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A MISSA E O LEILÃO DO JENIPAPO

Em minhas andanças por esse sertão nordestino, lá estava eu no pequeno distrito de Jenipapo, em Jacobina, na Bahia. Tempo nublado e serra serrada na estrada chuvosa de chão. Era dia de festa ao Senhor do Bonfim e logo que cheguei “fui recebido” pela procissão que cortava a praça, e o povo orava e agradecia as chuvas depois de uma prolongada estiagem. Gente simples que nunca perde a fé e a esperança.

A pregação do pároco e da missa foram seguidas de algumas falas de agradecimentos que pareciam não mais terminar. Foi aí que alguém finalizou o papo de louvor – se não me engano o próprio vigário – dizendo: Agora é chegada a hora de todos soltarem o dinheiro do bolso, o “dindim”, como se fala no popular.

Todos foram se aproximando do pátio da capela e apareceu o “leiloeiro” com uma voz rouca e rasgada: Vamos começar o nosso leilão. Lá fora tomava uma gelada e, mesmo assim, a cena me fez lembrar do Cristo que expulsou os vendilhões do templo a chicotadas, em Jerusalém, alertando que eles estavam profanando a Casa do seu Pai.

Nem tanto assim porque, segundo o “leiloeiro”, a renda seria em benefício da manutenção da igreja e para organizar a festa do próximo ano. Pensei que a coisa fosse rápida, mas tive que aturar cerca de duas horas de “dou-lhe uma, dou-lhe duas e dou-lhe três, vendido”. Acontece que mesmo assim alguém gritava de lá dando mais, e o leilão prosseguia. O negócio era aumentar o valor.

Nunca vi uma leiloada com tantas peças, itens, objetos e produtos, de animais a utensílios caseiros e de uso pessoal, como calcinhas, cuecas, lençóis, panos de prato, de chão, pratos, talheres, panelas, chinelos, sapatos, camisetas, carne de bode e bovina, galinha, ovos, feijão, beiju, milho, arroz, óleo de cozinha, açúcar, facas, facões, foices, enxadas e outras quinquilharias.

O homem da voz rasgada continuava a berrar e não se cansava. O povo não arredava pé da área externa da igreja na pracinha do povoado. Na hora do corte de bode, tive até vontade de ir lá fazer um arremate, mas desisti quando chegou nos 200 reais. É que adoro um “bodinho” assado ou cozido.

Teve um momento que um bebum com um copo na mão balançava pra lá e pra cá e ousou perguntar em voz alta se não tinha uma cachaça naquele leilão. Todo mundo caiu na risada e os guardas municipais (o prefeito estava presente na missa, mas logo caiu fora) cuidaram de retirar o sujeito do recinto.

Não aguentava mais aquele leilão (deve ter rendido uns 20 mil ou mais) pelo tempo e a quantidade de coisas ofertadas, numa média de 100 reais ou mais. No entanto, o pior estava por vir. Quando, enfim, terminou o leilão, entraram dois carros de som, com aquelas músicas horríveis e barulhentas. Cada um disputava quem tinha a maior potência de nas caixas de som.

Estava na casa da minha irmã para pernoitar e, naquela hora, depois de uma viagem de 300 quilômetros, confesso que me deu vontade de sair correndo ou pegar o carro e ir dormir em Piritiba, mas já era tarde, umas 21 para 22 horas. Estava cansado e tinha tomado umas latinhas.

Além do mais, não gosto de dirigir durante a noite por causa dos faróis dos carros na pista. Afinal de contas, são coisas que acontecem em viagens. Costumo dizer que faz parte, como do cara que me pediu uma pinga para me passar uma informação quando estava em Jacobina e ia justamente para o Jenipapo.

 

AS ORDENS RELIGIOSAS E OS RESGATES

Na Itália Barroca e na França dos séculos XVI e XVII foram criadas várias ordens religiosas, com a finalidade de arrecadar fundos para resgatar escravos cristãos da região da Berbéria (Túnis, Argel e Trípoli), de Constantinopla, Turquia e até do Marrocos. Essa prática secular também foi copiada pelos cativos africanos nas Américas visando alforriar seus escravos.

Entre tantas, as duas mais importantes, desde os séculos XII e XIII, eram a dos trinitários, da Santíssima Trindade, em Paris, na França, e a dos mercedários, a Santa Casa das Mercês, na Espanha.

