Quem ainda não leu deve ler “Negras Raízes – A Saga de uma Família”, do escritor norte-americano Alex Haley, para compreender melhor como se deu a escravidão nos Estados Unidos a partir do século XVIII até a assinatura da emancipação dos negros em 1865 pelo presidente Lincoln.

A obra foi o maior sucesso de todos os tempos na TV e começa contando a história de um negro livre nascido na Gâmbia, chamado Kunta Kinte, que foi à mata cortar uma árvore para fazer um tambor e terminou sendo capturado pelos homens brancos, os toubobs. Acorrentado e torturado,  atravessou todo o Atlântico num navio negreiro.

IMG_3136

Alex Haley, o autor, é o próprio descendente desta família que vivia livre com seus hábitos e costume nas florestas da costa ocidental africana e, como tantos outros escravizados, sofreram horrores nas mãos dos patrões, os massas, nos Estados Unidos. Toda saga da família começa na primavera de 1750, na aldeia de Juffure onde nasceu um filho homem para Omoro (filho de Kairaba Kunta Kinte) e Binta Kinte, chamado de Kunta.

Para escrever o livro, Haley foi várias vezes a Gâmbia, terra dos mandingas, conhecer seus primos das gerações passadas e de lá fez o mesmo percurso do Kunta Kinte num navio cargueiro, dormindo de cueca no porão para, pelo menos, sentir um pouco do sofrimento dos prisioneiros e poder reproduzir os lamentos dos negros que perderam a liberdade.

Para juntar todas as peças sobre a saga da sua família, o escritor ouviu também as histórias de seus avós e avôs e realizou longas pesquisas em bibliotecas, arquivos públicos e jornais da época, localizando até a data e o navio de embarque do seu antepassado, sua chegada nos Estados Unidos e o mercado onde foi vendido. Ao todo foram 12 anos de estudos até a obra ser lançada no meado da década de 70.

Todo este estudo minucioso resultou numa descrição viva e realista dos fatos, com pitadas de ficção. Em algumas partes, a obra parece entrar num ritmo enfadonho por causa do detalhismo do autor, mas logo as guerras de separação da Inglaterra, a secessão (guerra civil), as fugas de Kunta Kinte e as crueldades dos massas levam o leitor a seguir em frente. Numa passagem do livro na Guerra da Secessão, Kunta pergunta: “Não pensei que os brancos também precisassem de liberdade?”

A narração de maior impacto, como se o escritor estivesse ali presente vivenciando tudo, foi a travessia de Kunta Kinte e outros 140 negros de tribos diversas no mar do Atlântico, todos acorrentados dentro de um porão sujo de excrementos humanos, fedorento e cheio de ratos. As cenas do livro e a reprodução das imagens num seriado de TV são muito fortes.

Na abertura, o escritor faz um agradecimento especial aos griots da África e repete um dito popular que diz que, quando um griot morre, é como se toda uma biblioteca tivesse sido arrasada pelo fogo. Um griot, que remonta ao tempo em que não havia escrita, é eterno como a árvore africana Baobá. Pena que no Brasil esta figura seja uma espécie em extinção como toda nossa cultura em geral.

Sobre “Negras Raízes”, Haroldo Costa cita indagação feita por Solano Trindade: “Quem está gemendo? É negro ou é carro de boi?”. O próprio Costa diz que no Brasil pesquisadores fizeram tentativas semelhantes a de Haley, mas foram esbarradas na falta de documentação. Para erradicar de vez a terrível mancha, o grande jurista e ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, mandou queimar, em 13 de maio de 1891,todo arquivo relacionado com a escravidão. Quem diria! Logo o Águia de Haia! Com raras exceções, não se sabe quais tribos entraram no Brasil.

Na cultura dos mandingas, na Gâmbia, como relata o autor, os homens saiam para preparar os campos para o plantio do amendoim, do milho e do algodão, enquanto as mulheres cuidavam das lavouras do arroz, no grande rio  Kamby Bolongo. Boa parte do livro narra justamente a vida na aldeia Juffure, a liberdade, as danças, festas, cultivos, os conselhos de anciãos até a captura de Kunta pelos brancos toubobs.

O navio em que levara Kunta Kinte e outros escravos, o Lord Ligonier, partira do rio Gâmbia em 5 de julho de 1767 com 140 homens e mulheres e chegara a Annapolis, na costa do Estados Unidos, em 29 de setembro do mesmo ano, com 98 negros.

Muitos não resistiram e foram jogados ao mar. Kunta foi vendido para o Massa John Waller e recebeu o nome de Toby, mas manteve sua identidade africana até a morte. Tentou fugir quatro vezes e na última cortaram metade do seu pé. Esta é só uma parte das atrocidades cometidas pelos brancos, relatadas pelo autor do livro.

Sobre sua experiência na viagem de Gâmbia para os Estados Unidos, com a finalidade de melhor escrever a obra, Alex Haley conta que todas as noites, depois do jantar, descia sucessivas escadas até o porão inferior, escuro e frio. Apenas de cueca, “deitava-me no chão durante as dez noites. Procurava imaginar o que Kunta via, ouvia, sentia, cheirava, comia e, acima de tudo, o que pensava”.

“É claro que minha travessia foi ridiculamente luxuosa, comparada com a terrível provação de Kinte e milhões de outros africanos, acorrentados, aterrorizados espojando-se em suas próprias sujeiras durante 80 a 90 dias, ao fim dos quais havia novos horrores físicos e mentais a esperá-los. Seja como for, escrevi sobre a travessia do oceano da perspectiva real de uma carga humana”.