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:: ‘Notícias’

ENERGIAS POSITIVAS E OS BORDÕES

Existem entrevistas na mídia sobre determinados assuntos onde os personagens sempre soltam aqueles bordões que já se transformaram em marca registrada, inclusive por parte do entrevistador que, muitas vezes, faz aquela pergunta imbecil de deixar qualquer um de queixo caído.

Muitas falas saem da boca de turistas endinheirados que estão passeando numa boa, sem tantas preocupações como a maioria do trabalhador brasileiro que recebe um salário mínimo e faz milagres para atravessar o mês, com uma feira regrada e ainda pagar as contas. Trata-se de uma dura realidade da nossa profunda desigualdade social.

– Aqui é uma maravilha de beleza. Essa gente é acolhedora e hospitaleira. Sinto fortes energias positivas nesse lugar – diz o turista ou a turista para o repórter. É claro que tudo é muito bonito porque a pessoa já chega com um pacote ou uma lista na mão para visitar os centros históricos e os lugares mais aprazíveis da natureza.

Turista não pega ônibus lotado, trânsito engarrafado no horário do rush e nem chega perto das periferias para ver barracos pendurados nos morros, ruas sujas de lixo e esburacadas. Em Salvador, por exemplo, com tantas festanças e exotismos, o visitante de fora fica deslumbrado e tome “energia positiva”.

É claro que o vendedor ambulante, o guia e até o morador têm que ser receptivos porque estão de olho na grana do gringo ou do visitante de outro estado, daí essa coisa de energia positiva, sem falar que o turista está ali curtindo o seu luxo.

De pau para cassete, quando a questão é violência brutal, bárbara e fútil com mortes, seja do lado militar ou civil, o que mais se ouve dos membros familiares mais próximos da vítima, com olhos lacrimejantes de tanto chorar, são as frases “que a justiça seja feita” ou “queremos justiça”, que nunca chega ou tarda a chegar a passos de cágado.

Por sua vez, as autoridades soltam aqueles bordões de que tudo será apurado e investigado o mais rápido possível, doa a quem doer. Isso acontece muito quando um policial comete um desatino, um desvio de conduta e abuso de autoridade. Muitas vezes incriminam um inocente para ficarem livre do caso.

– Uma delícia de sabor, um manjar dos deuses. Esses termos com gestos nos olhos e nos lábios de saboridade e deleite são de repórteres quando provam uma receita alimentar feita por um chefe de cozinha. Já ouviu alguém dizer que o bolo, o pudim ou um prato qualquer estão sem sal, gosto diferente e o tempero está forte? O paladar sempre está na ponta da língua.

E entrevista com jogador de futebol? Ele sempre passa o dedo no rosto, a mão no pescoço ou na cabeça e fala um monte de besteiras repetitivas desconexas. Quando ganha o jogo ou faz o gol, foi Deus quem fez ou foi a mão de Deus. Só falta dizer que foi o pé Dele. Até parece que Deus é torcedor do tipo “folha seca” que está sempre mudando de lado.

Por falar em futebol, também existem aquelas perguntas idiotas por parte de “profissionais” da mídia esportiva. Certa vez um coleguinha perguntou para o técnico como ele está vendo o jogo. Como estava perdendo e irritado, de pronto o cara respondeu: Estou vendo daqui do outro lado das quatro linhas. “E aí Baiaco, sem você, como o Bahia vai ficar? Comigo ou sem migo, meu time vai ganhar.

Existem outros bordões que não falham nunca em reportagens que mostram a natureza do lugar, tais como: É uma paisagem deslumbrante, de tirar o fôlego. Têm ainda aquelas entrevistas onde o repórter diz tudo que o entrevistado ia falar. Não faz uma pergunta.

São tantos outros bordões que as pessoas falam maquinalmente, inclusive nas festas de final de ano, que não vou ficar aqui enchendo o saco de vocês, sem falar em perguntas cretinas, como indagar para um presidiário lascado numa cadeia suja fedorenta se ele vai bem.  “Como está, tudo bem? Dá vontade de mandar para aquele lugar que ninguém que ir.

 

DE VERSOS E DE SONHOS

(Chico Ribeiro Neto)

Meu sonho tá escrito

num pergaminho

ou no guardanapo manchado de vinho.

Meu sonho mora num ninho.

 

Tá escrito nos olhos dos netos,

nas borboletas, nas grutas

e no mais escondido cantinho.

 

Meu sonho é desafio,

tá no mar ou no rio?

Debaixo da lama ou da cama?

 

Meu sonho pega um bonde nas Mercês

desce o Elevador Lacerda

e pega um avião pra Xangai.

