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:: ‘Notícias’

OS COMPADRES (MADRES) DO SÃO JOÃO

Poucos se lembram ou sabem – nem me refiro aqui a essa nova geração – como era o São João na roça onde a principal personagem era a fogueira. Sem ela não existia a festa. As comidas típicas extraídas do milho e da mandioca, o foguetório e o forró eram peças complementares, mas importantes para fechar o ritual da cultura popular.

Além dos forrozeiros para o conhecido arrasta-pé no chão batido, que fazia subir aquela poeira das sandálias e alparcatas, a fogueira era a alegria que fazia compadres verdadeiros para o resto da vida, mais do que aqueles que batizavam os filhos de outros amigos na igreja.

– Olá amigo Zezinho, vamos ser compadres de São João? – Indagava todo contente o João de Diná, que consentia com muito prazer e satisfação. E aí Mariazinha, vamos ser comadres? Vamos sim, amiga Joana de Calixto.

Formados os pares, parceiros ou parceiras, lá pela madrugada, quando a fogueira era só brasas, começava-se o ritual, se não me engano, de juntos pularem três vezes com uns dizeres numa espécie de oração em homenagem a João Batista.

Pronto, os compadres e as comadres se saudavam e selavam o compromisso até a morte. Era um juramento forte e sagrado entre amigos e amigas. Essas cenas de amizades sempre ficaram em minha cabeça, desde quando era moleque e adorava a celebração junina.

A criançada também fazia essa “brincadeira” no outro dia quando a fogueira era só cinzas. Nessa era das novas tecnologias, da internet, das redes sociais e dos ritmos bregas estrangeirados, onde o nosso São João foi descaracterizado, nem sei mais se existe essa tradição cultural na roça.

Lembro quando o dia se tornava noite na data de São João e meu pai recebia os convidados com aquele foguetório e abraços. Os homens e as mulheres chegavam logo cedo montados em seus animais, jumentos, cavalos, burros, éguas e mulas. Era aquela saudação festeira. Os que moravam mais próximo vinham a pés entre as trilhas e estradas de chão.

Todos traziam a canjica, a pamonha, o milho assado e cozido, o beiju, o aipim e outras comidas típicas juninas. Ah, não podia faltar também a cachaça (a pinga), o quentão e o licor. Não tinha a cerveja, mesmo porque não existia a energia e a geladeira. Era tudo na base do fifó e do lampião, ou lamparina, isso para quem possuía.

Para animar a festança, sempre aparecia um sanfoneiro, um tocador de zabumba e de triângulo. Além dos casados, compareciam os solteiros e as moças namoradeiras, mas tudo era feito na base do respeito, nada de dança agarradinha de rostos colados. Isso não impedia de surgir um namoro.

– Olha compadre, sua filha está de olho em meu filho, ou vice-versa. Cuidado com sua cabrita porque meu bode está solto. Os pais ficavam de butuca para os apaixonados não caírem no mato e irem às vias de fato.

Se acontecesse isso, a donzela ficava mal falada, e o rapaz era obrigado a se casar, no mais tardar no outro São João. A vigilância dos pais ainda era maior quando surgia na festa aquele tipo baiano que se debandou para São Paulo e vinha só passar o São João em sua terra natal.

O moço chegava com aquele molejo e sotaque paulista estrangeirado, com um papo de paquerador que aprendeu na capital, todo se achando de rico, se fazendo de não conhecer as coisas nordestinas. – Aquele ali é metido a besta só porque foi para São Paulo – cochichava alguém para o outro.

Às vezes, o cabra se fazia de besta e achava as comidas até estranhas. Algumas roceiras caiam na lábia do safado. Ai, meu amigo, o “paulista” estava ferrado na peixeira do pai brabo. Fora isso, tudo era só festa, cantorias, comidas, bebidas e prosas boas até o dia clarear. Como era bom o São João na roça entre os compadres e as comadres!

ACABOU A FARINHA

(Chico Ribeiro Neto)

Não há pior notícia num domingo de manhã: “A farinha acabou”. E logo hoje que vai ter ensopado de boi com verduras e bastante caldo! Aí não dá. Os melhores lugares onde comprar farinha boa geralmente fecham aos domingos. Farinha de supermercado não presta.

Não sei comer sem farinha. Boto até no macarrão. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Antigamente, quando se queria chamar alguém de pobre e o bacalhau era muito barato, havia o ditado: “Pra quem é, farinha e bacalhau basta”.

