Entre seus filhos aparece o José, Judá (a tribo de Judá é a Judeia donde veio a designação “judeu”) que acabou sendo jogado num poço seco pelos irmãos, não por inveja por ser o mais querido do pai, mas porque era um tipo dedo duro, um X-9 das conversas dos irmãos.
Como todos conhecem bem a história, esse José, casado com uma cananeia de nome Sué (é um outro caso interessante) foi vendido pelos irmãos, sem o mais velho Rúben saber, a uma caravana de ismaelitas que levava resina, bálsamo e ládano (muito usados para embalsamar múmias) para o Egito. O José, Judá, terminou sendo escravo de Putifar, o chefe da guarda do faraó. Como era bonitão de corpo, a bela e gostosona da mulher de Putifar tentou seduzí-lo dando em cima dele na cara de pau.
José caiu na besteira de rejeitá-la e a mulher contou outra versão ao marido de que seu escravo havia flertado ela. José foi direto para o cárcere e lá começou a adivinhar os sonhos dos presos. Caiu nas graças dos guardas e de lá foi chamado para morar no palácio para desvendar os sonhos do faraó.
O resto da história já é conhecido de todos quando ele se encontrou com os irmãos famintos no Egito. Com uma seca em Canaã eles foram procurar abrigo na terra dos faraós que governaram o Egito por mais de três mil anos.
“SAI DO SERENO MININO”
(Chico Ribeiro Neto)
Sete da noite, mamãe Cleonice me chamava: “Sai do sereno, Chiquinho, senão você adoece!”
Eu ficava pensando que diabo era esse sereno, um negócio que a gente nem vê e faz mal. A chuva, pelo menos, a gente vê.
Os barquinhos de papel, feitos com folhas de caderno, desciam a enxurrada. Tinha vontade de escrever o nome nos barquinhos: “Chico I”, depois viriam “Chico II”, “Chico III”, até o oitavo. E essa frota desceria o rio de Contas, passaria em Barra do Rocha, Ubatã, Ubaitaba, Aurelino Leal e Itacaré, onde desfilaria no Oceano Atlântico.
Falar em escrever, já escrevi um bilhete e o coloquei numa garrafa que joguei no mar do Unhão. Era adolescente, já em Salvador, não lembro mais o que escrevi. Se fosse hoje, eu escreveria: “Um náufrago em terra firme”.
De volta a Ipiaú. Depois da chuva (ou antes, não lembro) a gente ia à noite pra ver as mariposas em volta da lâmpada dos postes. Aposta para ver quem conseguia contar quantas mariposas estavam a voltear.
Tem coisa mais gostosa do que um banho de bica? Era uma festa para a meninada, aquele toró caindo na cabeça da gente. Na hora de dormir, sentir aquele leve chuvisco que caía do telhado e vinha borrifar a cabeça, e se cobrir com uma coberta Dorme Bem, que espinhava e esquentava.
Usei galochas para ir à escola primária. Galocha era um calçado todo de borracha que se calçava sobre o sapato de couro para não molhá-lo em dia
de chuva. Não sei por que se chama um cara muito chato de “chato de galocha”. Talvez seja porque era chato calçar a galocha: a borracha embolava na ponta e no calcanhar.
As tanajuras apareciam no período de chuva. A gente enfiava um palito na bunda da tanajura só para ouvi-la vibrar as asas. Ela acabava morrendo. Menino tem arte do capeta. “Cai, cai, tanajura, na panela da gordura”, todos cantavam. A bunda de tanajura frita ou na farofa é muito apreciada no Nordeste. “A tanajura é rica em proteínas e minerais e tem um perfil de ácidos graxos semelhante ao da carne do boi e do porco”, dizem os especialistas.