 

Está no pião rodando na mão,

na Assunção e na floresta dentro da noite.

Meu sonho é perdido e achado,

por isso eu o guardo.

 

Meu verso é a matinê da alma

que me acalma.

Passeia no alambrado do estádio de futebol,

entre o dó e o si bemol.

Tá entre o errado e o certo,

entre a corda e a caçamba,

entre o visto e o coberto.

Meu verso é caminho.

 

Está no movimento do barco ancorado,

no grito do afogado

e na alegria do primeiro mergulho.

 

Meu verso gosta

do caderno espiral,

da escrita matinal

e da letra bem feita,

igual a roupa nova.

 

Está no buzo encostado no ouvido,

no grito do porco ao receber a primeira facada,

naquela flor que ninguém sabe o nome

e no choro da criança com fome.

 

Meu verso mora na lágrima do palhaço,

na cachaça do peão

e no bêbado que canta “Dolores Sierra”.

Meu verso brinca de se esconder

debaixo da saia da morena.

(Um 2025 de paz a todos os meus leitores)

 

 

 

 

FELIZ ANO NOVO, OU FELIZ MEU VELHO?

Mais um ano que se passa e, cronologicamente, a terra, o tempo e a humanidade vão ficando mais velhos em linha reta ao seu fim. É como um aniversário onde a partir de cada ano nos tornamos mais idosos. Pelo menos nós somos finitos. Quanto ao universo, não sei.

Com isso, não estou aqui condenando os “bordões” Feliz Natal e Feliz Ano Novo porque têm o sentido do desejo que sejam melhores para todos. Não se trata de expressar tristeza, mas apenas uma reflexão crítica, fugindo um pouco do deboche e do sarcasmo.

Veio-me agora à mente a reforma do calendário instituído pelo ditador romano Julius César, isto por volta do final de 46 a.C. O calendário lunar de Roma, baseado em uma no de 354 dias, se encontrava fora de sincronia com as estações do ano. César, então, fez uma reforma que marcou época ao implementar o calendário solar, com o ano de 365 dias, mas um bissexto a cada quatro passados. O novo calendário teve início em 1º de janeiro de 45.a.C.

Pois é, mas, mesmo que não fossem feitas essa e outras correções (século XVIII), o tempo em si continuou correndo em seus passos cadenciados, como no tic-tac da invenção do relógio, com altas e baixas na cadeia evolutiva ou decadente da humanidade. Os ponteiros continuaram a girar dando suas badaladas silenciosas.

Infelizmente, vivemos uma época conturbada em nossas vidas onde o ser humano está em baixa em seu grau humanista, embora nos orgulhemos do progresso e da evolução tecnológica que têm seu alto preço a pagar. Quando nos referimos sobre cultura, conhecimento, saber, solidariedade, individualismo e egoísmo, ouvimos muito a frase “decadência da humanidade”.

Estamos num planeta em ebulição em termos de tragédias naturais e humanas com guerras genocidas. Os holocaustos se repetem. Muita gente ainda não acredita que estamos em pleno aquecimento global, mesmo os cientistas registrando recordes de temperaturas. Triste que este cenário não tende a melhorar.

Dizem que a última década foi a mais quente da história, tudo por conta da destruição da natureza e a elevação do nível de gases tóxicos no meio ambiente. Essa depredação vem ocorrendo há séculos e sempre digo que não existe mais retorno para deter o fim da humanidade no planeta terra. Ela sobrevirá, nós não.

Alguém a essa altura que está lendo meu texto pode estar avaliando que estou sendo macabro na passagem do ano. É que procuramos manter certa distância da realidade e da verdade. Talvez por isso é que, inconscientemente, emperramos as mudanças. Não é apenas desejar melhorar.

Não é o Ano Novo, ou Velho pela idade do tempo, que vai parar as guerras e a onda desenfreada de violência, cada vez mais bárbara, brutal e cruel. Não é o Ano Novo que vai reduzir a fome e a pobreza de quase um bilhão de habitantes terráqueos.

Todas as datas, sejam lunares ou solares, são motivos para festanças e comemorações como faziam as antigas civilizações passadas. Nesse aspecto, herdamos esses costumes e hábitos da nossa ancestralidade, o que é natural. Somos dionisíacos.

São motivos para tomarmos umas cachaças, quentes ou geladas, enchermos a pança, nos abraçarmos, nos alegrarmos, confraternizarmos, nos embebedarmos, cairmos nos bacanais e orgias e desejarmos um Feliz Ano Novo. No outro dia é vida que segue, e para tudo falta tempo, até para responder uma mensagem.

