O autor da obra começa fazendo um relato sobre a ilha paradisíaca dos Castros, a chamada Cayo Piedra, com seu iate luxuoso, o Aquarama II, escoltado pela Pionera I e a II, com dez membros da guarda pessoal de Fidel, que vivia sob ameaças de morte, inclusive pela CIA, com veneno, canetas e charutos sabotados.

Em seu passeio, a aviação cubana também se fazia presente na Base Aérea de Santa Clara, com seu MIG-29 de fabricação soviética. Era o ano de 1990, o 32º do reinado de Fidel Alejandro Castro Ruz, que estava com 63 anos. O muro de Berlin tinha sido derrubado, em 1989, e o presidente George Bush se preparava para lançar a operação “Tempestade no Deserto”, para derrubar Saddam Hussein, no Iraque. Fidel navegava rumo à sua ilha secreta.

O Aquarema II era uma réplica maior do Aquarema I, confiscado de um simpatizante do regime de Fulgêncio Batista, derrubado em primeiro de janeiro de 1959 pela Revolução Cubana, nascida em 1957 nas montanhas da Sierra Maestra, com 60 barbudos.

Todo conforto e luxo

O autor Juan Reinaldo Sánchez conta que o Aquarama II oferecia todo conforto, decorado com madeiras nobres importadas de Angola. Os quatro motores foram oferecidos por Leonid Brejnev a Fidel. Voava 78 quilômetros por hora. Em Cuba quase ninguém sabia da existência desse barco.  Desde os anos 60, era ali que se escondia a marina privada de el comandante.

O lugar era também chamado de La Caleta del Rosario que abrigava várias residências secundárias de Fidel e seu museu pessoal dedicado aos troféus de pesca. “Em seu iate, gostava muito de tomar seu uísque Chivas Regal”.

Aproveitava para discutir os negócios correntes com José Naranjo, fiel assistente apelidado de Pepín. Dália Soto del Valle, uma de suas mulheres, com a qual teve cinco filhos dos nove, sempre estava presente. Com ela compartilhava a vida desde 1961. Seu médico Eugênio Selman também o acompanhava – narra o autor.

O local ficava próximo da Baia dos Porcos, invadida por mercenários exilados cubanos da Flórida (1.500 homens), em 17 de abril de 1961, dirigidos pela CIA. Lançada no início do mandato de John Kennedy, a operação foi um fiasco (1.200 aprisionados e 118 mortos). Do lado castrista, 176. Foi uma humilhação para Washington.

Fidel sempre respondia para o mundo que não possuía nenhum patrimônio, além de uma cabana de pescador. Essa cabana se transformou numa estação balnear. Afirma Juan Sánchez, que a ela poderia ser acrescentada duas dezenas de bens imobiliários, como Punto Cero, sua imensa propriedade em Havana, La caleta del Rosario, La Deseada, na província de Pinar del Rio, para caça de patos.

Sempre reclamava que a Revolução não lhe dava trégua e descanso e que ele ignorava o conceito burguês de férias. Sánchez o desmente e garante que de 1977 a 1994 o acompanhou centenas de vezes ao paraíso Cayo Piedra. “Sua vida privada era o segredo mais bem guardado em Cuba. Nenhum irmão (tinha sete) nunca foi convidado a conhecer a ilha, talvez o Raul”.

Conta que ele não tinha muitos laços familiares. Seu filho mais velho Fidelito, de um primeiro casamento, esteve lá algumas vezes. Alina, que fugiu para Miami, nunca esteve lá. Esteve na ilha o presidente colombiano Alfonso Lopez Michelsen, o empresário francês Gérard Bourgoin, o rei do frango, a apresentadora da rede de televisão americana ABC, Bárbara Walters e Erich Honecker, dirigente da República Democrática Alemã – revela.

Gabriel Garcia Márquez

Em 1972, Fidel batizou a ilha de Cayo Blanco del Sur de ilha Ernst Talmann, célebre dirigente do Partido Comunista Alemão, sob a República de Weimar, depois fuzilado pelos nazistas em 1944. Externos da família visitavam a ilha, como o escritor Gabriel Garcia Márquez, Prêmio Nobel de Literatura em 1982, e Antônio Núnez Jiménez, grande personagem da Revolução Cubana.