Vovô Chico fez um tanque de cimento que saía do chão, na área de serviço da casa (entre a cozinha e o quintal), para aparar água de chuva, pois ainda não havia água encanada. Era a chamada água de gasto, para limpeza e banheiros. A de beber era comprada dos aguadeiros, homens que traziam os carotes de água nos burros e passavam de casa em casa descarregando-os nos porrões de barro. Duas bicas conduziam a água da chuva para o tanque que era fechado com madeira pra não cair bicho dentro. Eu gostava de subir num banquinho pra brincar com a água do tanque.
Na enchente descia de tudo pelo rio de Contas: bois, galinhas, porcos, melancias, abóboras, pedaços de cerca, árvores, um cenário de destruição.
Vinte e poucos anos. Namorar de noite, debaixo de chuva, na praia de Amoreira. Outra bela lembrança.
Começa a chover no Chame-Chame, em Salvador, tô sem guarda-chuva e começo a correr. “Vai devagar, meu tio, que o senhor pode escorregar. E velho não pode cair, não é?”
(Veja crônicas anteriores em leiamais.com.br)
NOSSO SÍMBOLO NORDESTINO
Na chamada “Suíça Baiana” (só pode ser um deboche) que está no sertão nordestino em pleno Planalto da Conquista, o nosso imponente mandacaru, símbolo resistente da nossa região, contrasta com a paisagem da cidade entre árvores exuberantes. Faça frio ou faça calor, lá está ele, todo esbelto. Está plantado em minha rua e todas as vezes que passo por ele, orgulho da minha terra catingueira onde nasci, faço questão de saudá-lo e pedir a sua benção para que me torne mais forte. Sigo em frente imaginando que tem gente em Vitória da Conquista que não se considera nordestino e se porta como se fosse um sulista, mineiro ou europeu, ao ponto de colocar o nome de Caminho de Santiago da Serra do Periperi a uma trilha que nem chega a cortar a serra. Mas, deixa isso para lá. Cada um com seu imaginário de grandeza. Quero mesmo é homenagear meu predileto mandacaru a quem tantos cliques disparei com minha máquina fotográfica como repórter redacional ao lado do meu companheiro fotógrafo José Silva, o “Zé das Lentes” por este sudeste baiano a fora, fazendo nossas coberturas jornalísticas. Dizem que ele não dá sombra. Não é verdade. Com sua coragem de verde fincado na árida terra no meio da sequidão, ele sombreia nossos sertanejos de fé e esperança. Dura pouco tempo, mas sua flor é única e bonita de se ver. Se você for cantar o Nordeste em verso e poesia, ele tem que ser citado, senão a canção fica sem sentido e não sai bem na fita a melodia.
O VERBO E AS PALAVRAS
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
No princípio era o verbo,
Que se tornou carne,
Depois um fogo que arde,
E milhões de anos no gelo,
Apareceram as larvas,
Nasceram as palavras,
Do vate veio a arte,
No vento soprando o tempo,
Cada qual com sua parte.
O verbo e as palavras,
Benditas e malditas,
Faladas e escritas,
Como facas afiadas,
Com suas forças viscerais,
Que conduzem as boiadas,
Pelas estradas dos mortais.
O verbo e as palavras,
Com seus laços e travas,
Estão nas ondas do mar,
Do lavrador ao doutor,
Na paz e no amor,
No ódio intolerante,
Dessa gente inconsequente,
Podem ferir e magoar,
Fazer rir e chorar.
O verbo e as palavras,
De réplicas e tréplicas,
Críticas e elogios,
Sinceras e mentirosas,
Sempre com roupas novas,
Desde os fios dos bigodes,
Nas rodas de pagodes,
Aos documentos como provas,
Entra a inteligência artificial,
No uso do bem e do mal.
O verbo e as palavras,
Estão nos rasgos do orador,
Na garganta do camelô,
Nos deuses dos imortais,
Na lógica dos intelectuais,
Na expressão de liberdade,
Na luta pela verdade,
Na voz do opressor,
Na prece ao Senhor,
Na tristeza e na alegria,
Na canção da poesia.