Passar na feira, encher a mão com farinha e jogar na boca ZAP é uma forma de testar a qualidade da farinha. Outros a testam na palma da mão pra ver se está mesmo torrada.

Quando mamãe Cleonice morava em Aracaju, eu levava farinha de Salvador toda vez que ia lá. “A farinha daqui parece uma crueira”, queixava-se ela.

Há uma definição da farinha feita por um nordestino, citado uma vez pelo apresentador Rolando Boldrin: “Farinha presta pra três coisas: aumenta o que tá pouco, engrossa o que tá ralo e esquenta o que tá frio”.

Meu filho Mateus, quando era pequeno, na praia de Piatã, gostava de encher a boca de farofa, olhar pra sua cara e dizer a palavra “fofa”.

Quem não lembra do “mingau de cachorro”? Ninguém come bem sem farinha ou sem um bom molho de pimenta.

Tenha sempre em casa dois quilos de farinha. Quando um acabar, tem outro.

(Veja crônicas anteriores em leiamais.ba.com.br)

 

O BRASIL É ASSIM…AOS TRANSCOS E AOS BARRANCOS NA BANGUELA

Desde que foi invadido pelas esquadras de Pedro Álvares Cabral há 525 anos, a terra de Vera Cruz ou Brasil vem sendo tocada aos troncos e barrancos, de altos e baixos. Muitas vezes, mete-se uma banguela para pegar a ladeira. Sobrevive à base de escândalos, corrupção e até sob efeito de psicotrópicos.

Depois de mais de 500 anos, e hoje com 200 milhões de habitantes, está no topo dos países com o maior percentual no índice de cobrança de impostos, cerca de 28% do Produto Interno Bruto (PIB), o que significa dizer que conta com uma elevada arrecadação de recursos que o colocaria no rol das nações desenvolvidas.

O Brasil é ainda a oitava ou nona economia do mundo e, por contradição, um dos mais atrasados na educação, com um dos índices de desigualdade social mais profundo onde o cidadão recebe o mínimo em termos de prestação de serviços. É ainda o país com uma das maiores concentrações de renda nas mãos de poucos. Ainda é a oligarquia quem manda nas decisões.

Pois é, o Brasil é assim, com muito dinheiro arrecadado do povo, onde uma grande parte fica com os três poderes, principalmente o legislativo, gasto com os malfeitos, e o que sobra se perde no ralo por falta de um planejamento sério nos investimentos. Para comprovar isso, existem milhares de exemplos.

Vamos somente aqui centrar fogo na construção de obras, milhares delas paradas e superfaturadas. Enquanto na China ou em outros países europeus, por exemplo, se faz uma ponte de 300 a quinhentos metros em um mês, no nosso Brasil leva-se mais de um ano, com custos quatro a cinco vezes maiores, contando aí os aditivos e roubos durante a demorada construção.

Agora mesmo, uma ponte com sua estrutura condenada sobre o Rio Jequitinhonha, se não me engano na BR-101, que não ultrapassa 500 metros, demandará um ano para ser construída, segundo informações do próprio Denit- Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. A China faria em menos de um mês.

Outro exemplo onde o Brasil vai sendo administrado aos trancos e aos barrancos é o escândalo referente à Via Bahia, concessionária das BR-116 e 324, que passou anos enchendo os bolsos de dinheiro com os pedágios e não cumpriu com o que estava previsto no contrato, de pelo menos duplicar toda pista de Feira de Santana a Cândido Sales passando por Vitória da Conquista.

A única coisa que a empresa fez foi a duplicação de Feira até o povoado de Paraguaçu, pouco mais de 70 quilômetros. Não deu a devida manutenção da pista e ainda embolsou 900 milhões de reais do governo federal (dinheiro do povo) para desistir do contrato.

Agora o Denit está gastando os tubos para consertar o asfalto e deixar tudo beleza para realizar uma outra licitação, senão empresário nenhum participará do leilão. A vencedora deverá fazer o mesmo, e o Brasil passa anos e anos nesse empurra-empurra vivendo aos trancos e aos barrancos.

Lembro quando foi feito o Anel Viário de Vitória da Conquista. Na época entrevistei o deputado federal Coriolano Salles sobre as emendas para a obra e ele dizia que constava do projeto a construção de viadutos e passarelas nos acessos à cidade.

São mais de 20 anos e nada foi realizado. Agora vem o Denit e o Governo do Estado com a promessa de fazer a duplicação da BR-116 até o aeroporto de Conquista além dos viadutos nos contornos. Dá para acreditar nesse papo político? Durante esse tempo, muita gente morreu nos acidentes.