Sánchez fala de suas caçadas submarinas, semelhantes a Luis XV nas matas ao redor de Versailles. Comparada ao modo de vida dos cubanos, ele assinala que a dolce vita representava um privilégio absurdo. Depois da queda do muro de Berlim e do colapso soviético, as condições de vida em Cuba pioraram muito. Com o Bloco do Leste Europeu, tudo desmoronou. Em 92 veio a era das privações e o início do turismo internacional.

O Caso Uchoa

“Até a virada dos anos 90, não tinha me questionado sobre o funcionamento do sistema. É o defeito dos militares… Era um dos melhores atiradores de elite e faixa preta em Karatê, Judô e Tae Kwon Do”. Segundo ele, tudo desmoronou com o Caso Arnaldo Ochoa, fuzilado como outros grandes oficiais para encobrir que Fidel era o chefe do narcotráfico, de empresas clandestinas e exportações de contrabando para subsidiar a Revolução.” Foi o Caso Dreyfus do Castrismo”.

Ochoa foi herói da nação e general mais respeitado que lutou em várias frentes, como em Angola, ao lado dos Sandinistas, na Nicarágua, e na Baia dos Porcos. Para dar exemplo, condenaram e fuzilaram por tráfico de drogas ao lado de três outros grandes oficiais. Esse tráfico tinha sido organizado com aval do comandante. “Fidel utilizava as pessoas enquanto elas fossem úteis”.

“ Em 1994, decepcionado com tudo que vi e ouvi, resolvi me aposentar, permanecendo fiel ao juramento que consistia em manter secretas todas as informações que tive acesso ao longo de 17 anos de escolta. No entanto, me jogaram na prisão como um cão. Fui torturado e tentaram me matar. Durante minha prisão, de 1994 a 1996, jurei que quando fugisse de Cuba escreveria um livro, para contar o que sabia…. Tudo aconteceu em 2008, depois de dez tentativas”.

Disse que chegou a ser o gatilho mais rápido da escolta de Fidel (venceu concurso em 1992). Sánchez nasceu em 31 de janeiro de 1949, em Lisa, um bairro pobre de Havana. Lembra da era de ouro de Cuba, em 1950, na música, na rumba, manbo, chá-chá-chá, com as estrelas Benny Moré, Orlando Vallejo e Célia Cruz. Recorda dos cassinos mantidos por Lucky Luciano e mafiosos ítalos-americanos. “Os camponeses iletrados eram explorados pelas multinacionais americanas, como a United Fruit Company”.

De acordo com ele, foi uma década conturbada com efervescência política, corrupção e agitação estudantil. Em 51, o líder do Partido Ortodoxo, Eduardo Chibas, que se suicidou ao vivo na rádio, depois de um discurso sobre corrupção e gangsterismo. No ano de 52, Fulgêncio Batista voltou ao poder.

Fidel em cena

Em 1953, um jovem advogado, Fidel Castro, entrou em cena de forma espetacular no assalto armado contra a caserna de Moncada, em Santiago de Cuba. Os conjurados foram quase todos mortos. Detido, julgado e preso, Fidel foi anistiado dois anos depois. Exilou-se no México onde seu irmão Raul lhe apresentou ao um tal de Che Guevara.

Depois de alguns meses, um grupo de 82 homens, liderados por Fidel, desembarcou na costa meridional de Cuba a bordo do Granma. Em 1956 lá estava Fidel na Sierra Maestra, liderando uma guerrilha, o Movimento de 26 de julho, o M-26. Em 58 a história se acelerou. Washisgton tirou seu apoio ao regime de Batista.