Por mais que tenham se dedicado, essas entidades conseguiram poucos resultados por causa das barganhas dos senhores proprietários dos cativos. Só poucos foram beneficiados. As remições tornavam-se difíceis quando o capturado era vendido para terceiros.

Por outro lado, os mais privilegiados sempre eram os clérigos, os nobres e os personagens com maior posição social. Essas ordens espalharam uma grande rede de coletores de doações por toda Europa, o que abriu, já naqueles tempos, espaços para os golpistas que se faziam passar por arrecadadores. Muitos também davam moedas falsificadas. Tudo isso, há mais de 600 anos, nos faz lembrar os dias atuais de corrupções e falcatruas.

Estas e outras questões descritas sobre a escravidão branca estão no livro “Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos”, do autor historiador Robert Davis. Sobre o tema, ele afirma que “a Península Itálica, até então, vinha sendo uma das presas preferidas dos corsários berberes por dois ou mais séculos e, com isso, houve um grande êxodo das populações litorâneas para vilarejos cercados por muros e no alto de montanhas, ou para cidades como Rimini, deixando quilômetros de territórios costeiros, antes populosos, nas mãos de vagabundos e piratas”.

O modo como esses cristãos brancos eram levados pelos corsários da Berbéria variava pouco. O que aconteceu com eles, segundo Robert, durante o tempo das Marcas Papais, foi praticamente o mesmo que houve com aqueles que foram sequestrados ao longo dos desprotegidos litorais napolitanos, genovês e das ilhas espanholas.

Para Davis, nos três séculos da jihad cristã-muçulmana, que começou por volta do ano de 1500, a pirataria e a escravidão se tornaram instrumentos políticos de Estado para ambos os lados. Escravizar pessoas não só despojava o inimigo de milhares de cidadãos produtivos, mas também fornecia mão-de-obra capaz e uma fonte de renda por meio dos resgates.

No final do século XVI, as galés corsárias à caça de escravos, tanto cristãs quanto muçulmanas, rondavam o Mediterrâneo em busca de espólio humano – descreve o escritor. Da Catalunha ao Egito, homens e mulheres, turcos e mouros, judeus e católicos, protestantes e ortodoxos eram vítimas em potencial. Eles eram capturados e arrebanhados nos currais de escravos em Constantinopla, Argel, Túnis, Trípoli, Malta, Nápoles ou Livorno, e lá eram revendidos como remadores de galés, trabalhadores rurais ou serviçais domésticos – destacou.

A Itália, posicionada bem na linha de frente dos dois impérios em guerra, de acordo com Robert, estava entre as regiões mais devastadas, conhecida como “o Olho do Mundo Cristão”. Esse território era desguarnecido e ficava a mercê dos otomanos. Os mais expostos eram aqueles que trabalhavam no cultivo das terras costeiras, até 15 ou 30 quilômetros do mar.

As famílias (idosos, crianças, mulheres) dos capturados ficavam sem seus provedores e passavam miséria nas cidades ao ponto de comerem restos do lixo. Além do mais, não tinham condições financeiras e bens para pagar os resgates pedidos pelos sequestradores e proprietários, principalmente quando os escravos caiam nas mãos destes últimos. Ficava ainda mais complicado a comunicação com os cativos. Muitos iam trabalhar nas galés ou outros lugares desconhecidos.

Foi então que nações europeias, ordens religiosas e indivíduos engajados começaram a se mobilizar em prol de iniciativas de remição que viriam a ser um dos maiores movimentos sociais do início do mundo moderno mediterrâneo. As remições seguiram um padrão estabelecido séculos antes pelas duas principais ordens redentoras: A Ordem da Santíssima Trindade, ou trinitários, fundada na França, em 1193, e a Ordem de Nossa Senhora das Mercês, ou mercedários, em Barcelona, em 1203. Ambas foram criadas para libertar escravos cristãos, em particular os cruzados, das mãos dos muçulmanos.

Em 1548, o imperador Carlos V fundou a Real Casa Santa dela Redentione de Cattivi. Esta estrutura napolitana forneceu o modelo para outros estados italianos quando vieram a criar suas próprias sociedades redentoras. O próprio Vaticano utilizou esse padrão em 1581/82 para tratar do resgate de seus súditos. Uma das confrarias mais prestigiadas de Roma era a Santa Maria del Gonfalone.

