:: 17/mar/2022 . 23:32
O ARCO-ÍRES E O PÔR-DO-SOL
Nas lentes do jornalista Jeremias Macário, um flagrante poético-mágico da natureza num final de tarde onde a luz cede seu lugar para o anoitecer. Ambas as imagens se reverenciam e se penitenciam com seus significados misteriosos. O Arco-íris é o símbolo da comunidade LGBT, com suas cores de esperança e renovação da vida. Na verdade, essa simbologia é de todos nós quando nos faz refletir sobre nossa pequenez diante das belezas do universo. É o momento do nosso instinto primitivista de ódio e intolerância dar lugar para a paz espiritual, de que devemos respeitar os outros. É o portal para o outro lado do ser.
O pôr-do-sol é como o beijo da luz do dia com o escurecer da noite, com suas cores rajadas de despedida de uma jornada entre nascente e poente, prometendo um novo alvorecer de outro dia. Pode também representar o ciclo da vida: o nascer e a morte onde cada um procura deixar o seu sentido nessa passagem de luz. São duas belas figuras poéticas supremas onde cada um tem um olhar e interpretação diferentes. Dizem que o homem é a imagem do criador, mas, por mais esmero que seja, o pincel humano artístico jamais conseguirá alcançar tal perfeição.
MOMENTOS DE TORMENTOS
Nova autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
A noite rasteja lentamente;
Lá fora, sacodem ventos:
Tiram a visão dessa gente,
Nos momentos de tormentos.
A bruxa acende sua tocha,
Pra afastar corvos agourentos,
Que querem sugar minha mente,
Nos momentos de tormentos.
O sol demora a raiar,
Para espantar meu sofrimento,
Dessa peste, sufoco sem ar,
Como trevas brocar meu pensamento,
Nos momentos de tormentos.
Esse templo está contaminado;
A cancela abriu para os demônios;
A saudade não mais dói;
Só ficou o buraco no peito,
Estendido em meu solitário leito,
Que me corrói,
Nos momentos de tormentos.
A abelha fabrica o mel;
Em sua colmeia faz a ceia;
A aranha tece sua teia;
A formiga, seu formigueiro;
O ser humano destila raiva e fel;
Só sabe separar bem e mal;
Cada um com sua flor e dor,
Com seu conflito existencial,
Nos momentos de tormentos.
“SERTÃO COLORIDO QUANTO PRETO E BRANCO”
Como o pintor espanhol Pablo Picasso que retratou os horrores da guerra civil espanhola e as atrocidades do ditador Franco, o nosso artista conquistense Silvio Jessé nos traz, em seus quadros, os sofrimentos dos sertanejos diante da seca e da omissão dos políticos e governantes em resolver os problemas do homem do campo. Sílvio é o Picasso do sertão, embora com outras formas, linhas e estilos modernistas.
Lembro como jornalista de uma entrevista que fiz há muitos anos sobre o trabalho de Silvio onde ele recordava da sua infância numa fazenda do município de Vitória da Conquista. Dizia que foi ali que começou a aprender a pintar, usando a terra e olhando as pessoas, seus costumes e hábitos. Tudo isso é vida e pura poesia que transborda da alma.
Como escreveu a curadora Ester Figueiredo sobre sua exposição no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, a partir de suas obras inspiradas no fotógrafo Evandro Teixeira (olá, meu amigo), “Sertão Colorido Quanto Preto e Branco” é tudo isso, sua expressão maior do seu tempo de moleque travesso na roça.
Só para não deixar passar em branco, Teixeira é um dos maiores fotógrafos do Brasil que reportou sobre a tomada do Forte de Copacabana, a passeata do cem mil durante a ditadura militar, expedição a Canudos e tantas outras coberturas fotojornalísticas que impactaram nossos olhares e nos transportam para a história do passado. Ele é um guardião da memória brasileira.
Sílvio Jessé segue esses passos poéticos, desde sua infância do cotidiano do sertão, com texturas agrestes. Em seus quadros de linhas modernas e cubistas, com o tom do forte realismo expressionista, o artista plástico mostra em seus quadros, o homem do campo com suas cabras, num cenário árido, tendo ao lado uma capela que representa o sagrado da fé sertaneja do bravo e lutador.
Ainda em sua exposição, suas pinturas retratam o carro-de-boi (um dos meus primeiros meios de transporte quando menino), as mulheres em sua labuta como fortes guerreiras e até chefes de famílias, o folclore do interior, a questão da escassez da água, o jumento (animal símbolo do Nordeste) que faz o transporte, representado na carga de carotes, a sequidão, os retirantes fugindo das estiagens em busca de outros lugares melhores, inclusive para o sul do pais e os folguedos, para demonstrar que o sertão não é só tristeza em preto e branco. O sertão é também o colorido das pessoas e das paisagens quando no chão batem as chuvas.
A exposição de Jessé é pura reflexão da realidade simples do homem que faz parte desse cenário sertanejo, que está dentro de todos nós, como descreve o escritor Guimarães Rosa, com toda sua profundeza. Sua mostra é um mergulhar no fundo do túnel do tempo. Suas obras também falam da minha infância, e nelas penetro como personagem desse sertão agreste, cinza e colorido. Sílvio é o verdadeiro poeta do pincel.
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