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:: 1/mar/2024 . 23:04

“A MÁSCARA DA ÁFRICA” II

No capítulo de “Lugares Sagrados”, do livro “A Máscara da África”, o escritor V. S. Naipaul viaja até Lagos, na Nigéria, entre 2008/09, onde narra as tradições do sagrado africano num diálogo com seus guias turísticos e o executivo Adesina, diretor de uma multinacional. Visita babalaôs, fala das religiões estrangeiras do cristianismo e do islamismo. Ouve pessoas sobre as tradições culturais e mitos dos antepassados. As igrejas cristãs não conseguiram se fixar no norte da Nigéria onde predomina o muçulmano.

Naipaul afirma que os nigerianos têm sua própria noção de status. Eles se divertem com coisas que outras pessoas levariam a sério. Um passaporte diplomático, com suas várias imunidades, era um dos brinquedos que tinham chegado com a independência e a criação do Estado. Em sua visita, em Lagos e outras cidades, ele observa de perto a miséria de um povo nos bairros mais pobres, mesmo com a chegada do petróleo.

Destaca que o edifício do aeroporto, conforme observou em sua chegada, era caótico por dentro. Nas ruas, mendigos saiam da escuridão. No hotel havia um aviso de que todo cuidado era pouco antes de entrar num taxi. No saguão do hotel ele se fixou numa escultura atraente e misteriosa africana. Me disseram que era uma figura de baile de máscaras.

O escritor cita passagens do viajante e pesquisador Mungo Park (1771-1806). Na época das guerras napoleônicas, por volta de 1790, Park descreve as crueldades e privações, na maior parte provocadas por mercadores de escravos que conduziam seus cativos acorrentados desde o interior, levando-os semidoentes e mal alimentados ao longo de 800 quilômetros até a costa, para serem vendidos e guardados nos porões dos navios atlânticos.

No livro de Park, aparece a figura do Munbo Jumbo. Na cidade de Kolor, Naipaul viu uma roupa mascarada, pendendo do alto de uma árvore. Disseram pertencer a Mumbo Jumbo, um tipo de bicho-papão, comum a todas aldeias dingas, muito empregado pelos nativos para manter suas mulheres submissas. A África era polígama nessa época.

Diz a tradição que, quando a mulher não obedecia ao marido ou fazia coisas erradas, ele chamava o Mumbo Jumbo que saia da floresta com todo seu disfarce até um ponto da aldeia onde os moradores se reuniam. Muitas vezes era o próprio marido. Canta-se e dança-se até à meia noite. Mumbo declara que a mulher é culpada. Ela é agarrada, suas roupas são arrancadas e, nua, é amarrada a um poste e espancada até o amanhecer por Mumbo e seu cajado. Os aldeões gritam de prazer e não demonstram misericórdia.

A África hoje não é mais polígama, só os muçulmanos. A Nigéria agora é rica por causa do petróleo. Essa Nigéria moderna tem a idade de oito ou dez gerações. Alguns maias dotados carregam esse fardo da juventude do país. O escritor conhece um tal de Edun que nascera em Manchester, na Inglaterra. Era um imigrante que não conhecera a tradição de cem anos atrás. Edun foi poupado do outro lado da mentalidade nigeriana que mergulha bem fundo em antigas crenças e magias, que resiste à racionalidade.

O autor também conversa com um empreiteiro que diz ser cristão iorubá. Ele veio de uma família católica e disse ter visto uma menina possuída pelo Espírito Santo, sendo purificada. Aquilo lhe deixou mais espiritual ao ponto de acreditar que existe um alfa e um ômega que nos vigia. Em sua visão, quando o homem tem educação, ele pode racionalizar melhor.

Sobre as divindades tradicionais, afirmou serem bem conhecidas internacionalmente. Existem sítios sagrados ou santuários e festivais. Edun citou um bosque onde se realiza o festival de Oxum, em Osogbo. Seguidores do orixá se reúnem ali em hordas e rezam pelo que querem com os pais e as mães de santo. Para o festival vem gente do Brasil, de Cuba, dos Estados Unidos e do Haiti e dura uma semana. No último dia, uma virgem com uma grande cabaça sobre a cabeça caminha até o rio (Oxum que também é o nome de um estado da Nigéria, cuja capital é Osogbo).

Naipaul ressalta que são muitos os orixás (deuses e deusas iorubanos) e suas histórias se entrelaçam. O empreiteiro narra muitas histórias da Nigéria, como a de pastores das igrejas que vão discretamente a um pai de santo tradicional num santuário. Havia um rei de Lagos que era chamado de obá. Existem obás (chefes) por toda Nigéria, uns hereditários e outros pagos pelo governo.

A Nigéria, antes de ser britânica, foi portuguesa. Os seus guias de viagem contam que nos velhos tempos, o obá e os chefes sentavam em esteiras e falavam uns com os outros no pátio aberto. Um amigo do norte, de Kano, lhe confidenciou que o nigeriano pode ter uma cultura equina, mas não tem amor pelos animais. Naipaul observou que não haviam cães e gatos comuns perambulando nas ruas.

Em sua viagem, o escritor também conheceu Adesina, um executivo financeiro, com qual trocou experiências e ideias sobre a Nigéria. Com ele conheceu vários santuários. O pai de Adesina, que era católico, se converteu ao islamismo por causa dos árabes comerciantes do norte. Eles traduziram o Corão para o iorubá e pregavam na mesma língua.

Quando Adesina ainda era menino, seus pais perderam todos os bens. A tribo da família foi acusada de usar amuletos para matar um homem poderoso de outra tribo. Pela tradição, ele teve que trabalhar e tomar conta da família. Ele se especializou em cálculos.

Em conversa com o escritor, Adesina revelou que todas as pessoas ricas e os guerreiros da sua tribo consultam seu adivinho ou babalaô antes de irem a qualquer lugar ou fazer qualquer transação. Até mesmo os obás têm seus babalaôs, que ocupam o nível mais alto entre os adivinhos e são chamados de arabas na terra iorubana. Se houver algum problema, o babalaô vai dizer que é preciso consultar o ifá (o rosário-de-ifá e as dezesseis sementes de dendê). No ritual, o babalaô jogo um ou o outro e lê a mensagem do oráculo.





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