Quando terminaram o aeroporto de mais de 10 anos de duração, a licença para seu funcionamento somente seria liberada se fizesse um viaduto no cruzamento da BR-116. Para desenrolar a autorização, o próprio Governo do Estado garantiu que iria construir o viaduto. São mais de cinco anos e lá está um armengue da Via Bahia que levou todo nosso suado dinheiro.  É assim, o Brasil só vai aos trancos e aos barrancos.

SEJA BEM-VINDO À “SUÍÇA BAIANA”

É, meu amigo companheiro, a onda agora é chamar Vitória da Conquista de “Suíça Baiana”, nas propagandas da Prefeitura Municipal, inclusive nos noticiários da mídia. Caímos mesmo no ridículo! Até parece que não estamos no agreste nordestino.

Para muitos, infelizmente, aqui não é Nordeste! Botaram o nome de sudoeste quando o correto seria sudeste. Vitória da Conquista é outra coisa controversa. Se já é Vitória, para que essa de Conquista? Pois é, são polêmicas que sempre estão em rodas de conversa.

– Bem, já que é assim, para o visitante e turista, seja bem-vindo à nossa fria terra “Suíça Baiana” onde faltam médicos, medicamentos e outros produtos nos postos de saúde. Muitas unidades, principalmente na zona rural, são precárias, algumas fechadas e outras necessitando de urgentes reformas.

-Seja bem-vindo à “Suíça Baiana” onde escolas e creches não funcionam adequadamente. O transporte escolar é problema. Para as crianças e jovens com alguma deficiência não existem professores especializados para o acompanhamento individual. Vez ou outra, mestres entram em greve reivindicando melhorias.

– Seja bem-vindo à Suíça Baiana onde os equipamentos culturais, como o Teatro Carlos Jheovah, o Cine Madrigal e a Casa Glauber Rocha estão fechados há anos e o tempo se encarregando de destruir o que ainda resta. Os artistas estão sem espaços para realizar seus ensaios e espetáculos.

Não temos um Plano Municipal de Cultura que norteie as diretrizes de uma política para o setor que foi sepultada pela prefeita. O nosso Conselho Municipal de Cultura não atua a contento. O patrimônio histórico arquitetônico foi derrubado e alguns casarões carecem de manutenção.

O mais vergonhoso é que numa cidade de cerca de 400 mil habitantes, a terceira maior da Bahia, não existe um museu municipal que conte sua história, boa parte perdida. Os dois pequenos e acanhados museus, o Regional e o Padre Palmeiras, são da administração da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia -Uesb.

Seja bem-vindo à “Suíça Baiana” onde a prefeita cometeu o maior pecado e absurdo de terceirizar a tradicional festa junina, expulsando o nosso autêntico forró pé de serra, o arrasta-pé, para dar lugar ao axé, o arrocha, o sertanejo e outros ritmos de cantores de letras lixo, sem conteúdo.

O nosso sagrado São João cultural, com danças, fogueiras, bebidas e comidas típicas foi banido para dar espaço ao estilo elitizado carnavalesco com camarotes, muito barulho, zoeira e rebolados no palco de mulheres seminuas.

Os artistas e as bandas locais ficaram com as migalhas dos recursos. Os cachês dos carnavalescos Leu Santa, Ivete Sangalo e Wesley Safadão são de 400 a 500 mil reais e são pagos antecipadamente pelo povo. Os outros recebem depois de forma parcelada.

Seja bem-vindo à nossa “Suíça Baiana” onde o transporte público é deficitário, com ônibus velhos e que rodam superlotados. Os usuários sofrem nos pontos dos “buzús” com os atrasos. Não existe uma infraestrutura eficiente para atender a demanda da população que cresceu nos últimos 30 anos.

Seja bem-vindo à “Suíça Baiana” onde o abastecimento de água regularizado ainda é uma incerteza depois de anos de racionamento. O projeto de construção de uma nova barragem se arrasta há mais de 10 anos. Quando bate a seca, os habitantes ficam apreensivos diante da possibilidade de escassez de água.

 

É essa a nossa “Suíça Baiana” onde a temperatura mais baixa alcançada no ano fica em torno dos 8 a 10 graus. Sua altitude é de 900 a mil metros. Aqui não temos os Alpes gelados dos esquis, mas temos a Serra do Periperi que foi arrasada pela predadora e destruidora mão humana. O meio ambiente foi destruído.

