Era um final de tarde onde o pôr-do-sol já anunciava o anoitecer. Um cidadão chega aflito e ofegante num posto de saúde, com sintomas de Covid-19, e é atendido por um funcionário. O expediente já era finado.

Mesmo assim, ele o recebe; olha o seu cartão e, ao ver seu nome, meio que espantado diz:

– O senhor é uma lenda, não pode morrer! Começa a clicar várias vezes em seu celular e agenda uma consulta urgente para o paciente que lhe responde:

– Moço, lenda não existe! Não passa de uma imaginação das pessoas! Como posso ser uma lenda diante de tantas contadas pela história? Sou um simples mortal.

– É sim, para mim, que o acompanho há muitos anos, pelo seu caráter, seu comportamento ético, princípios, seriedade, honestidade e reputação ilibada. Também pelo que tem feito, com seu espírito de persistência.

– Não sou nada disso, mas agradeço seu reconhecimento. Moço, como posso marcar um teste para saber se estou contaminado? Venho tentando há dias pela Central de Marcações, mas ninguém atende.

– Pronto! O senhor já está agendado com o médico para logo mais amanhã cedo. Procure descansar, porque o senhor é mesmo uma lenda, e não pode ir assim levado por esse vírus.

Ele foi para casa imaginando: Quem sou eu para ser uma lenda, apenas um contribuinte entre tantos milhões, que dedicou toda sua vida batalhando e pagando seus impostos e, quando precisa do Estado, é considerado como mais um número esquecido lá no canto.

Mesmo assim, ele se sentiu recompensado e envaidecido, porque pelo menos uma pessoa reconheceu seu valor.  Mas, não sou nenhuma lenda – responde para si mesmo. Será que lenda tem a ver com travessia de vida?

De um polo ao outro, quero aqui aproveitar o momento para repudiar o tratamento rústico, fanático e radical praticado por dois radialistas conquistenses contra duas professoras sindicalistas, numa entrevista de bate-boca, quando as representantes da entidade tentavam explicar o aumento do piso do governo federal aos profissionais da educação.

As mulheres foram interrompidas abruptamente. Confesso que, em toda minha vida jornalística de 50 anos, fiquei horrorizado com o que vi e ouvi. Foi uma aula de como fazer antijornalismo e antiradialismo, sem nenhuma compostura e ética profissional. Uma entrevista raivosa, mais para conversas atravessadas de botequins. Os entrevistadores pareciam dois ferozes pits bull em ataque descontrolado, sem o devido traquejo jornalístico!

Simplesmente, foi uma aula de como não se deve fazer uma entrevista. Foi lamentável, para não dizer, uma vergonha para imagem do nosso jornalismo e da nossa cidade de Vitória da Conquista! Ao invés da mídia ser agredida, como geralmente acontece, foi a mídia quem agrediu as pessoas que ali estavam sendo entrevistadas. Nunca vi tanta descompostura no ar!

Mas, nessa mistura que hoje resolvi fazer, falo agora do politicamente correto e do politicamente incorreto. Os dicionaristas deveriam eliminar certas palavras de seus compêndios de significados e traduções.

Aqueles radialistas até podem vestir o manto do politicamente correto, recomendado pelo falso sistema, mas sempre vão estar com suas unhas afiadas para cravar no pescoço de alguém que esteja do outro lado do seu pensamento político. Tudo requer formação e profissionalismo no que está se fazendo.

Detesto esse politicamente correto porque remete à censura. Um amigo poeta-letrista me disse que não coloca o termo “zumbi” em suas músicas porque é pejorativo e racista. Afirmei para ele que uso a palavra “zumbi” e outras quando for necessário, para dar ênfase à narrativa, não com o fito de destilar ódio e intolerância racial.

Ora, voltando ao caso da lenda, ela pode ser empregada como metáfora para reforçar o texto, sem essa de preconceito e racismo. Tudo depende como empregar. O cara pode não usar a palavra “zumbi” por temer ser julgado e jogado na fogueira da inquisição. No entanto, isso não quer dizer que ele não seja racista. Não se pode falar em lobisomem?

Certa vez fui repreendido numa conversa porque falei a expressão denegrir, no sentido de outrem tentar caluniar ou manchar a reputação de outro. Entendo esse tipo de coisa como patrulhamento ideológico. Então, tenho que me policiar o tempo todo, para não ser visto como preconceituoso?

Entendo como preconceituoso o indivíduo que se vigia o tempo todo, ou se esconde numa couraça do politicamente correto, para agradar e enganar. O politicamente correto pode ser um farsante racista de primeira, ou um lobo na pele de cordeiro. O racismo existe, como o complexo de inferioridade, onde em tudo ver preconceito e racismo.