Natal e Ano Novo são épocas de aplacarmos os sentimentos ruins de raiva, brigas e xingamentos, sem ressentimentos. Esses comportamentos podem soar como falsidade, mas é assim que agimos, adiando as respostas ácidas para depois.

Portanto, Feliz Ano Novo para todos. Só paz e amor, e que essas duas palavras perdurem durante todo ano, mas, infelizmente, não é assim, meus caros amigos, que a banda toca. Pode ter certeza que ela vai sempre desafinar. É a ordem natural das coisas e da vida que não pode ser revertida. Pelo menos, procure ser melhor um pouco.

VOU ME EMBORA PARA SODOMA

Que me desculpe o nosso grande poeta pernambucano Manuel Bandeira, mas não vou me embora para Passárgada. Eu vou mesmo é para Sodoma, e nem importa se serei queimado pelo fogo ardente do seu Deus, só não quero é virar estátua de sal.

Em Sodoma, meu amigo, tem festa o ano inteiro e um montão de baticum na maior altura de músicas lixos que perfuram o tímpano de qualquer um. É loucura total! A massa alienada é só uma multidão que tira o pé do chão e grita com histeria ao som estridente dos rebolados dos cantores de uma estrofe só. É o Tchan! Tchan! Tchan! Vou na dancinha na boca da garrafa! “Sabe nada, inocente!

Lá, meu caro Bandeira, também tem mulheres de fartura, energias gostosas, principalmente para o gringo estrangeiro que entra na muvuca e fica doidão. Rolam muitas drogas e descem todos das ladeiras, de todos os cantos da cidade, como águas de cachoeiras, para adorar seus ídolos de cultura fútil artificial.

Vou mesmo é para Sodoma onde não preciso de talheres para comer. Meto minha mão grande e vale mais aquele papo cheio de gírias e gingas, prosas boas, para convencer meu parceiro ou minha parceira.

No litoral, tem praias apinhadas de biquínis e tangas, e nem estou aí para os pecados. Quero mesmo é me esbaldar. Ninguém liga para as sujeiras. Lá serei rei na minha rede, com sombra e água fresca de coco, dando uma de bobeira. Passo o tempo nas nuvens mirando o azul do céu escaldante e as ondas do mar. Tem sol para cada um.

Ah, ia me esquecendo! Tem ainda o carnaval e entro naquela devassidão do arrastão atrás dos trios elétricos ensurdecedores do axé e do arrocha. Vale tudo, e ninguém nem importa quando a polícia baixa o cacete nos brigões. É tudo liberal!

Dizem que lá tem a melhor festança do mundo. Não vai demorar para todo mundo cair na folia pelado, numa boa. É tudo exótico no rufar dos tambores durante uma semana. Os pobres caem dentro do fuzuê do asfalto e os ricos ficam olhando tudo lá de cima dos seus camarotes de bacanais e orgias. Não tem conversa de intelectual para encher o saco de ninguém.

É isso aí, já decidi e vou mesmo para Sodoma, me esbaldar na depravação dessa zorra, sem culpa de pecado. Quem não gostar que vá para a porra, e de lá estou seguindo para Gomorra, sem olhar para trás, curtir aqueles morros e ser abençoado pelo Cristo Redentor. Quem quiser que me siga.

 

 

O VELHO, O NOVO E OS BANHOS

Longe de mim contestar as crenças e superstições feitas na passagem de um ano para o outro, com o sentido de descarrego das más energias, como as pessoas geralmente acreditam.

Na verdade, herdamos essas porções culturais desde as civilizações mais antigas dos nossos antepassados, não importando se vivemos na era evolutiva da tecnologia virtual e agora da inteligência artificial.

Na noite da passagem do bastão do velho para o novo – uma data como qualquer outra – brindamos e saudamos essa entrada como se estivemos atravessando um portal com significado de renovação. O relógio continua marcando seu tic-tac. O tempo não para, como diz a canção do poeta. Sem essa de velho e novo, de novo e velho. Tudo dá no mesmo, se tudo continua no mesmo lugar. O negócio é curtir e farrear que ninguém é de ferro, como faziam os sumérios, os celtas, os romanos e outras civilizações.

Esquecemos que o novo nos torna mais velho, como uma criança que acaba de dar a luz, ou nasce do ventre da barriga da mãe. Para saudar esse novo/velho, cada um tem sua cor preferida, na maioria o branco da paz, o vermelho da paixão, o verde da esperança, o amarelo ouro da prosperidade e assim segue cada uma tendo seu significado e sua crença.

– Só não pode é usar o preto e o roxo, meu camarada! Podem dar azar. Por que, então, não misturar e vestir todas as cores? Assim a pessoa seria uma felizarda por ter tudo junto de uma só vez durante todo ano. Não seria mais coerente ter um pedaço de cada cor?