O PODER DAS PALAVRAS E DAS FALAS
“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal”. Nos filmes policiais, os soldados norte-americanos sempre falam isso para o preso. É uma garantia de não autoincriminação, segundo a qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si.
Aqui no Brasil o militar não quer conversa (qualquer palavra é desacato à “autoridade”) e joga o cara do alto de uma ponte, ou atira a queima roupa pelas costas. Lá também acontecem absurdos como do negro que foi sufocado com o joelho na garganta e ele apenas conseguiu balbuciar alguma palavra de que estava morrendo.
No entanto, não é propriamente desse assunto da violência brutal que quero tratar. O tema específico é sobre o poder da palavra ou das palavras, que vem lá do homem neandertal até chegar ao nosso sapiens que deturpou os conceitos, com línguas que mais parecem uma torre de Babel.
Quem já não disse “palavras são apenas palavras”, mas elas são a arte do bem falar. Umas para o bem, outras enganosas para o mal. O vigarista golpista, na maioria conhecido como bom de lábia, usa a palavra para ludibriar as pessoas.
O poder das palavras com suas frases está nos grandes pensadores, filósofos e políticos. Eu posso construir aqui um pensamento meu e colocar na boca de um desses famosos e, com certeza, terá valor, mas se disser que pertence a mim, não terá mais importância.
A palavra sai da boca, mas ela é formulada a partir da mente e do pensar, muitas vezes branda, lógica e respeitosa. Outra pode ter o efeito de uma faca afiada no calor da raiva, ou sem nexo, sem contexto, equivocada e tendenciosa. Numa discussão, o silêncio não deixa de ser uma palavra valiosa, dependendo da interpretação do opositor.
Cuidado com o que fala ou vai falar! Adverte o mais cauteloso, pois é assim que regem as normas da sociedade moralista, que não admite xingamentos e palavrões, se bem que são admissíveis na hora e nos momentos certos de desabafo e protesto. A palavra já levou muita gente à forca, às prisões e às fogueiras da inquisição. Difícil não falar uma palavra comprometedora diante de uma cruel tortura.
Na literatura, as palavras têm vários gêneros, tanto falada como a escrita. No sentido poético, elas podem ser líricas, telúricas, românticas, épicas, condoreiras, de realismo fantástico, expressionistas e impressionistas, bucólicas, bíblicas, objetivas e subjetivas, metafóricas, parabólicas e por aí vai.
Confesso que nas palavras aprecio muito os ditados populares criados pelos nossos ancestrais, como quem não tem cachorro caça com gato; boa romaria faz quem em casa fica em paz; antes só que mal acompanhado; em terra de cego quem tem um olho é rei; amor é como pirulito, começa doce e termina no palito; falar é fácil, fazer é difícil; a melhor resposta é aquela que não se dá; pão comido não é lembrado; uma mão lava a outra; antes tarde do que nunca; pedra que muito rola não cria limbo; e temos por aí centenas de milhares na boca do povo.
Na real, caramba! Elas podem ser benditas e malditas, vãs jogadas aos ventos e eternas nos tempos produzidas por grandes filósofos, políticos e escritores. Podem ser mentirosas, vaidosas, ambiciosas, gananciosas, falsas como certos “amigos” interesseiros e verdadeiras.
Podem ser de amor, de paz, de tristeza e alegria ou estar no grito de guerra que brota da terra. Elas estão nas ondas do mar, nas florestas, nas águas correntes, nas cachoeiras, nas montanhas uivantes, na nascente e no poente do pôr do sol. Estão no olhar, no aperto de mão, no abraço que pode ser até de tamanduá, na solidão, na saudade doída, no beijo e no coito sexual suave, carinhoso ou selvagem.
– Não acredito em suas palavras e em nada do que você fala. Isso vale para as pessoas que não cumprem o que prometem ou são desprovidas do conhecimento e do saber. Antigamente para os mais velhos da nossa geração, a palavra tinha o maior valor, tanto que se arrancava o fio do bigode ou da barba como fiador infalível. Funcionava como se fosse uma promissória.