Seja bem-vindo à nossa “Suíça Baiana” onde prevalece, como em todo Brasil, uma profunda desigualdade social e uma alta concentração de renda entre poucos. Nos semáforos, praças e avenidas, pedintes e crianças vendem balas para sobreviver.

É, meu amigo camarada, mas em nossa “Suíça Baiana” vamos ter praia com ondas em sofisticadas piscinas, somente para os ricos. Os pobres vão para a prainha de Anagé, do Rio Gavião, distante pouco mais de 50 quilômetros, em pleno agreste sertanejo.

Vamos ter a vantagem porque na “Suíça da Europa” não tem praia, só gelo.  Temos aqui uma feirinha livre no Bairro Brasil que é uma belezura de produtos da agricultura familiar e um mercado para comer um bode, um mocotó ou uma deliciosa buchada, que os suíços não têm por lá. Ganhamos na bagunça.

 

COISA DE LOUCO!

Depois de tantas que já fiz em minha vida de andanças por essa Bahia, somente agora com essa idade vim cair na real de que mudança é mesmo coisa de louco! O processo maluco começa quando você vende sua casa ou resolve trocar de aluguel para outra residência.

Durante a venda e a compra, a pessoa encara uma tremenda burocracia de papéis e pagamentos de impostos. O inquilino também sofre porque o dono do imóvel exige fiador ou caução. E a procura de outro local que lhe agrade? Nesse início de caminhada você já se sente estressado e aí vem o esgotamento.

Calma, que ainda tem muita confusão por vir. Quando se encontra a moradia, a gente acha que os problemas se acabaram. Que nada, meu camarada, ainda tem muitas léguas para percorrer! Sua irritação e raiva só estão começando. Haja nervos de aço para suportar as contrariedades!

Na maioria das vezes, o maluco da mudança se agrada com a “nova” residência, fica todo alegre e até comemora com os amigos, mas quando entra, aparecem os pepinos, e os maiores são aqueles referentes à parte hidráulica e elétrica. Essas questões não são visíveis no primeiro olhar. É como adquirir um carro usado na mão de terceiro.

E o dia ou dias da mudança dos bagulhos com o transportador? É outro tormento! Bom mesmo é pobre que mora num barraco porque contrata um carroceiro e leva os panos de bunda de uma só vez. Pior que a arrumação é a desarrumação. Por mais que a pessoa seja organizada, termina se perdendo e passa semanas procurando as coisas, muitas delas quebradas.

A única mudança onde você não leva nada é na morte. Essa a família lhe despacha num caixão e joga a terra por cima. Durante a vida, a mudança para a morte é a última. Quanto a nova moradia, ninguém sabe decifrar. Existem apenas conversas.

Bem, de volta ao assunto material cruel, imagine quando se é obrigado a fazer algumas reformas no “novo” imóvel? A esta altura o camarada já perdeu o juízo e aí vai ter que pagar um psiquiatra para se tratar. Quando se está nessa reta de quase chegada ou final da trabalheira, o agente da mudança descobre que a prestação de serviços em Vitória da Conquista e na Bahia, principalmente, é de péssima qualidade.

Não vou mais descrever sobre o inferno que é uma mudança porque todo ser humano já conhece isso muito bem e até evita   pronunciar esta palavra. Além de ser coisa de louco, mudança é sinônimo de agonia, de estresse e esgotamento físico e mental.

É trauma que se leva para o resto da vida. Quem já não passou por isso? Não existe mudança sem dor e, por mais que se faça, nunca se aprende como fazer uma sem problemas. Cada mudança vem cercada de transtornos e imprevistos. É coisa de louco!

CARTA À SENHORA PREFEITA

Senhora prefeita, meu profundo sentimento de tristeza pela terceirização elitizada do nosso São João que, em definitivo, acaba com o tradicional forró, forrobodó ou arrasta-pé nordestino, é bem mais forte do que as palavras de revolta e indignação.

Pelo menos a senhora vai ficar na história de Vitória da Conquista como a prefeita que privatizou a nossa sagrada festa junina, com camarote ao estilo carnavalesco do axé, do arrocha e do sertanejo. Só faltou, senhora prefeita, colocar trio elétrico e blocos com a venda de abadás.

A senhora pode até atrair essa nossa juventude entorpecida por anos de alienação cultural, essa grande massa que não tem qualquer filtro do que seja qualidade musical para separar o joio do trigo, mas essa sua decisão simboliza uma tragédia para a nossa cidade.