Um amigo meu foi mais longe na ousadia e disse que a pessoa que veste branco no Ano Novo também está de calcinha ou cueca da mesma cor, para não contrariar a entidade.

– Que nada, cara, pode ser azul, vermelho, verde ou rosa para unir as bênçãos divinas.

– Pode também estar sem nada por debaixo. Depende das intenções individuais de cada um – respondeu o outro ao lado que estava ouvindo o “jogar conversa fora, ou o papo furado e fútil.

E essas coisas de lentilhas, de nozes, avelãs, passas, castanhas e outras comidas importadas? Cada um também tem o seu lugar e significado de prosperidade. Não pode é comer galinha, senão vai ficar o ano todo ciscando, ou caranguejo que anda para trás.

– Lá vem você novamente com essa! Talvez por isso é que o pobre só vive lascado. Prato de pobre é feijão, arroz, farinha e um pedaço de carne, isto quando acha. Não tem também essa de cor.

– Que nada, atualmente existem as cestas básicas e as doações, pelo menos no Natal e no final de ano. Depois volta para a rotina do feijão com arroz, ou uma bolacha num copo de água, que nem é potável.

Nessa época também são recomendados os banhos de folhas para descarrego, limpar o corpo e entrar Ano Novo com novas energias para ter boa saúde, ganhar dinheiro e ficar rico.

– Bobagem! Essa é uma invenção de pobre e malandragem de vendedor, para ganhar uns trocados a mais e tomar umas cachaças.  Tem gente ruim, miserável, mão de vaca, avarento e egoísta que não tem banho que tire suas energias negativas.

– É bicho, pior que nessa você está certo. Tem gente que tem que tomar banho é de cansanção, caiçara, urtiga, espinhento ou mato brabo.

– Banho que nada! Corrupto, fanático extremista e malfeitor de colarinho branco precisam tomar é uma surra dessas ervas, e que sejam bem venenosas, para matar a carne e o espírito, sem deixar vestígio na terra.

– Olha, meu irmão, o papo está bom e foi bem cultural, coisa de intelectual, mas vamos mesmo é tomar umas e comer aquele leitão gorduroso, acompanhado de colesterol por todos os lados, que está nos esperando na mesa. Se demorarmos, não sobra nada! Vixe! Estamos com cores diferentes, ficando mais velhos e sem banho de folhas. Feliz Ano Novo!

 

 

 

 

UM PACOTINHO DE PAZ

(Chico Ribeiro Neto)

Ainda bem não se recuperou da Black Friday, Dona  Liquida vai ao ataque nas compras de Natal; ela, que não perde uma promoção e corre atrás de sorteios. “Tempo bom era quando a gente podia comprar tudo e pagar em 36 meses”, diz saudosa.

Tá todo mundo oferecendo 1 milhão de reais. Tem até uma rede de lojas que está oferecendo 1 milhão e meio. E Dona Liquida corre atrás, vai a todas e já deu até entrevista pra TV dizendo o que é que vai fazer com 1 milhão: “Comprar um bocado de coisa que tá precisando lá em casa”.

Dona Liquida foi atrás da promoção de um shopping que oferece um prato decorado por um artista renomado. Mas tem que comprar 700 reais e botar mais 10 pra poder ganhar o prato. Ela, que só tinha gasto 500 nesse shopping, correu logo pra gastar mais 200 pra ganhar o prato, depois de acrescentar mais 10.

Ela, que já acorda cantando Jingobel, descobriu essa semana que o presépio da casa está velho. “Esse Menino Jesus tá muito sujinho”. Comprou um Menino Jesus maiorzinho. “Na Carlos Gomes eu vi uns Reis Magos lindos”.

Se Dona Liquida fosse uma Rainha Maga, não levaria só ouro, incenso e mirra. Levava um carrinho de supermercado, desse grandão, cheio de compras para a Sagrada Família. “Imagine quantos cupons eu não ia ganhar?”

E a árvore? “Essa sala tá precisando de uma árvore maior”. Dona Liquida passa as noites preenchendo cupons. Já aprendeu a entrar na Internet para se cadastrar em outros sorteios. Comprou ontem 10 detergentes porque dá direito a um cupom pra ganhar um carro.

Ela tem cartão de tudo que é loja. Quando a coisa aperta, corre pro cartão da irmã.

“É pena que tá perto de acabar o Natal”, diz Dona Liquida, “mas já tô pensando nas bandeirolas para Carnaval, e depois vem o São João. Minha filha, vi uns balõezinhos lindos na Avenida Sete”.