A tarefa de solicitar esmolas para as remições recaiam mais entre os padres e freis que eram homens treinados a pregar em busca de contribuições e podiam explorar as estruturas e os costumes católicos. Os capturados eram sempre levados para o porto de Dulcigno e de lá vendidos para a Berbéria se não pagassem os resgates num tempo determinado.

Apesar dos requisitos austeros que essas instituições impunham àqueles que ansiavam pela ajuda humanitária, nem todas pagavam o valor total da remição de um cativo. Algumas, como os Provveditori sopra Luoghi Pii de Veneza e a Santa Casa Napolitana ofereciam apenas uma quantia fixa, na forma de uma nota promissória, conhecida como “Cristo”, em Veneza, e como albarano, em Nápoles. Eles emitiam suas notas em nome do próprio escravo.

 

AFINAL, QUAL É O SIGNIFICADO DE GENOCÍDIO?

 Carlos González – jornalista 

Genocídio, segundo os dicionaristas, significa promover uma série de ataques sistemáticos a uma população civil; extermínio deliberado de grupos étnico, racial ou político. A intensa operação militar, promovida pelo Estado de Israel, logo após o massacre articulado pelo Hamas, em 7 de outubro passado, que causou a morte de 1.200 judeus, dá ao mundo um exemplo de genocídio.  Os bombardeios, sem alvos definidos, já mataram 22,3 mil civis, a maioria mulheres e crianças. O responsável por esses crimes contra a humanidade é o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que reage enfurecido contra seus acusadores, como procedeu recentemente contra o governo da África do Sul.

A denúncia do país africano foi feita na Assembleia Geral da ONU e levada à Corte Internacional de Haia. A decisão tomada pelos juízes do tribunal com sede na Holanda frustrou os palestinos que esperavam uma ordem de cessar fogo. Ao governo israelense foi determinado que adotasse medidas para evitar um genocídio. Tel-Aviv refutou as alegações sul-africanas, qualificando-as de falsas, distorcidas e ultrajantes, e argumentando que está  exercendo simplesmente seu direito de defesa.

“A galeria a seguir contém imagens fortes”. Ao clicar sobre o aviso dado no jornal “A Folha de S. Paulo” online, o leitor se comove com as fotos de crianças palestinas mortas ou desfalecidas, atendidas em hospitais improvisados. Desde o início dos bombardeios 10.6 mil pequenos seres humanos tiveram a vida interrompida. O governo de Israel diz que suas ações bélicas visam os homens do Hamas. Será que mulheres e crianças são membros do grupo terrorista que reivindica há 80 anos o fim do apartheid e a criação de uma pátria?

As famílias palestinas receiam enterrar os seus mortos. Sair às ruas em Gaza é como participar de uma “roleta russa”. Na caçada ao Hamas não há necessidade de calcular onde um míssil vai cair; barreiras de tanques impedem que socorristas do Crescente Vermelho (a Cruz Vermelha no Oriente) atenda aos feridos nas ruas.

O jornal de Tel Aviv  “Yedioth Ahronoth” investigou a possibilidade do Exército de Israel ter colocado em prática o “protocolo Hannibal” na noite de 7 de outubro, atirando contra veículos que levavam terroristas e reféns. O comando militar reconhece ter matado três israelenses que haviam sido libertados pelo Hamas. Na semana passada, soldados disfarçados em profissionais de saúde invadiram um hospital e fuzilaram civis palestinos. Justificativa: “Eram terroristas do Hamas”.

No século passado, os dois povos foram vítimas de atos genocidas. Seis milhões de judeus foram assassinados pela Alemanha nazista durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945); nos anos do apartheid (1948-1994), centenas de africanos foram assassinados pelo governo colonialista da África do Sul. A perseguição dos palestinos pelos seus vizinhos começou em 1948 com a criação do Estado de Israel. Em maio daquele ano 750 mil palestinos foram expulsos de suas casas; em 1967 foram mais 350 mil, e, ao longo das últimas décadas, colonos judeus, com apoio do Exército, vêm dando continuidade às ações de banimento de um povo que há séculos ocupa aquela porção da Terra Santa.

