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:: 24/maio/2022 . 23:19

“FIADO SÓ AMANHÔ

Colaboração do meu amigo e companheiro jornalista de longas jornadas Chico Ribeiro Neto

Curto e grosso, esse é o melhor cartaz sobre fiado que conheço e que ainda hoje figura nas paredes e balcões de muitos bares e lojas. Não há mensagem mais direta nem mais esperta: “Fiado só amanhã”.

Há muitas formas de se enfrentar o fiado. Muitas vezes não adianta simplesmente dizer Não, tem que pendurar alguma mensagem pra ver se desencoraja o cara. Gosto muito de um antigo cartaz onde havia dois comerciantes. Um dizia “Eu vendi a dinheiro” e era gordo, com charuto na boca, todo feliz, a porta do cofre estufada de tanto dinheiro. Ao lado dele um cara esquálido, prateleiras vazias, ratos passeando pelo cofre que estava vazio, e a frase: “Eu vendi fiado”.

Emprestar dinheiro também é igual a vender fiado. No interior havia um ditado para dizer de alguém que emprestou dinheiro a um cara que é mau pagador: “Amarrou o dinheiro no cabo do veado”. Como o veado é muito veloz, ele não vai recuperar esse dinheiro nunca.

Existe a tática do pequeno empréstimo. Havia um repórter numa Redação de um jornal local de Salvador que sempre pedia dez reais emprestados a algum colega. Nunca era mais, sempre dez. Como a Redação tinha umas 60 pessoas, quando ele voltava ao primeiro o cara já tinha esquecido. Nesse rodízio do fiado ele sempre se dava bem. Além do mais, quem é que vai cobrar dez reais de um colega? Acaba mesmo esquecendo.

E tem gente que sabe pedir dinheiro emprestado. Não precisa contar história de que a sogra morreu, o carro quebrou ou precisa completar o dinheiro pra comprar um remédio. Ele puxa uma conversa bem amena com você e no meio da prosa dá a facada com a naturalidade de quem pergunta as horas: “Me empreste dez reais aí”. Difícil negar.

Ainda há bares onde existe o “prego”, um pequeno vergalhão ponteagudo, fixado numa base de metal, onde se enfiam os “vales” depois de assinados pelos consumidores. Quando o cara paga, o dono do bar vai lá, arranca o vale do prego e dá para o cliente devedor rasgar. Muitos se recusam a aceitar o valor do vale (“não foram oito cervejas, foram somente cinco”), mas é por isso que o dono pede pro consumidor assinar o vale, para não haver dúvida. No dia seguinte o cara sempre acha que bebeu menos.

Existe uma boa história do “prego”, contada pelo cronista e boêmio José Carlos Oliveira (1934-1986), Carlinhos Oliveira, “o mais ecumênico dos ateus”, como ele se definia. Ele estava num famoso bar do Rio de Janeiro, já era madrugada, quando chegaram cinco assaltantes. Carlinhos, que estava perto do balcão, quatro amigos e o português dono do bar foram rendidos por quatro bandidos enquanto outro raspava o caixa. De repente Carlinhos, mãos ao alto, disse para o bandido que o rendia: “O prego”. O cara entendeu, deu um sorriso cúmplice, foi até o prego, arrancou todos os vales e os colocou no bolso, para desespero do português, que xingava Carlinhos entredentes – “filho da puta” – pois tinha uma certeza: o cronista fazia aquilo por interesse próprio.

Outro cartaz interessante sobre o fiado diz assim:

“Nota de falecimento: Faleceu neste estabelecimento o Dr. FIADO, deixando a viúva – DONA CONTA – e seus três filhos: CALOTE, PENDURADO e DEPOIS EU PAGO. A família pede que não mandem FLORES, mandem dinheiro. O FIADO é muito PROCURADO, mas aqui não será ENCONTRADO”.

Outros cartazes sobre fiado:

“Fiado é igual a barba; se não cortar, só cresce”.

“O fiado é assim: eu vendo, você acha bom! Eu cobro, você acha ruim!”

“A gente só vende fiado para a Rainha da Inglaterra”.

“Fiado: só para maior de 99 anos acompanhado dos avós”.

“Fiado, nem a cunhado”.

