Em pleno Nordeste de cabra da peste onde tem mulher macho, sim senhor, o jogo de futebol entre “Pedregulhos” e “Botocudos”, na cidade de Jaracuçu, pela Copa do Brasil, era o mais esperado do ano. Ia ser na ponta da peixeira. Era uma questão de vida ou morte. Aconteceu de tudo.

Quem ganhasse receberia uma boa grana. Uma funerária se posicionou próximo ao campo. Também queria levar a sua parte nesse quinhão. Antes da peleja, os jogadores, os dirigentes e a comissão técnica foram revistados pela polícia. Tinha gente armada. Ninguém nas arquibancadas por causa de uma maldita pandemia que está matando muita gente.

O juiz mijão

Antes da partida foi uma confusão danada para escolher o melhor lado a favor do vento. O juiz já estava nervoso e mijou ali mesmo no árido gramado. Depois de mais de dez minutos, saiu o ponta pé inicial no apito rouco do árbitro. Veio logo a pancadaria dos dois lados. Coisa de soltar torrão.

Era faísca para todo lado. O narrador tinha a voz de rodeio de peão de touro brabo. A bola mais subia que descia ao chão. Coitada da redonda! Aos oito minutos, numa cruzada da esquerda, feita por “Faca Amolada”, no bate-rebate na pequena área, saiu um gol dos visitantes “Botocudos”.

Todos correram para cima do juiz com barrigadas e cabeçadas, mas o tento foi mantido com o reforço dos soldados. Não demorou muito tempo do recomeço e entrou nas quatro linhas um rebanho de bodes famintos da seca para dar umas capadas na grama. Nova parada para retirar os resistentes do Nordeste. Todos invadiram o campo em meio à bodada. O técnico e o presidente dos “Botocudos” xingavam condenando a armação. Tumulto geral!

No 5 X 4 no pau e na tora

Foi uma noite inusitada, e o locutor já estava rouco de tanto gritar. Palavrão pra lá, palavrão pra cá, depois da parada forçada, o “Pedregulhos” logo empatou com uma cabeçada de “De Cabeça Dura”. Não tinha VAR, e tudo era mesmo decidido no grito.

Os gols foram saindo de lá e de cá, e depois de quase duas horas de primeiro tempo, o placar já marcava 4 X 4, com gols de “Caçamba” para “Pedregulhos” e de “Carcará” para o “Botocudos”. Os gandulas se viravam para repor rápido a bola para os donos da casa e sumiam quando era dos adversários.

Quando começou o segundo tempo, num lance claro de impedimento, “Gavião” marcou para o “Pedregulhos”, no pau e na tora e virou o escore para 5 X 4. A essa altura, o juiz não se atrevia a marcar nem pênalti. Era no vale tudo! Não demorou muito, e não se sabe de onde partiu, não é que entrou uma boiada no campo, conduzida pelo berrante de um vaqueiro do sertão! Em seguida veio uma tropa de tropeiros transportando mercadorias do agreste nordestino. Entre engaços e bagaços, meu amigo, uma bagaceira mesmo.

Quando tudo passou, o juiz deu prosseguimento à labuta do fim do mundo. Na escorada de uma bola alta, no empurra-empurra, na trombada para valer, o leão de chácara “Quebradeira”, numa trombada de sair sangue do seu marcador, empatou novamente para o “Botocudos”. É, minha gente, o ambiente já era de guerra, com cinco gols de cada lado.

Água, ambulância e refletores

Com todos os descontos, os minutos estavam correndo para os momentos finais, mas “Jararaca” recebeu uma bola cruzada no alto e entrou rasgando a defesa do inimigo, fazendo um gol para o “Pedregulhos”. Faltavam dez minutos para o juiz encerrar aquela tão pitoresca partida que ficou na história do esporte brasileiro quando começou a jorrar água do sistema de irrigação. Bem que o resto da maltratada grama estava precisando de um refresco.

Nova parada obrigatória até o problema ser resolvido. O “Pedregulhos” não queria mesmo perder aquela parada e tinha que fazer outra armação pra derrubar de vez o “Botocudos”. Numa entrada pesada, um jogador do time da casa foi ao chão e, de imediato, em disparada entrou uma ambulância no campo para socorrer o atleta. Depois que o veículo parou ao lado do campo, ele retornou ao jogo sem nada avisar ao juiz.

A coisa já estava feia mesmo! Os dois técnicos já estavam se esmurrando, e dirigentes entravam no tapa, quando os refletores do estádio se apagaram. A soldadesca teve que baixar o pau e separar os valentões. Mais uma hora de espera. Com quase cinco horas do seu começo, a partida já era a mais demorada de todos os tempos. Já entrava pela madrugada!

Quando as luzes se acenderam, o juiz tentou recomeçar a peleja, mas, naquela altura a equipe do “Botocudos” em protesto se recusou a retornar ao gramado, digo à terra batida porque tudo já tinha ido aos ares. Todos foram parar na delegacia, e o dinheiro da premiação sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu. O gato comeu! Assim terminou o jogo mais pitoresco de toda história do futebol. Acredite, isso não é nenhuma ficção!