Dona Liquida, que mora sozinha e já comprou o caixão numa promoção, sonha na noite de Natal não com um sapatinho, mas com um container transbordando de presentes. “Quantos cupons não dão aqui, hein?”

(Trecho final da crônica “Presente para a Senhora”, de Carlos Drummond de Andrade:

“ – Não precisam tomar trabalho comigo. Nem fazer despesa. Fico muito grata a vocês pela intenção. Basta cada um me trazer um pacotinho de paz, ouviram?

– Onde a gente arranja isso, mãe?

– Sei lá. O melhor é não procurar muito. Tragam pacotinhos vazios. A paz deve estar lá dentro.”)

Feliz Natal a todos os meus leitores.

 

A ATRAÇÃO FATAL POR TRAGÉDIAS

A impressão que temos é que todo ser humano carrega dentro de si doses de sadismo, não por maldade, mas talvez por curiosidade e o ímpeto de fazer aquela fofoca; aumentar os fatos; criar e inventar boatos; dar o seu pitaco; e uma de “peru” que morre de véspera. Todos têm suas versões diferentes. Sempre digo que todo mundo é jornalista e adora uma novidade que quebre a monotonia.

Tem aquele ditado popular de que a curiosidade é quem mata o gato. Não sei sua origem. Já observou quando ocorre um acidente no trânsito ou um crime qualquer, seja grave ou de menor proporção? Em questão de segundos ou minutos a rua ou avenida fica apinhada de curiosos e, agora, com o celular, cada um saca o seu.

Um exemplo mais recente foi o do “sequestrador” que tomou várias pessoas como reféns no centro de Vitória da Conquista. Não tardou muito e apareceu aquela multidão no Terminal Lauro de Freitas e deu plantão até o final. Um colega amigo meu afirmou que tinha até mata mosquitos e caça fantasmas.

Basta uma confusão qualquer, todo mundo larga seus afazeres e até esquece da correria do dia a dia, do vaivém tumultuado. Quando existia aquela função na empresa de “boy”, ou “contínuo”, para levar malotes, encomendas, retirar e depositar dinheiro nos bancos (hoje é tudo pelo aplicativo), o rapaz (era sempre homem) parava no trânsito para ver qualquer confusão e atrasava todo trabalho. Quando chegava tomava aquele esporro do patrão.

E quando acontece um acidente na estrada! Ah, meu amigo, a grande maioria das pessoas é dominada pelo instinto de parar o veículo no acostamento e ir ver a tragédia, mesmo que o socorro já esteja sendo prestado às vítimas. Cada um quer dar uma de repórter, e tome mentira. O que mais rola nos papos é fake news.

Por falar nisso, quando estava na ativa como jornalista, logo que chegava ao local da ocorrência, era só fazer uma pergunta e aparecia um monte de gente para contar sua história ou estória, sempre “cabeluda” e exagerada. Às vezes não tinha morrido ninguém, mas aparecia um dizendo que foram três ou cinco mortos. Na conversa, aparecia até gente carbonizada.

– Todo dia acontece um acidente de batida de carros e motos nessa esquina da rua. Você já deve ter ouvido muito isso em entrevistas na televisão e outras mídias. É tudo exagero. As pessoas adoram aumentar os fatos desde os primórdios da humanidade. “Quem conta um conto, aumenta dois pontos”.

Se existe um incêndio ou cai uma casa ou prédio, você ouve coisa do “arco da velha”. Como jornalista, além de ter a obrigação de ouvir no mínimo duas versões e ser parcial, seja, antes de tudo, um cético. Não confie no que falam, senão você pode se estrepar, ser processado ou demitido por publicar notícia infundada.

– Moço, foi um estrondo que mais parecia uma bomba atômica, o fim do mundo. As labaredas subiram mais de 50 metros de altura. O carro vinha numa velocidade de 180 quilômetros por hora e o motorista estava embriagado. A tempestade levou tudo pela frente. Soube até que carregou uma ponte lá na Lagoa da Baixa da Égua.

Para ser sincero, até o próprio jornalista tem a tendência de exagerar e “pentear” a matéria com outros ingredientes para atrair mais o leitor. Conheci vários companheiros assim que estavam mais para romancistas do que repórter. Até já dei as minhas pinceladas de leve. Não nego que já fiz uma “trapaça” para não “matar” a pauta da redação, mas essa eu não vou contar aqui. Ficou curioso?

Pois é, ninguém resiste parar diante de uma tragédia ou acontecimento e seguir em frente focado em seu problema que tinha urgência para ser resolvido. É uma tentação dos diabos. Todos temos um DNA de fofoqueiros e fofoqueiras natos.