Seu feito, senhora prefeita, poderia ficar mais completo se trocasse o nome de “Arraiá da Conquista” para “CarnaConquista”. Como cidadão conquistense – e aqui quero honrar o título que recebi da Câmara de Vereadores –  sinto-me envergonhado e minha alma padece porque a nossa cultura, que é vida, foi apunhalada e sangra em seu leito de morte.

Repito aqui, senhora prefeita, o comentário do professor Elton Becker, no Programa Conquista de Todos, da Brasil FM:

“Não se engane, o que vemos não é um simples aprimoramento, mas uma destruição planejada da autenticidade junina. A cultura, antes ferramenta de emancipação e expressão coletiva, é agora domesticada por editais dirigidos e pela supremacia do camarote. O calor da fogueira, a dança espontânea, a voz do artista local que emerge da base, tudo é sufocado em nome de um modelo que visa apenas o lucro e o controle. O São de Conquista virou um laboratório de controle simbólico”.

Como se não bastasse o fechamento dos nossos equipamentos culturais – Teatro Carlos Jheovah, Cine Madrigal e Casa Glauber Rocha – que há anos estão sendo destruídos pelo tempo, essa sua atitude, senhora prefeita, contra o nosso tradicional festejo junino, é como se fosse uma pá de cal no túmulo da nossa cultura.

O nosso autêntico forró pé de serra da sanfona, do zabumba e do triângulo, cantado por Gonzagão, Dominguinhos e tantos outros, que já foi venerado e cultuado com letras de raízes da terra nordestina, entra hoje no palco como uma alma penada ou uma assombração. Os protagonistas de hoje são os cantores de ritmos rebolados de altos cachês, tipos safadões.

Minha voz, senhora prefeita, pode ser ranzinza e solitária, mas nunca serei omisso quando a nossa cultural popular centenária e milenar é ferida por esses falcões do capital que iludem o nosso povo traído, enganado e explorado que paga com alto custo suas apresentações dantescas, exóticas e eróticas.

Respeite a história e a memória da nossa tradição cultural, senhora prefeita, que aproveita da conivência de seus aliados, como da Câmara de Vereadores, para transformar o nosso festejo junino da dança, das comidas, das cantorias forrozeiras, num lixo, sob o argumento de que é disso que o povo gosta.

Infelizmente, os movimentos culturais, os artistas, os intelectuais dessa cidade pouco reagem e sempre prevalece o barulho do silêncio, como do Ministério Público que, como muitos dizem, tem quer ser provocado, quando não deveria ser assim. Sei, senhora prefeita, que pouco importa minha fala, mas fica aqui registrada minha carta de protesto.

 

AO AMIGO CARLOS GONZALEZ

É muito difícil ou fácil falar de um amigo do peito e irmão que partiu para outra dimensão e nos deixou aqui com a dor da saudade, que só nos alivia quando o outro também seguir o seu destino. A morte é a nossa carrasca que nos acompanha desde o nascimento. O sentimento, às vezes, é bem mais forte que o de certos parentes, tipo daqueles que sempre está mordendo a gente.

Difícil porque é uma perda irreparável e fácil pelo seu gesto simples, educado e amável de tratar as pessoas. Estou me referindo ao amigo-irmão Carlos Gonzalez Passos com quem convivi por muitos anos desde a redação do jornal A Tarde, em Salvador, e após ele ter vindo morar em Vitória da Conquista há mais de 10 anos.

No jornal ele atuava na Editoria Nacional e eu na Editoria de Economia, mas nossos turnos eram diferentes. Mesmo assim, trocávamos algumas ideias e sempre ia à sua mesa pedir alguma matéria de economia para fechar a página. Ele pedia algumas informações sobre o meu setor e até me chamava de economista.

Aqui em Conquista nos aproximamos mais. Com mais tempo para os encontros, a amizade se fortaleceu e todos finais de semana nos víamos num bar, na casa dele ou na minha para batermos aquele papo sobre futebol, política, assuntos gerais e locais, claro que acompanhados de uma cervejinha gelada e um tira-gosto.

Além de outras coisas, tínhamos em comum sermos tricolores Fluminense das Laranjeiras e ele ainda apaixonado torcedor do Esporte Clube Bahia. Nos esportes, principalmente no futebol, era uma enciclopédia, tanto que o chamava brincando de ser meu secretário para me informar sobre o que estava acontecendo na área. Toda semana me passava a escalação dos jogos do Flu e onde seria televisionado.