“Fiado, nem água”.”

“Quem dá fiado, dá dado”.

“Porco fiado, todo o ano grunhe”.

Um dos cartazes admiráveis sobre fiado é este:

“CAMPANHA FIADO NÃO:

Não vendo FIADO pra ajudar você a ficar bem… Percebi que quando vendo fiado nos dias de pagar adoece alguém, um parente morre, quebra o carro, o beneficio é cortado, o salário atrasa, água e luz tá cortada. Então, pra não acontecer esse tipo de coisa não venderei fiado, porque não quero prejudicar você, já que toda vez que vendo acontecem várias tragédias. Portanto, pra evitar eu destruir sua vida, fiado não!”

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

TUDO É COM DEUS, OU A CULPA É DELE

Ao ler dois textos poéticos da minha autoria intitulados “Bruxa da Inquisição” e “Preciso Respirar”!, que falo da falta de apoio ao artista, hoje visto como demônio comunista, e sobre a natureza, meu amigo parceiro letrista Edilson Barros, lá de Fortaleza, da boa Ceará dos grandes talentos, me chamou de cruel. Simplesmente respondi que cruel é o homem com sua destruição que bota a culpa em Deus.

Ele riu, e disse ser verdade. Pois é, tudo que acontece hoje de anormalidade no clima, como a onda de frio fora do tempo no sul do país, seguida de ciclones de fortes ventos, foi Deus quem determinou, como se Ele fosse culpado de tudo. Quando as águas dos rios Madeira e o do Negro sobem no Amazonas, ou no Acre, e invadem as casas, o homem simples olha pesaroso e repete o mesmo.

Tem aquela história do “Deus que assim quis” para tudo que acontece de bom e ruim. Se chove demais, foi o Supremo Divino quem ordenou. Se bate a seca e o sertanejo dela foge em retirada, foi castigo de Deus. Na realidade, usam o nome Dele em tudo para esconder o conformismo e se eximir como vilão predador do meio ambiente.

Nem Freud e Lacan explicam essa psicologia do tudo pôr a culpa em Deus, e dizer que foi Ele quem quis, até quando se tem dez filhos em plena miséria humana. Não foi o Criador que lhe deixou na ignorância e sem educação, impedindo-o de prosperar na vida. Sem essa de que “a voz do povo, é a voz de Deus”, e ainda de que “Ele é brasileiro”. Seria muita maldade da Sua parte nos deixar nessa situação a qual vivemos hoje, com um maluco odioso, racista e homofóbico no governo, que manda “passar a boiada” para derrubar a Amazônia.

Em cada jogo de futebol que acontece nos campeonatos, Deus sempre está torcendo para algum time, e justamente para aquele que vence. “Ganhamos, graças a Deus”. “Fiz um gol, graças a Deus”. Até o pistoleiro faz a sua oração antes de partir para matar o seu “próximo” a mando do patrão do crime. Existe também a “guerra santa” dos islâmicos que explodem bombas contra outros em nome de Alá.

É comum a pessoa afirmar que Deus o salvou quando sobrevive a um desastre natural ou num trágico acidente. Quer dizer que Deus não estava ao lado dos outros porque eram infiéis? Até num jogo de baralho, dama, dominó ou nas lotéricas da Caixa Federal usa-se o nome em vão de Deus. Quando se pratica o mal, também, tanto que o cara se saia bem. É que Deus estava ao seu lado.

Esse Deus passa as 24 horas se “virando nos trinta”, inclusive para gente que não presta, não vale nada, como é o caso do capitão-presidente. Ele mesmo já disse certa vez ser o enviado de Deus. Será que esse Deus é tão ruim assim que escolheu ele para fazer maldades? Em nome de Deus, os pastores das igrejas evangélicas foram lá ao Ministério da Educação rezar e cobrar propinas dos prefeitos.

Para os fanáticos fundamentalistas, a pandemia da Covid-19 que ceifou milhões de vida no mundo foi obra de Deus para repreender a rebeldia e os malfeitos da humanidade. Por falar em pandemia, a mídia agora está dizendo que o analfabetismo dos estudantes é culpa dela. A educação no Brasil sempre foi uma das mais deficitárias no mundo, mas isso já é outro assunto.





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