Uma visão dos mapas da Palestina em 1948 e hoje revela que houve uma redução territorial tanto em Gaza quanto na Cisjordânia. O objetivo prioritário de Bibi Netanyahu não é destruir o Hamas, mas a ocupação por meio da força de toda a Palestina, cujo povo terá como destino a morte ou a fuga para o deserto.

Enquanto cresce entre as populações das grandes nações o antissemitismo, com frequentes manifestações, os governantes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental – a ONU tem se mostrado irrelevante – fecham os olhos para o caráter expansionista de Israel. Nos Estados Unidos, a guerra em Gaza provocou uma convulsão nas universidades.

Mais da metade dos jovens entre 18 e 24 anos consideram os judeus uma classe opressora e se mostram revoltados com o financiamento e apoio de Washington a Israel, o que pode dificultar a reeleição do presidente Joe Biden. No final da década de 60 a juventude americana adotou um posicionamento semelhante. Os protestos foram contra a invasão do Vietnã, que resultou na perda da guerra e na morte de 56 mil militares.

Nem todos os judeus apoiam o massacre ao povo palestino. Um deles, o jornalista Breno Altman, usa seu site “Opera Mundi” para denunciar o caráter violento da ideologia sionista. Braço do governo de Israel no Brasil, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) pediu à Polícia Federal (PF) que investigue o jornalista, a quem acusou de racista. Entidades jornalísticas já se levantaram em defesa do profissional de imprensa.

Candidato a prefeito de São Paulo nas eleições deste ano, Guilherme Boulos (PSOL) foi o mais novo brasileiro incluído na lista dos antissemitas criada pela Conib, que promete apoiar o político indicado por Jair Bolsonaro. A entidade ultradireitista, na verdade, se posiciona contra o presidente Lula, que se manifesta simpatizante da causa palestina.

O Brasil foi o primeiro país a realizar uma operação de repatriação de judeus brasileiros. A Força Aérea realizou cinco voos, a partir de Tel-Aviv, retirando da zona do conflito 1.100 pessoas. Até hoje ninguém questionou que esses brasileiros, com dupla nacional, optaram no passado por viver em Israel, servindo ao Exército ou cuidando de idosos e crianças. A vinda ao Brasil, à custa do governo, pode ser avaliada como um simples passeio, porque são muitas remotas as possibilidades de o conflito colocar em risco a população da capital israelense.

 

 

 

TÁ ESPERANDO O QUÊ?

Chico Ribeiro Neto)

Tô esperando o dia em que comecei a assoviar “Summertime” na fila do caixa no supermercado. A mulher do caixa assoviou também, o segurança começou a bater o pé, desligou a câmera e assoviou e dançou; o repositor de sabonete assoviou; o cara do açougue dançou; o da padaria também; a velhinha que reclama todo dia também dançou; o cara que chegou agora assoviou.

– Crédito ou débito?

XXX

Tô esperando ouvir “As 4 Estações”, de Vivaldi, numa noite fresca. E a Nona Sinfonia de Beethoven numa noite de chuva.

XXX

A próxima taça de vinho e o primeiro cantar do passarinho.

XXX

Ouvir “Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás”, de Raul Seixas, na voz de um cantador de ônibus no meio da Avenida Sete. “E não tem nada nesse mundo/ Que eu não saiba demais”.

XXX

Tô esperando o Dia da Nostalgia. Aquele dia em que todo mundo vai lembrar das coisas boas que já viveu. Nesse dia ninguém trabalha nem estuda. Só lembra. E apois num é que esse dia já existe no Uruguai? Em 24 de agosto, um dia antes da data que comemora o Dia da Independência do Uruguai, acontece La Noche de la Nostalgia, considerada a noite mais agitada do país. Os bares e restaurantes só tocam músicas antigas e promovem festas com temas nostálgicos.

XXX

Aquela onda que vem lá longe. Parece que ela vem grandona. Que maravilha é furar uma onda mergulhando de cabeça!

XXX

Aquela bola que espirrou na pequena área pra eu fazer um gol de calcanhar (de cagada) muito festejado pela torcida.

XXX

Tô esperando aquele café cheiroso com pão caseiro na casa de Dona Geralda, em Caculé, Bahia.

XXX

Um Brasil em que a educação seja a maior prioridade.

XXX

Um filme que me faça sair do cinema levitando, respirando a beleza de viver.

XXX

Aquela carta com a letra dela.