Nos tempos atuais, principalmente em termos jurídicos, a palavra por si só não vale nada. O que conta é o “preto no branco”, o que está escrito no documento com reconhecimento de firma no cartório e claro, com carimbo. Palavra é letra que está na canção da bossa nova, no samba, no pagode, na mpb, no sertanejo de raiz ou não, no forró e em tantos outros ritmos musicais.
– A palavra tem que ser bem empregada na gramática e na frase para não ficar confusa e errada, seja substantivo, verbo, artigo, adjetivo, pronome, conjunção, provérbio, advérbio, no sujeito, no objeto direto e indireto, no predicado e assim por diante – advertiu um amigo, meu professor.
– É, completei que no português ela é bem complicada. Na polissemia uma única palavra pode apresentar vários sentidos, como manga, por exemplo, dentre tantas outras. Com escritas diferentes e pronúncias parecidas podem nos confundir como, sessões, secções, seções, ratificar e retificar. Existem as parônimas e as homófonas, como alto e auto, concerto e conserto, sela e cela, assento e acento, iminente e eminente, descrição e discrição, comprimento e cumprimento.
ESCOLAS PARALELAS E BRASIL PARALELO
Não temos como fazer uma reflexão sobre essa estrutura de Escolas Paralelas e Brasil Paralelo que estão criando em nosso país desde 2016 (teve mais força a partir de 2022) sem desassociarmos da política de extrema direita que tenta inocular em nossas crianças e jovens uma concepção conservadora, negacionista e de viés de supremacia racial nazifascista, sem falar no conceito de divisão de um país.
Em seu programa, tendo como base financeira os “mecenas”, que fundaram as escolas Caminhos e Colinas, essa gente está introduzindo conteúdos controversos em salas de aula, como a negação do capitão ex-presidente golpista Bolsonaro, de que não houve ditadura e tortura no Brasil. Para essas pessoas, o que houve em 1964 foi uma revolução contra um suposto plano de introduzir no Brasil o comunismo.
Através de um instituto, eles estão cada vez mais avançando com suas ideias extremistas de superioridade de uma raça branca e, em suas propagandas, introduzem negros para disfarçar seus verdadeiros propósitos de aniquilamento do pensamento progressista da igualdade racial e de gênero.
Outro exemplo de extremismo é que essas chamadas Escolas Paralelas e Brasil Paralelo trabalham no sentido de negar nossa verdadeira história, inclusive defendendo o fim da escola pública e que o ensino passe a ser feito pela própria família, coisa impraticável onde a maioria dos pais tem baixo nível de instrução, sem falar no fator tempo de dedicação aos seus filhos.
Como tantos outros de cunho conservador, esse movimento perigoso vem ocupando largos espaços deixados pelas esquerdas que se desviaram de suas bases, esqueceram seus princípios fundamentais éticos, cometeram desvios de conduta e fizeram alianças com grupos inescrupulosos e corruptos em nome de uma governabilidade de poder.
O resultado disso tudo ficou comprovado agora nas eleições de outubro passado onde a direita de extrema tomou a maioria das prefeituras municipais, inclusive das capitais. Foi por assim dizer uma avalanche como no caso de Vitória da Conquista, cujo povo optou pelo conservadorismo.
Quem são esses “mecenas” ricos poderosos das Escolas e do Brasil Paralelo e quais são suas verdadeiras intenções? Boa parte vem dos evangélicos conservadores que há anos vêm montando um plano diabólico de desmonte da nossa cultura, da nossa história, de desprezo das minorias e fomento ao racismo, à homofobia e à misoginia.
O pior de tudo é que as próprias vítimas votam, aderem e apoiam seus próprios algozes. É uma coisa incompreensível e de difícil resposta. Por que está acontecendo esse fenômeno, não somente no Brasil, mas em grande parte do mundo, como nos Estados Unidos e países da Europa?