Desde hoje (dia 22/05/2025) à tarde já estou sentindo sua falta e meu coração ficou abalado. Onde estiver, meu amigo deve estar lembrando do nosso último encontro em sua casa no sábado passado jogando conversa fora e tomando uma gelada. Como sempre, trocamos ideias sobre diversos assunto e me comunicou que iria a Salvador na quarta ou na quinta para o aniversário de 80 anos do seu irmão publicitário Fernando Passos, dono da Agência EngenhoNovo.

Quis o destino que partisse de Salvador, aos 88 anos, onde militou no jornalismo por décadas. Na capital, onde faleceu, depois de um infarto, deu também sua valiosa contribuição à Revista Placar, à Sucursal de O Estado de São Paulo e na Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Salvador.

Portanto, Gonzalez, como o tratava, deu grande contribuição para o nosso jornalismo com seus textos claros, de qualidade e de um português correto, recheados de subsídios. Aqui em Conquista colaborou com meu blog www.aestrada.com.br, como o de Paulo Nunes e Anderson.

Gonzalez nasceu em Salvador em 14 de março de 1937 e me deixa boas e grandes recordações pelo resto da minha vida. Com a mesma linha política e de pensamento, muitas vezes concordávamos e descordávamos de muitas posições, sempre mantendo o respeito e tolerância. Nunca trocamos farpas por discordâncias.

Meus sinceros sentimentos e abraços à toda família Gonzalez Passos e aos companheiros de trabalho. Gonzalez foi um grande exemplo de companheirismo, humano e defensor da liberdade de expressão e do Estado Democrático de Direito. Sempre clamava por justiça social no Brasil. Ao meu amigo e irmão, saudades eternas.

CRIANÇAS RICAS, POBRES E FILTROS

– Por que nos últimos anos tem surgido tantas doenças esquisitas entre crianças, especialmente nas ricas, coisa que era raro há 50 ou 60 anos? É diabetes, câncer, obesidade, pressão alta, problemas no coração, sem falar em outras enfermidades, exóticas e crônicas! Comentou o amigo Alberto dia desses num papo meio macabro.

– É compadre, deve ser a industrialização desses alimentos enlatados e com embalagens de visual atraente, cheios de substâncias químicas conservantes, comidas de papel daqueles filmes norte-americanos, só porcaria. Antigamente não havia muito disso. A maior parte dos produtos era comprado nas feiras da agricultura familiar.

– Outra coisa é que criança rica, criada pelas babás, nascida em berço de ouro, vive como se fosse numa bolha, não pode pisar os pés no chão, e os pais, na corrida do ouro, pouco dão atenção. As mães só pensam no trabalho e nem amamentam suas crias. Criança rica hoje tem até depressão, estrese e problemas psiquiátricos. Coisa de doido!

– É, deve ser isso mesmo – concordou o amigo. Agora, veja bem a diferença das ricas em relação às crianças pobres, principalmente as sertanejas nordestinas do agreste brasileiro, lá dos cafundós onde o judas bateu as botas!  Quando nascem, com poucos dias, os pais dão logo é caldo de mocotó, de feijão, buchada, pirão de rabada e bode, coisa com sustança!

– Esqueceu de falar compadre que esses meninos e meninas, com um ano de idade, já estão por aí nos terreiros e nos matos, de pés descalços, na poeira, na lama e tomando chuva na cara. São criados com anticorpos e dificilmente pegam uma gripe.

– Lembro que fui um desses na roça. Com quatro e cinco anos já estava trabalhando. Tive sarampo, catapora, papeira, tosse braba e logo ficava bom com banho de ervas e chás de plantas medicinais. Se ficava doente, triste melancólico e banzo, chamavam uma rezadeira e tirava o mal olhado. “Este menino está de mal olhado comadre”!

– Naqueles lugarejos e povoados nem existiam postos de saúde. A gente crescia sem vacina, sem nunca ver um médico e era nascido de parteira. Os tempos hoje mudaram, compadre Alberto. Qualquer coisa é receita ali, receita acolá e nada de remédio natural, só drogas!

– A maior doença hoje da criança pobre (sempre existiu), seja da zona urbana e rural, é a desnutrição, a danada da fome. Essa é terrível e nunca vai deixar de existir nesse Brasil de políticos safados. As cestas básicas do Bolsa Família enchem o bucho é com feijão com arroz e um pedaço de carne quando acha. Dificilmente comem industrializados. Nada de iogurte, presunto e outros conservantes. É raro um Danoninho e tem que ser dividido por três ou quatro!