XXX

A primeira mordida no peixe frito ou no assado cabrito. Um prato de cozido com pirão e a couve e a abóbora boiando lá em cima. E o molho lambão do lado.

XXX

Tô esperando o próximo trem, o primeiro navio e a que horas a mulher do circo vai virar o terrível macaco. Espero a próxima gota d’água em cima da rosa.

XXX

Tô esperando o Carnaval pra me picar de Salvador.

(Veja crônicas anteriores em leiamais.ba.com.br)

O JUMENTO E O HOTEL

Símbolo do Nordeste pela sua resistência e ajuda aos sertanejos, sempre que me deparo com um jumento, ou jegue, e estou com a máquina na mão, vem logo o dedo e faço o foco para clicar. Por acaso estava eu conversando com meu “Velho Chico” e lá estava o jeguinho bem em frente do Rio Mar Hotel, por sinal rio-mar ou Oporá, que em indígena é Rio São Francisco, nome dado pelo português Américo Vespúcio, em 1501. Mas, voltando à imagem do jumento com sua carrocinha, será que ele estava ali esperando um hóspede para dar uma volta para mostrar a cidade de Juazeiro? Com tantas matanças desse animal pelos matadouros para exportar sua carne e sua pele para a China, o jegue está cada vez mais escasso, tornando-se, infelizmente, uma espécie em extinção. Os que ainda sobrevivem, continuam sendo animais de carga e sustento para muitas famílias. Na verdade, sua presença ali constitui um contraste em meio à evolução da tecnologia e aos meios de transporte. Em seu lugar são as motos que fazem aquela barulheira e poluição nas cidades, inclusive no campo onde ninguém mais quer andar nesse equino. É mais uma homenagem que faço ao jumento e, quando o vejo, sempre me lembro dos tempos de menino quando labutava com meu pai como lavrador, principalmente com a cultura da mandioca. Era ele que fazia todo transporte das raízes e da farinha para as feiras.

ÊTA VIDA!

De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Êta vida!

Renhida de tanta lida:

Do nascer e crescer,

Do envelhecer e partir,

Do amar e odiar,

Do chorar e sorrir,

Do descansar e lutar,

Onde um vai, outro fica,

E o pobre a trabalhar,

Pro patrão se enricar.

 

Êta vida!

Vou a vagar por ai,

Como nobre ou faquir,

Com direito ao existir.

 

O tempo gira, gira,

O vento corta lento,

Às vezes veloz e algoz,

Arrastando tudo pela frente,

E essa gente diferente,

Nesse trem passageiro,

Na correria do dinheiro.

 

Êta vida!

Muitos dizem que ela é sabida,

Pela mulher foi parida.

Bodoque de atiradeira,

De descida e ladeira.

 

Êta vida!

De Natal e Réveillon,

Canção, amor e som,

Que atravessa o ano,

Com meta de plano,

Branco, dourado, verde/azul:

Superstição para cada um,

E eu não entendo mais nada,

Faço apenas meu zum,

Nesse mundaréu de povo,

Pra começar tudo de novo.

SIMPLESMENTE EXUBERANTE E TRISTE!

Como é bom ver a caatinga, a mata e até a Chapada Diamantina verdes, cheias e floridas, com o cheiro da terra molhada e encharcada nas baixadas, tanques, lagos, rios e açudes! Foi assim que essas paisagens da força da natureza, com gosto de fartura, encheram minhas vistas ao cortar a Bahia, do sudoeste ou sudeste, de Vitória da Conquista ao norte de Juazeiro.

É simplesmente exuberante, como se fosse um milagre depois de uma prolongada estiagem, quando o sertanejo nordestino pede ao Senhor Deus para mandar as chuvas. Quando ver o chão rachado e o gado berrando na campina seca, faz novenas, orações e promessas ao divino e a todos os santos.

Dessa vez vi até procissão cortando a curva da estrada como cobra para agradecer as aguadas, se bem que em alguns pontos elas bateram minguadas, como nuns trechos entre Rui Barbosa, Macajuba e Baixa Grande. Vi bodes e bois pastando o capim e o mato renovados e viçosos. Vi aves voando e cantando o benfazejo. Vi o aguaceiro bater no gravatá das matas raras. Vi o mandacaru florar.