Não sou nenhum especialista em educação, mas como vão ficar as cabeças desses jovens em futuro próximo depois de terem passado por um processo de lavagem cerebral? Com a palavra os professores. O mais espantoso é que assistimos a tudo isso de braços cruzados, enquanto as Escolas Paralelas vão desconstruindo o que foi construindo com conhecimento e saber científicos.
A BANANA E A BANALIZAÇÃO
Quando menino e morava com meus pais na roça à beira de uma estrada de cascalho, adorava ver no final da tarde de todas sextas-feiras os feirantes ou tropeiros de Tapiramutá passarem com suas cargas de bananas para serem vendidas no sábado, na feira de Piritiba, e lá se iam os bananeiros gritando e tocando seus jumentos e mulas.
Eram todas as espécies de bananas, como da prata, caturra, d´água, maçã, nanica e da terra. Em toda minha vida, desde quando me tornei gente no sentido da compreensão das coisas e fui estudar, nunca imaginei que uma daquelas bananas um dia se tornaria obra de arte colada com uma fita adesiva numa parede ou num quadro.
Até aí tudo bem porque seria uma homenagem louvável a um fruto de muitas proteínas e forte em potássio, originário do Sudoeste Asiático e do Oeste do Pacífico, plantado há mais de quatro mil anos na Índia, Malásia, Filipinas, Nova Guiné e Indonésia. É bom lembrar que nossos indígenas já cultivavam o fruto quando os portugueses invadiram o Brasil.
O mais espantoso e que chocou o mundo foi ela ter sido levada à leilão numa galeria ou espaço cultura de Nova Iorque (Sotheby´s) e ser arrematada como obra de arte absurdista do italiano Maurízio Catttelan por cerca de seis milhões de dólares, mais de trinta e cinco milhões de reais, meus amigos!
Quem comprou foi Justin Sun, um milionário chinês. Pelo menos se fosse a pintura de uma banana feita por um artista famoso, daria até para entender! Nesse caso se estaria valorizando a pessoa do pintor pela sua expressividade e realismo em retratar a banana que já foi capa de vinil. O tenista Guga comia muito uma nos intervalos dos jogos, para dar mais sustança ao organismo. Adoro a banana e como uma todos os dias.
Antes do leilão, o imigrante, Shah Alam, vendeu a banana em sua humilde barraca por 25 centavos de dólar, ou quatro por um dólar. Quando ele soube do ocorrido pelo repórter, o barraqueiro chorou, tudo indica por ter lembrado da sua vida difícil para sobreviver e também nos outros milhões no mundo que, como ele, passam fome, além de outros milhões escorraçados de seus países pelas bombas das guerras, como vem acontecendo na Ucrânia, Palestina, Líbano, Síria e em nações africanas.
Bem que o coitado do imigrante solitário merecia por direito uma parte do dinheiro do leilão, pois a banana saiu da sua barraca! Será que essa presepada foi no sentido de ironizar a República das Bananas em certos países da América Central e do Sul, ou uma maneira de valorizar a banana?
O mais sarcástico de tudo isso, nessa humanidade decadente, idiota e fútil, é que o comprador comeu a banana, literalmente, em frente aos jornalistas e de uma plateia de ricos trogloditas. Naquela cena, só veio à minha cabeça de que ele estava simplesmente dando uma banana no sentido sádico para todo mundo do planeta, como se mandasse todos pobres, infelizes, refugiados, perseguidos e injustiçados se lascarem.
Aquele gesto também me atingiu, porque vi ali não somente a banalização da banana. Fez passar um filme em minha cuca sobre a banalização dos valores humanos onde trocaram o certo pelo errado, incluindo aí a banalização da arte e da cultura. O conhecimento e o saber perderam seus valores e respeito. Todos hoje aplaudem a imbecilidade e o lixo que vem das linguagens artísticas.