Quando existe um crime fora do comum e o indivíduo é preso, não tarda a surgir aquela multidão em frente da delegacia. Será que todo mundo ali é desempregado e não tem nada a fazer? Circulando, circulando – grita de lá o policial com cara de mau e de revólver na mão para esvaziar a aglomeração de desocupados.

UM FATO INÉDITO QUE DEIXOU MUITAS PONTAS SOLTAS SEM ESCLARECIMENTOS

Não será a primeira nem a última vez. Aqui em Vitória da Conquista tem ocorrido fatos de violência que não são devidamente elucidados. As autoridades abafam e a mídia tropeça em sua função de investigar na utilização dos porquês, como, onde entre outras interjeições. Muitas perguntas do público ficam no ar e depois tudo cai no esquecimento.

Dessa vez estou me referindo ao “sequestro” de reféns na semana passada, na Galeria Panvicon, no centro da cidade, por um bandido que deixou vítimas feridas à beira da morte. Pelo que eu saiba, na história de Conquista, nunca existiu um caso desse inusitado, tão violento com tais características.

O acontecimento abalou a cidade por cerca de quatro horas e mobilizou um batalhão de policiais (militar e civil), corpo de bombeiros, o Samu e outros agentes. Um colega meu jornalista em tom de sacarmo disse que tinha até mata mosquitos e caçadores de fantasmas.

Um quarteirão foi fechado e a multidão curiosa, como sempre, se aglomerou no Terminal Lauro de Freitas. As pessoas parecem que trazem dentro de si um espírito de sadismos. Para ver a tragédia alheia, em questão de minutos largam seus afazeres do dia a dia e se juntam para dar seus pitacos, mentir e inventar informações. A impressão é que têm gosto de sangue na boca. Cada um faz questão de dar sua versão diante das câmaras.

Vamos, então, recapitular o que mais nos interessa. Que me desculpem, mas a mídia pecou na cobertura jornalística, deixando muitos “buracos” e engolindo “mosca”. Não ficou esclarecido bem de onde partiu o sujeito, se estava sendo perseguido ou não por algum ato criminoso. Pelo seu comportamento, tudo indica que ele já tinha um alvo certo e tudo foi premeditado, não importando se estava ou não drogado.

Depois do desfecho, o comandante do policiamento, coronel Paulo Guimarães deu uma entrevista (boletim de ocorrência) afirmando que o elemento deu um surto sob efeito de muita cocaína. No outro dia o delegado da Polícia Civil disse que ele estava consciente do que fez.

Ora, então imaginei ter sido crime de mando, vingança ou coisa parecida. O “meliante” (linguajar policial) atirou logo no dono da loja e atingiu outras funcionárias. É aí que digo que as pontas da história ficaram soltas, com informações nebulosas e contraditórias.

Após se entregar, o maluco “terrorista” foi recolhido à prisão. Por que a mídia, pelo menos, não tentou entrevistar o marginal, solicitando permissão do delegado? As vítimas que estão fora de perigo já poderiam ter sido ouvidas para revelar com mais precisão a ação do atirador. O processo corre em segredo de Estado? A sociedade não pode saber? Alguma interferência extra para que tudo fique como está?

São minhas perguntas como jornalista e acredito ser de muitos outros. Tudo isso me faz lembrar de fatos violentos acontecidos aqui que tomaram os mesmos rumos, isto é, ficaram inconclusivos, insolúveis e engavetados, como a morte do marinheiro numa cadeia local, os assassinatos do prefeito de Manoel Vitorino e do “jornalista” Alberto que difamava muita gente, (também fui sua vítima), o massacre de policiais numa periferia de Conquista, o caso do menino Maikon do qual ninguém mais fala, a matança dos ciganos, o crime brutal do pastor e tantos outros.

Essa ação criminal pelo seu modus operandi foi inédita na história local, mas Vitória da Conquista sempre teve uma fama de cidade violenta lá fora até meados dos anos 60. O arraial da   Vila Imperial do século XIX era cheio de bandoleiros e salteadores desocupados, como bem descreveu o príncipe alemão Maximiliano em sua vista à região. Para aqui foi enviado um destacamento para conter os malfeitores. Os tropeiros temiam vir para essas bandas.

Na época do coronelismo, no início do século XX, aqui era cheio de pistoleiros e jagunços das larvas diamantinas, contratados pelos poderosos. Em 1919 houve até uma guerra entre os “pesduros” e “meletes”, cada um defendendo seu quinhão na política de mando. O assunto foi manchete nos jornais da capital, Rio de Janeiro e até São Paulo, como também o caso da invasão de soldados armados ao Hospital São Vicente para arrancar lá de dentro um preso internado e condenado.

