“O DERRAME DAS PATACAS”

Pela sua idade avançada, o velho Griot já estava cansado de falar de Bacu e deu uma pausa para contar o período mais tumultuado quando seus próprios aliados e opositores tomaram o reinado de “Gula” que havia delegado por um tempo seu trono para a companheira Vilma, mas esta fracassou. Então, o reino se dividiu em “Babacas” e “Panacas”, espalhando ódio, terror e intolerância.

Em meio a um caos terrível de cegueira ideológica entre pros querendo a volta do rei e os contras, a grande construtora “Odeflechet” ( A Grande Montanha), dona da moeda imperial “Patacas”, fez revelações estarrecedoras sobre os comparsas do “Gula”, demais usurpadores do reino, Templários e Dráculas – como narrou o Griot.

Conta que a “Odeflechet” contratou o ex-rei “Gula” como palestrante internacional ao peso de mais de duzentos mil dólares por apresentação, como forma de arranjar obras no exterior. Afinal, “Gula” era o cara dos programas sociais e tudo começou com ele, inclusive a história de Bacu.

Coisas do “arco do véio”, meninos! Coisas sujas mesmo e muita hilárias, a começar pelos apelidos esquisitos de cada um da lista da “Grande Montanha Odeflechet”, os quais receberam propinas em bilhões de dinheiro, no mais conhecido “Derrame das Patacas!”.

Foi dinheiro saindo pelo ladrão em malas, ceroulas, broacas, alforjes, selas, pacotes, contas em bancos, presentes de caixas de vinhos, relógios, triplex e até sítios, todos exigindo o seu quinhão, numa ganância devastadora de eu quero mais.

Para colocar ordem na bagunça, os operadores colocaram regras com dias de pagamentos nas terças, quartas e quintas, menos na segunda e sexta, o primeiro por causa da ressaca da cachaça (não era recomendado lidar com dinheiro embriagado) e o último dia útil da semana porque era também início da cachaçada.

Os pagamentos das doações e propinas eram feitos em diferentes locais, até em estábulos de cavalos, para evitar que os bandidos ladrões comuns descamisados não assaltassem os ladrões de “colarinho branco”. Mesmo assim, uns roubavam os outros. No esquema, todos tinham que ter sua senha. Saiu grana até para chefe de tribo indígena, lá na aldeia da grande floresta do mundo. Dono de central sindical também ganhava sua parte.

Quando levado coercitivamente para depor diante dos centuriões do império, o ex-rei “Gula” virou uma jararaca e prometeu retomar a coroa com mais força para se vingar dos traidores e dedos-duros. Guloso pelo glamour e pelo conforto de bom vivan, ele sempre achou normal ser beneficiado com vantagens pecuniárias por ter criado seus programas sociais para os desvalidos e os mais fracos da minoria.  Pelo que fez, podia sim, receber favores e “doações” dos endinheirados – assim pensava. Nunca mais essa vida de proletariado! “Sou o mais honesto de Bacu”.

Todos negaram de “pé junto” suas falcatruas e chamaram os delatores de mentirosos e covardes. Foi um bafafá danado como nunca se viu na história de Bacu. Só chefe de índio confirmou pra repórter ter recebido dinheiro do grande chefe branco da “Grande Montanha”. “Índio ganha dinheiro de homem branco. Muito bom. Índio quer mais”.

No mais, “Todo Feio”, “Caranguejo”, “Boca Mole”, “Casa de Doido”, “Pavão”, “Vizinho”, “Piloto”, “Helicóptero”, “Brigão”, “Nervosinho”, “Mineirinho”, “Balzac”, “Babel”, “Novilho”, “Índio”, “Amigo” (apelido do rei de Bacu), “Caju”, “Bolinha”, “Bonitinho”, “Primo”, “Belém”, “Lindinho”, “Alemão”, “Italiano”, “Grisalho” e mais uns duzentos velhacos e canalhas negaram tudo.

Boa parte da cabroeira foi presa, mas o reino de Bacu já estava em ruínas e contaminado pelo vírus mortal das corrupções. Outra parte se safou e virou arquivo amarelado das cortes. Muita coisa terminou em samba, carnaval e cachaça, e ninguém falou mais nisso. Não demorou muito para tudo ser esquecido.  Bastou uma graninha no bolso do bacuenses para a diversão e um carinho na garagem.

Mesmo assim, “Touro Duro”, o juiz da corte, encarou o ex-rei “Gula” que esperneou, enrolou, xingou e falou dos seus feitos sociais num discurso interminável, mas não convenceu e foi condenado como culpado pelas armações. Preso, conseguiu fugir para uma nação muito longe, lá do continente africano. Foi ser rei noutro lugar.

O velho Griot passou três dias e três noites contando a história de Bacu, desde colônia, os levantes, as revoltas, rebeliões, ditaduras, avanços e fracassos. De tanto ser roubado e pisoteado pelas elites, o reino entrou numa convulsão social.

Um aventureiro aproveitou e se apoderou do trono, mas a corrupção nunca desapareceu de Bacu. O povo continuou escravo e a pagar pelas contas das altas mordomias. Mais uma vez, lá se foi o sonho do futuro.