Colado ao caso da banana, estava assistindo depois uma reportagem sobre os cuidados luxuriosos de um gato feio, cujo dono gasta quatro mil reais por mês para deixá-lo bem feliz e paparicado. Além de uma veterinária, uma fotógrafa, penteador de seus pelos, psicólogo, o gato tem outros profissionais para que ele fique todo tranquilão, bonitão e não sofra nenhum trauma ou depressão. Vi também um caso idêntico de uma vaca que vale milhões e outros bichos, como o cachorro.
Coisa de louco, meus amigos, se você for refletir sobre o tratamento que o pobre desgraçado recebe hoje por parte de nossos governantes, principalmente na área de saúde onde milhares sofrem de dores nos corredores dos hospitais e até morrem por falta de atendimento médico! O ser humano está valendo bem menos que uma banana, embora ela nos alimente com suas proteínas.
Como um assunto puxa outro, lembrei que a pirâmide de Quépes, no Egito, construída pelo faraó do mesmo nome, por volta de três mil anos a. C., conhecida como a grande, tem 157 metros a partir da sua base no chão. Depois de mais de cinco mil anos, agora um grupo empresarial brasileiro pretende erguer um edifício de 200 metros de altura, para ser o maior do mundo. Grande coisa, nesse Brasil tão desigual e faminto.
OS GOLPISTAS TRAIDORES IAM PASSAR UMA RASTEIRA NO BOLSONARO
Num golpe militar sempre uma junta de oficiais da alta patente assume o poder, como aconteceu em 1964 e ocorre em outros países. Somente depois eles decidem que vai comandar o regime de opressão.
Nessa tentativa de golpe tramada em novembro de 2022, após as eleições, os golpistas iam passar a rasteira no Bolsonaro e até prendê-lo, para decepção de seus seguidores malucos e fanáticos que pouco usam o raciocínio para enxergar o cenário. Aliás, são uns tontos de parco conhecimento e saber.
Agora aparece o advogado do capitão ex-presidente, que foi expulso da sua corporação por insubordinação, defendendo que seu cliente não seria beneficiado se o golpe tivesse dado certo. Ora, ele está exercendo o seu papel, mas, em parte, tem razão.
Claro que não estava escrito no plano que logo após o golpe contra a democracia, com a eliminação do presidente da República, seu vice e o ministro do Supremo Tribunal Federal, uma junta militar assumiria o poder. Seria burrice demais!
Até posso imaginar que o próprio Bolsonaro já desconfiava disso, mesmo porque ele não é tão burro assim. O mais irônico é que seria traidor traindo traidor, ou um golpe dentro do golpe. Os chefões seriam o Braga Neto, o caquético Heleno e o comandante da marinha.
Só não consigo compreender é como eles iriam conseguir governar sem o aval da aeronáutica e do exército, sem falar na reação internacional, principalmente dos Estados Unidos e dos principais países da Europa.
Seria uma loucura e um tipo de golpe atabalhoado nunca visto na história brasileira e mundial porque estava em jogo a matança de três personalidades institucionais, duas delas do presidente e do vice, uma coisa estarrecedora, bem pior que na Venezuela.
Como um engodo puxa outro, ouvi dia desse um vídeo aí qualquer de uma mulher, não sei se era advogada, ou fake news, porque logo deletei e não passei para frente, onde ela dizia que tentar dar um golpe não constitui crime, comparando essa atitude como liberdade de pensamento.
Quer dizer, então, que se uma pessoa tentar assassinar o outro e não conseguir, fica impune e não responde na justiça como crime? Se eu fizer uma emboscada para matar alguém e o tiro sair pela culatra, não cometi nenhum crime?
Coisa de louco! Não, seu delegado, só pensei eliminar o sujeito. É o meu direito do livre pensar. É, meu amigo, tem hora que acho que estou vivendo em outro planeta, só que é aqui mesmo no Brasil que faz parte da terra das maluquices de muita gente ruim.