Este episódio de 1968 foi noticiado pelo jornal “Última Hora” (SP) que, em matéria, comentou que Conquista era uma cidade onde matar virou uma rotina e havia herdado o esquema do cangaceiro Lampião. O “Jornal de Conquista” rebateu a manchete. Muitos contestaram e ficaram revoltados com o periódico paulista.

De volta aos coronéis, tivemos também a luta armada entre os coronéis Olímpio Carvalho e Ascendino Melo (Dino Correia). Foi uma tragédia sangrenta que ocorreu no distrito de Verruga (Itambé), no município de Conquista, em março de 1925.

Todos sabem da “Tragédia de Tamanduá”, em 1895, no povoado de Campo Formoso (Belo Campo) entre o coronel Domingos Ferraz de Araújo e dona Lourença de Oliveira Freire (mesma família), quando 22 pessoas foram sangradas barbaramente.

Tivemos ainda a tragédia da tarde de Natal, em 1931, na casa do sr. D´Artagnan Menezes, na rua Nova, onde foram mortos o mecânico Vicente Cavalcante e o cabo Jerônimo Alves Sampaio. Outros soldados ficaram feridos. Embriagado e depois de ter desacatado a polícia, o mecânico entrou na casa de Menezes e os soldados invadiram o recinto para arrancar o cara de lá. Entraram em luta corporal e deu no que deu.

É certo que toda essa fama de uma Conquista violenta das guerras entre famílias mudou com os tempos atuais. Hoje temos uma cidade mais civilizada e desenvolvida, mas, vez ou outra, ocorrem tragédias chocantes que necessitam ser melhor apuradas, como a mais recente do “sequestro” com reféns numa galeria do centro.

 

 

 

UMA PESSOA QUE MERECE TODA NOSSA CONSIDERAÇÃO E RESPEITO

Não fui ao seu velório porque não estava me sentindo bem e também pelo motivo de estar evitando eventos fúnebres. Deve ser a idade, mas fiquei muito sentido pelo falecimento do ex-prefeito Murilo Mármore que deixou bons serviços prestados ao município de Vitória da Conquista.

Lembro que quando cheguei aqui em 1991 o prefeito era ele e tinha por obrigação ao chegar à cidade me apresentar como novo diretor da Sucursal do Jornal A Tarde e coloquei minhas credenciais profissionais como se fosse um embaixador na terra. Claro que me recebeu muito bem e me deixou boas impressões pela sua sinceridade e respeito à liberdade de expressão.

Depois dessa apresentação, quero me expressar aqui que o dr. Murilo, como era chamado por muitos, foi um grande democrata por saber receber as críticas, um homem íntegro e honesto, não apenas como prefeito, mas ao longo de toda sua vida. Posso até ter exagerado nas matérias durante seu mandato.

Não estou falando desses seus predicados positivos porque ele faleceu, por falsidade, como muita gente faz com seus rasgos de elogios quando uma pessoa parte daqui para o além. Conquista perdeu uma grande personalidade, afável e sempre preocupada com as questões sociais, embora a cidade seja um tanto ingrata por esquecer o passado de gente que deu tudo de si pelo bem da terra.

Digo isso porque o dr. Murilo merecia mais homenagens e mais reconhecimento quando em vida. Talvez a ingratidão não seja só de Conquista, mas próprio do ser humano. Quando alguém está no topo, aparece um monte de bajuladores, mas ao deixar um cargo importante, passa a ser esquecido e jogado de escanteio.

Após ter feito uma grande gestão, o ex-prefeito se candidatou a vereador e, se não me engano, teve cerca de 500 votos. Aquilo me deixou chocado e serviu de comprovação pelo que sempre tenho falado sobre falta de reconhecimento. Não somente o dr. Murilo, mas também ocorre o mesmo com José Pedral e tantos outros que aqui passaram e deixaram suas marcas. Não somente me refiro a prefeitos. Ao longo desse tempo venho observando esse tipo de comportamento, de certa forma, de ingratidão.

Bem, não quero me alongar em minha apreciação pessoal. Minha admiração ao dr. Murilo não leva em conta durante sua passagem pela prefeitura. Lembro que, quando aqui cheguei, minhas coberturas jornalísticas focaram muito no problema da depredação da Serra do Periperi, no lixão a céu aberto, na usina de asfalto e no abandono do Cristo, do artista Mário Cravo.

No jargão jornalístico, “batia” muito no prefeito com minhas críticas, exercendo meu papel profissional, e o Cristo era um grande alvo. Na época, o ex-prefeito mandou fazer uma reforma no monumento e fez questão de me convidar, pessoalmente, para a inauguração.

