O CAFÉ ACABOU DE ACABAR
(Chico Ribeiro Neto)
A gente sofre várias chateações domésticas. O coador de papel, quando você puxa um, sempre vem dois.
Dizem que “o pão do pobre só cai com a manteiga pra baixo”.
Você tá todo ensaboado e a água vai embora. Coisa muito chata: acordar de manhã e ver a pia cheia de pratos e panelas sem lavar. E ainda deixaram aberto o tubo da pasta de dente.
Aprendi com os antigos: nunca guarde roupa pelo avesso e nunca deixe sandálias e sapatos virados para baixo. Dá azar.
Faxineira quase sempre dá problema. Ela muda a ordem dos móveis da casa sem lhe consultar: “Ah, Seu Chico, o sofá aqui fica melhor”. Tenho um amigo que a faxineira resolveu arrumar os livros dele por tamanho.
Não gosto que coloquem comida no meu prato. Meu avô Chico Ribeiro tinha essa mania: “Esse menino não tá comendo nada. Chiquinho, coma mais um pouquinho de ensopado”, e tascava duas colheres cheias no meu prato. Tia Nina dava o arremate final e lascava três pedaços de abóbora no meu prato: “Abóbora é vitamina pura!”
Pior ainda é quando você vai na casa de alguém e servem uma torta horrível. Você tá fazendo esforço pra engolir e a dona da casa avisa: “Se quiser mais, é só pedir”.
Morei alguns anos em pensão quando estudante. Tinha uma nos Barris que não servia leite, cada hóspede que comprasse sua lata de leite e a levasse para o café da manhã. Começaram a roubar as latas nos quartos, Você escrevia seu nome no rótulo de papel que era arrancado pelo larápio. O jeito era gravar com canivete seu nome na própria lata. Depois do almoço serviam uma xícara de cafezinho. Um procurava distrair você numa conversa enquanto outro colocava uma colher de molho de pimenta no seu cafezinho.
Graças a Deus, nunca tive vizinho pidão, mas minha amiga já teve. Sua vizinha pidona toda semana faltava café na casa dela. Quando ela sentia o cheirinho de café pela área de serviço, corria logo pra lá com a garrafa térmica (o quente-frio) em punho: “Ô, boa tarde, você pode me arranhar um pouquinho de café, porque o meu acabou agora”. Um dia, minha amiga, já calejada de tanta pidição, respondeu: “Que coincidência, o daqui de casa também acabou de acabar!”
Mamãe Cleonice vem da cozinha da nossa casa, em Ipiaú (BA), com uma panela de café com leite, mexendo com uma colher para esfriar e colocar na xícara de cada um dos meninos: Luiz, Zé Carlos, Cleomar e Chico. Até hoje ouço o barulho da colher girando na panela e lembro o cheiro e o gosto desse café da infância que enchia minha xícara de amor.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)