– No campo entra o cuscuz, o aipim, o beiju, milho cozido, assado, fubá e a velha buchada com mocotó. Quando bate a seca, aí o bicho pega. Mesmo assim são mais fortes e resistentes do que esses moleques da cidade, que até matam a fome com droga e cola de sapateiro. Os pais são mais violentos e se enterram na cachaça para curar as mágoas.

– Como um assunto puxo outro e estamos falando de doenças, viu como se faz tanta publicidade de protetor solar? A mídia mais parece garota propaganda das fábricas de cosméticos, entrevistando dermatologistas que até ganham com isso. Tem filtro que custa até mais de 100 reais – disse o amigo Alberto.

– Oh, compadre, não estamos numa suíça baiana? Podiam até propor uma lei na Câmara de Vereadores para mudar o nome de Vitória da Conquista para Suíça Baiana, ficaria chique. Pelo menos carimbava de vez o ridículo! Mas, isso é outro assunto, meu camarada!

– O pobre que ganha um salário mínimo pode comprar isso? Claro que não! A linguagem deles (médicos e mídia) é para classe média, de média a alta. Não se pode tomar um sol que aí já vem o câncer de pele. Isso é terrorismo! Cadê a vitamina B ou C que os raios solares emitem? É muita frescuragem. Que se danem os dermatologistas!

– Novamente entra nesse caso o sertanejo nordestino que toma um sol de rachar o cano, de mais de quarenta graus e quase não se vê câncer de pele nesses cabras da peste. Têm casco de jacaré e tartaruga. Leva pedra, pau, toma porrada no lombo e pega no pesado do dia a dia. Por acaso, esse pessoal tem grana para comprar esses protetores caros?  Afirmou o compadre Alberto.

– Eu mesmo, meu amigo, já tomei muito sol quando menino na roça. Não uso esses tais de protetores. Me dão nojo e alergia. Sou bruto mesmo, tipo casca grossa! A pele fica toda melada! Nem esse tal de repelente! Tô fora dessa! Minha pele é a prova de mosquito e muriçoca. O couro é duro e tenho o corpo fechado pelo meu pai de santo. Podem me esculhambar e até me chamar de ignorante. Nem tô aí, compadre Alberto, para esse lero-lero!

 

 

 

 

OS BEBÊS REBORN E AS LOUCURAS

A impressão que temos é que deu a louca no ser humano, mas calma que essa loucura de transtorno mental e desequilíbrio não atinge a todos. Nas redes sociais e na mídia em geral estamos lendo, ouvindo e assistindo casos que mais parecem causos, estórias surreais e fake news, mas são verdadeiros. Por mais que se procure uma explicação, fica difícil assimilar determinadas atitudes.

Estou falando dos tais bebês “reborn”, que na tradução significa renascido, renascimento, feitos de forma artesanal nos anos 90 e agora industrializados com formatos semelhantes de uma criança. É renascimento, ou obscurantismo? É idade moderna, ou das trevas?

Dizem na psiquiatria que esses bebês servem como tratamento terapêutico, talvez para mulheres que, por motivos biológicos, não puderam alcançar a maternidade e vivem em depressão. Se vivo fosse, meu pai diria, em seu linguajar bíblico, que isto é sinal do fim do mundo, ou seja, estamos no juízo final.

Acontece que o remédio provocou efeitos colaterais nas criaturas, ao ponto de cometerem os absurdos dos absurdos. Não sou especialista no assunto, mas fatos que li e ouvi esta semana sobre esses tais bebês reborn me deixaram chocados, bem mais grave do que tratarem os cachorrinhos como se fossem seus filhos legítimos.

Nesta semana acompanhei o noticiário de uma mulher em Guanambi, aqui em nossa região, que chamou um carro de aplicativo com um desses bebês no colo dizendo que tocasse rápido para a UPA porque seu neném estava sentindo muitas dores. Na unidade de saúde descobriram que se tratava de um “reborn”. A situação chegou ao extremo que um deputado da Assembleia Estadual entrou com uma lei proibindo que os postos de saúde, que já são precários e faltam médicos, não atendam esses bebês reborn, ou artificiais.

“Existe mais mistério entre o céu e a terra do que sua vã filosofia”. Se a criação era para ser terapêutico, virou caso de loucura, de internamento. Em Salvador, se não me engano, uma mulher foi a uma Igreja Católica e pediu que o padre rezasse uma missa para seu boneco ou boneca. O sacerdote, é claro, respondeu que ela procurasse um psiquiatra.