Em fevereiro do mesmo ano, do M-26, dois homens mascarados entraram no Hotel Lincoln e sequestraram um de seus clientes Vips, o piloto de corrida argentino Juan Manuel Fangio. Ele foi instalado numa confortável casa em Havana. Libertado 29 horas depois, fez amizade com os sequestradores. Foi um golpe de marketing. Mancharam mais a imagem do regime ao atrapalhar o GP de Cuba. Em primeiro de janeiro de 1959, o ditador fugiu para Portugal. As ruas foram enfeitadas com as bandeiras vermelho e preto do M-26. Em 8 de janeiro, a legião de guerrilheiros chegou a Havana.

A vida de Sánchez

Em 1967, seu tio e o avó de Sánchez conseguiram se instalar nos Estados Unidos. “Voltei a viver com minha mãe, que continuava uma revolucionária. Através de um amigo, fui trabalhar numa unidade de construção, chamada Comitê de Obras Especiais. A missão era construir casas para os dirigentes da Revolução. No ano seguinte, todos trabalhadores foram enviados para as plantações de cana da região de Guines.

Depois de 30 dias, Sánchez foi convocado para o serviço militar, que se tornou obrigatório em 1965, por iniciativa do ministro das Forças Armadas, Raul Castro. Depois fui convidado pelo Ministério do Interior a fazer um curso especial. “Era fidelista e tinha o perfil revolucionário. Finalmente, fui destacado para o Departamento número 1 da Segurança Pessoal, encarregado da proteção de Fidel. O Departamento 2 era da segurança de Raul. O Departamento 3, encarregado dos demais membros do politiburo do Partido Comunista.

Como membro do terceiro anel, Sánchez foi nomeado para o El Once, um conjunto de casas localizadas na Calle Once, na Rua Onze, no bairro de Vedado. El Once era o prédio onde Celia Sánchez morava, personagem marcante da Revolução e da vida privada de Fidel, até sua morte de câncer em 1980. Em 1952 foi uma das primeiras mulheres a se opor ao regime de Batista e a aderir ao Movimento -26. Na Sierra Maestra servia de estafeta, ou seja, levava telegramas em buquês de flores para despistar a polícia.

Depois da Revolução foi compensada com diferentes cargos oficiais, como de secretária do Conselho de Estado. Essa mulher era amante dele. No apartamento de Celia, el comandante tinha um aposento privativo. Segundo ele, naquela época, El Once era um dos locais secretos de Fidel.

Vacas européias

No quarto andar do Once, Fidel mandou construir um estábulo, para o cruzamento de vacas europeias Holstein com zebus cubanos, na esperança de criar uma nova raça de bovinos que permitisse modernizar a agricultura e aumentar a produtividade de leite.

Destocou o autor do livro que, pela televisão, Cuba inteira tomou conhecimento do recorde mundial que a vaca Ubre Blanca produziu, pouco mais de 109 litros de leite por dia. Tornou-se símbolo nacional.

Depois de 18 meses, o Serviço de Segurança foi transferido para a Unidade 160, situado no bairro havanês de Siboney, no outro extremo da cidade, com seis hectares. “Era um bom lugar para a segurança de Fidel. Era uma unidade logística. Lá havia bois, zebus e vacas Holstein”. Sánchez confessa que Dalia não sabia, mas não era a única mulher a frequentar a Unidade 160.

No ano de 1976/77, ele disse que foi selecionado para a proteção de Fidel 24 horas por dia. Seis homens foram incluídos, depois da Festa Internacional do Trabalho, na Praça da Revolução, para se unir ao “santo dos santos”, ou el primer anillo.

Naquele tempo da Guerra Fria, constavam das matérias estudadas nas escolas, as disciplinas Materialismo Dialético, Materialismo Histórico, Contraespionagem ou Crítica da corrente burguesa contemporânea. Fidel sempre repetia que faria a barba quando o imperialismo morresse. Passou a vestir uniformes militares.

Segundo ele, Fidel nunca renunciou ao conforto capitalista, nem escolheu viver com austeridade. “Assemelha-se ser um capitalista. Ele e Raul nunca aplicaram a si mesmos os preceitos que recomendavam aos compatriotas. Em discussões com seus pares estrangeiros, ressaltou que Fidel repetia as mesmas coisas tantas vezes quantas forem necessárias para convencer seus interlocutores da pertinência de seu ponto de vista.