Tivemos outros embates, mas ele nunca guardou ressentimentos. Quando nos encontrávamos era aquele papo agradável e não podia deixar de falar sobre o tricolor das Laranjeiras, o Fluminense, time pelo qual éramos e somos torcedores. Muitas vezes estava em baixa e cheirando à zona de rebaixamento, como já esteve nesse lugar.

Para finalizar, dr. Murilo, você será eterno, não somente pelas obras que deixou para Conquista, mas também como pessoa humana que foi. Só para citar, além do trabalho da área social com as associações, tendo como secretário o professor Itamar Aguiar, foi ele o primeiro a abrir a Olívia Flores; construiu o Estádio do Murilão; reconstruiu as praças do Boneco e a antiga “Carvão”; cuidou bem das ruas e do transporte público e foi um bom administrador para seus servidores. E quem não se lembra das grandes micaretas!

 

 

 

SE LIGAR, PEGA

(Chico Ribeiro Neto)

Se ligar pra apelido, aí é que pega. Infância e adolescência lembram muitos apelidos.

Na turma dos Aflitos, em Salvador, havia 3 irmãos: “Banha”, “Manteiga” e “Linhaça”. E duas irmãs magrinhas batizadas de “Irmãs Tripa”.

“Cascavel” era o maior driblador do bairro. Era um magro abusado que depois de um drible gritava “viu, puta!” e tomava logo uma porrada. Outro dia encontrei “Cascavel” num mercadinho e o tempo foi curto para muitas recordações.

Junto à minha casa (Rua Gabriel Soares, 33, Ladeira dos Aflitos) moravam os 3 irmãos “criados com vó”, que eram brancos como a porra e viviam do colégio pra casa e de casa pro colégio. Nunca entraram em nosso “baba” nem viram as Irmãs Tripa dançar o cancan de noite no passeio.

“Tristeza” era o melhor goleiro da rua. Voava nos paralelepípedos, se ralava todo, mas pegava a bola. Esse apelido foi porque ele nunca sorria, só se era escondido.

Tinha ainda “Antisardina”, apelido dado porque ele tinha muitas espinhas no rosto e usava um creme que a galera cismou ser “Antisardina, o segredo da beleza feminina”, como dizia o comercial.

O irmão de “Antisardina”, magro e comprido, era “Rui Palito”. Uma vez um menino ganhou do pai um par de luvas de boxe, de profissional, e resolveu promover uma noitada de lutas. Uma luva para cada lutador, pois só havia um par. Um sorteio definiu quem ia brigar com quem num único round de 3 minutos. Eu fui contemplado com “Rui Palito”, braço mais comprido do que o meu. Eu tomava soco no meio do nariz toda hora e perguntava aflito ao juiz quanto tempo ainda falta pra acabar e ele gritava: “Ainda tem um minuto”. Foram os 3 piores minutos de minha vida.

Lá em casa meus irmãos tinham seus apelidos:  Luiz era “Zarara” ou “Bico de Anum”, Zé Carlos era “Gaguinho” e Cleomar era “Leonam” (marca de máquina de costura; ele sabia “costurar” bem no “baba”) e eu cheguei a receber o apelido de “Francis, o burro que fala”, um desenho animado. Mas felizmente não pegou.

“Pé de Valsa”, um menino que teve paralisia infantil e ficou com uma perna atrofiada (pisava na ponta do pé esquerdo), jogava bem no “baba” e dava passes preciosos. Havia ainda “Baleia”, “Bandeira”, “Zoinho”, “Atum”, “Gaiola”, “Géo Beleza”, “Mondrongo”, “Biúca”, “Diabo Louro”, “Ratinho”, “Maciste”, “Cara de Caçamba”, “Bola Sete”, “Já Morreu”, “Calunga” e “Narigolé”.

E ainda tinha “Carroça”, “Zé Leso”, “Batatinha”, “Pinduca”, “Zebrinha”, “Já Morreu”, “Arranca Toco” e “Jair Pinico”.

Luiz, meu irmão mais velho, conheceu o valente “Zeca Diabo” e me contava: “Ele joga uma navalha como ninguém. A navalha fica amarrada no dedo dele com uma borrachinha. Numa briga, ele joga a navalha, ela vai aberta, corta o sujeito e volta fechada pra mão dele”.

Na praia da Ribeira, na década de 60, havia um time de futebol formado por pescadores e canoeiros que tinha dois zagueiros imbatíveis: “Pé de Grelha” e “Gabinete”. O Bahia tá precisando dos dois.

 

 





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