Li em algum lugar que a indústrias desses bebês em São Paulo está bombando e ganhando milhões com a grande demanda. A depender da perfeição e do material usado, um chega a custar entre mil a dois mil e quinhentos reais, o que nos leva a concluir que não está ao alcance dos pobres porque já têm uma penca de filhos e a maior preocupação da família é como alimentá-los. Predomina a fome.

São fatos que demonstram em que nível a humanidade chegou, que se apega a um a boneca como se fosse um bebê de verdade. Entendo que o mundo tecnológico tem muita parcela desse desequilíbrio mental onde o espiritual foi posto de lado.

Quando pensamos que já vimos todos os absurdos, aí aparecem outros, e as coisas anormais vão se tornando normais e comuns, tanto que a maioria das pessoas nãos fica chocada. Junte a tudo isso a violência, a corrupção, os desvios de conduta, o individualismo, a necessidade premente de se aparecer nas redes e teremos como pano de fundo a degradação humana.

NA ESTRADA DA MUDANÇA

Todo mundo é praticamente unânime em dizer que fazer mudança é uma coisa horrível, cansativa e que causa inúmeros transtornos. Também concordo, e olha que em minha vida já fiz inúmeras, de perder a conta, pegando estrada de uma cidade para outra ou de casa em casa. Mesmo assim, nunca fiquei especialista nesse troço, sempre requer muito esforço e coragem.

Da roça para Piritiba, de lá para Mundo Novo, para Rui Barbosa, Itaberaba, Amargosa e Salvador, lá ia eu com minha mala de couro com os “panos da bunda”, como se diz no popular. A mais longa foi de Salvador para Vitória da Conquista, em 1991, e aí já tinha muito mais do que simples “panos de bunda”. A bagagem era bem maior e robusta.

Morei 23 anos em Salvador e cerca de 20 como inquilino. Todos os anos fazia uma mudança arrastão porque era expulso pelos moradores do prédio ou do condomínio por fazer muito barulho nos finais de semana com farras e som alto. Pagava um preço caro, mas merecia purgar pelos meus pecados.

Existem outros tipos de mudança, da física corporal à espiritual, e todas elas significam desafios, que podem ou não dar certo, mas, para saber disso, a pessoa tem que encarar e vivenciar. Desconfio que tenho um sangue cigano ou é um carma que me persegue. Em todas elas foi como se o tempo parasse e começasse outro novo.

Agora mesmo estamos, eu e minha esposa, fazendo uma nova mudança, do Bairro Felícia, na zona sul, para o Sobradinho, na zona oeste, e com muito mais bagagem. Em cada mudança, as coisas, os utensílios e bens vão aumentando, inclusive a idade que já está avançada.

Só em Conquista, esta é a sexta que eu faço e agora com um acervo cultural pesado de mais de seis mil itens entre livros, artesanatos, chapéus, aparelhos de som, DVDs, CDs, vinis, televisão, sofás, ferramentas, facas, mesas, recortes de jornais, revistas e outros materiais.

Talvez esta seja a mais marcante porque nestes quinze anos que se passaram aqui nesta casa realizamos o nosso Sarau A Estrada que se notabilizou nas noites fraternais de troca de conhecimento e saber através das cantorias, dos debates, das declamações de poesias, das contações de causos, do papo agradável e dos comes e bebes.

Formamos um grupo sólido e aqui fizemos história, cuja narrativa deve permanecer na outra casa. A mudança é como uma passagem de uma estação para outra e assim seguimos nossa jornada, construindo memórias. É um novo tempo, um novo ambiente, mas os propósitos são os mesmos. Vamos deixar de saudosismo! “Alegria, Alegria”, como na canção de Caetano Veloso.

Bem, já que estamos falando de mudanças e elas caminham por várias vertentes, confesso que, como toda gente, adoro viajar, mas detesto arrumar e desarrumar uma mala. Quando estou só, a mala ou a mochila vira uma bagunça só.

O que mais me incomoda numa viagem é carregar e descarregar, por isso é que costumo levar pouca coisa, principalmente quando se trata de um itinerante internacional. Ninguém gosta de descer num aeroporto e ficar esperando sua mudança aparecer numa esteira rolante. O pior é quando ela se perde e vai para outro destino.  Oxalá que esta nova mudança não tome outro destino.





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