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:: 15/jun/2020 . 22:24

“CIGANOS NO BRASIL – UMA BREVE HISTÓRIA (II)

A lembrança que tenho quando ainda era menino sobre os bandos de ciganos pelas estradas a vagar foi de meu pai com um facão em riste a bradar no milharal contra aquela gente diferente que estava a colher espigas de milho na maior algazarra. Meu pai, depois de dar muito duro nas plantações, chamava-os de “ladrões” e “vagabundos” e os escorraçava da roça aos gritos. Eles o xingavam de “gajão” usurário.

Sempre ficou em minha mente a imagem de um povo errante, e que todos nas redondezas temiam sua passagem por aquelas bandas, e uns avisavam os outros quando eles estavam vindo, como forma de ficarem atentos e impedir suas investidas. Homens, mulheres e crianças se arrastavam com cavalos e mulas carregadas com badulaques. Aquelas cenas me fascinavam, e mais tarde me despertaram a curiosidade de conhecê-los melhor.

De um povo trapaceiro

O estereótipo sempre foi de um povo trapaceiro que agia como ladrões, adivinhos do futuro, que vivia de lugar em lugar armando e levantando suas tendas à beira das estradas e fazendas. Na verdade, o que havia era muito preconceito da sociedade e visão errada contra uma nação que sempre viveu em correrias pelo mundo porque adotou suas próprias regras e modos de sobrevivência, e só quer ter o direito de ir e vir, sem serem perseguidos.

Com a leitura de “Ciganos no Brasil – uma breve história”, de Rodrigo Correia Teixeira, passei a ter um outro conceito dos ciganos, diferente do estigma que sempre carregaram por causa de uma sociedade tida civilizatória que não aceita a diferença, achando que existe um padrão único de vida. No primeiro comentário, falamos de suas origens, grupos e como chegaram ao Brasil trazidos como cargas de Portugal.

Políticas anti-ciganas portuguesas

Rodrigo Teixeira prossegue em sua pesquisa descrevendo que as perseguições aos ciganos portugueses se acentuaram a partir do reinado de D. João V, de 1706 a 1750, quando centenas foram degredados para as colônias ultramarinas, inclusive o Brasil. A deportação continuou até final do século XVIII. De 1780 a 1786 foram enviados grupos de 400 ciganos anualmente para o Brasil.  É até impossível determinar quantos vieram para aqui. No entanto, segundo Teixeira, os primeiros que aportaram ao Brasil eram portugueses e não embarcaram voluntariamente.

Foi o que ocorreu com João de Torres e sua mulher Angelina, só pelo fato de serem ciganos. Insinua o autor que ele deve ter pago um suborno porque sua pena foi mudada para cinco anos no Brasil. Não se tem certeza se ele embarcou, ou quanto tempo ficou aqui. De acordo com o historiador, com base em documentos, a deportação mesmo para valer começou a partir de 1685, e que eles deveriam ir para o Maranhão (antes iam para as colônias africanas).

Teixeira cita o pesquisador Donavan, destacando que uma forma de D. João V expor publicamente sua determinação era ordenar a deportação de uma pequena quantidade, em torno de 50 homens, 40 mulheres e 43 crianças presos em Limoeiro. Tudo indica que uma parte foi para a Capitania de Pernambuco, outra para o Ceará e outra para Angola. A ordem era que não deixassem retornar para Portugal.

A Câmara de Olinda remeteu depois uma carta ao rei, comunicando que eles viviam espalhados pela capitania cometendo toda sorte de crimes, principalmente de furtos e assassinatos. A câmara pedia que eles fossem para o Ceará. Também, em 1718, consta que muitas famílias foram enviadas para a Bahia “por causa do escandaloso procedimento no reinado”. A primeira capital colonial tornou-se uma das mais importantes cidades para os ciganos do Brasil. Em Salvador, tudo indica que foram alojados nos bairros da Mouraria e Santo Antônio d´Além do Carmo.

Inquisição do Santo Ofício e em Minas

Historiadores apontam ainda a presença de ciganos nas Minas de Ouro em fins do século XVII, na busca do metal, e também por ser um lugar difícil para a inquisição do Santo Ofício. Augusto de Lima Júnior relata que houve grande escassez de alimentos em Ouro Preto por volta de 1700. No ambiente de desespero, negros escravos e bandos de ciganos armados saltearam vivos e saquearam os mortos. João Dornas Filho diz que eles chegaram a Minas através do Rio São Francisco.

No entanto, o estudioso do livro, afirma que foi somente a partir de 1718 que várias famílias de ciganos foram para Minas. A presença deles é registrada desde início dom século XVIII, o que contrariava as intenções da coroa portuguesa que ordenou que fossem remetidos para o Rio de Janeiro de onde então seriam mandados para Angola. O documento os chamava de “ladrões salteadores”. A ordem se estendia a quem os hospedassem em suas casas ou fazendas. No entanto, o governador de Minas advertia que as queixas eram somente por serem ciganos. Dornas Filho acrescenta narrações, sem fontes, sobre a ação de salteadores na Serra da Mantiqueira.

O que conta o autor da obra é que, aproveitando da fama, bandidos se faziam passar por ciganos, usando seus nomes e até agindo próximo onde eles se acampavam. Consta que, em 1726, em São Paulo, foram solicitadas medidas contra os ciganos. A política era que eles se mantivessem em movimento. “Minas Gerais expulsa seus ciganos para São Paulo, que os expulsa para o Rio de Janeiro, que os expulsa para Espírito Santo e de lá para a Bahia, que manda novamente para Minas Gerais” e voltam para a Bahia.

Entregues aos mestres

As ordens judiciais determinavam que os rapazes de pequena idade fossem entregues aos mestres, para aprenderem algum ofício e artes mecânicas. Quanto aos adultos, que assentassem praça de soldados, ou trabalhassem em obras públicas, proibindo o comércio de bestas e escravos, de modo que não ficassem juntos por muito tempo e vivessem em bairros separados. As mulheres deviam ficar recolhidas, ocupando os mesmos afazeres que usam as do país. Quem transgredisse as leis deveriam ser degredados por toda vida para a ilha de São Tomé, ou do Príncipe

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