No entanto, nem tudo é alegria. É triste para os pobres das periferias das cidades desguarnecidas pelas negligências e irresponsabilidades desses prefeitos governantes que preferem oferecer circo e festas, ao invés de infraestrutura básica de serviços de esgotamento, calçamentos e canalizações para que as águas escoem rápido e não invadam as casas desses moradores que acabam perdendo seus pertencentes e ficando desabrigados no olho da rua, ou em escolas, numa forma de ajuntamento.

Se está muito sol e calor, o pobre pede chuvas a Deus para aplacar a sequidão. Quando elas vêm com temporais, ventos fortes, raios e trovões, ele lamenta e chora por causa dos alagamentos e ainda diz que foi a vontade de Deus. Por ignorância e falta de conhecimento, nem atenta que tudo isso é resultado da ação perversa do homem que destrói o meio ambiente. Para essas adversidades, os cientistas dão o nome de mudanças climáticas do aquecimento global ou ainda o chamado El Nino.

Como estão as nossas cidades, sem obras estruturantes e despreparadas, seria uma maravilha se as chuvas só caíssem no campo onde elas são a matéria-prima para o agricultor plantar suas roças e prosperar, sem falar nos animais em geral (gado, pássaros, insetos e outros bichos) que matam a sede e enchem suas barrigas de alimentos em abundância. Mas, não é assim que a coisa funciona. As correntes de ar e as nuvens não escolhem os lugares.

Esses prefeitos cometem tantos desatinos – falta seriedade nas câmaras de vereadores para decretarem o impeachment deles – e depois têm a cara de pau de culpar o tempo chuvoso. Vitória da Conquista e Juazeiro, lá no norte da Bahia, são exemplos concretos de cidades malgovernadas.

Aqui em Conquista, Lagoa das Flores, Campinhos e outros bairros ficaram debaixo d´água, sem falar de ruas que viraram escombros. Na cidade caíram mais de 30 árvores, inclusive as do Estádio Lomanto Júnior, que derrubaram o muro. Vários pontos tiveram que ser interditados.

É hilário, para não dizer deboche, mas somente agora a Secretaria do Meio Ambiente veio anunciar que vai podar as outras. Por que não fez isso há tempo? Confesso que nunca vi a Prefeitura Municipal fazendo podas em árvores. Só aqui em minha rua (uma em meio passeio) galhos foram ao chão com as tempestades. É simplesmente exuberante e triste.

O “QUIABO” E O CARNAVAL

Estava eu tomando uma gelada numa barraca na Praça 2 de Julho, em frente ao Estádio Adauto Moraes, em Juazeiro, na Bahia, e assuntando o pouco movimento de torcedores comprando ingressos para assistir ao jogo do Juazeirense contra o Jequié (2 x 0), no último dia 25/01.

Até aí nada demais para registrar como inusitado, mas apareceu um cabra meio franzino apelidado de “Quiabo”, com um celular na mão atravessando a rua pra lá e pra cá procurando uma mulher, por certo sua amiga ou parente, que era funcionária do estádio. Ele estava agitado e não parava de ligar indo de um canto ao outro.

Não demorou muito e logo apareceu uma mulher gritando pela sua alcunha. Foi a partir daí que soube que o rapaz se chamava de “Quiabo”. Como tantos outros malandros furadores e penetras, ele queria que a “amiga” o colocasse no campo sem pagar. Uma portinha estreita se abriu e uma senhora gritou “Quiabo”! Foi a senha providencial!

Do nada ele apareceu e, num pique com outros (não estava com minha máquina fotográfica para clicar nos alvos), ele caiu dentro, enquanto alguns compravam a entrada na bilheteria. Fiquei a imaginar que quiabo é uma verdura deliciosa, por sinal (adoro saborear), que escorrega na panela dentro de um feijão, num cozido ou noutro ingrediente e associei à pessoa ligeira que apronta das suas para se dar bem na vida.

Na minha cabeça fui mais além e coloquei a imaginação para viajar nesse Brasil dos quiabos “espertos e astutos” que procuram levar vantagem em tudo e não respeitam os outros, a começar pelos políticos, governantes, empresários, chefes de repartições, autoridades, executivos e até magistrados.

Com relação aos estádios de futebol no país, é assim que funciona: Centenas e milhares entram de “gaiatos” ou gatos sorrateiros. Tem aquela turma dos Quem Indica, o famoso QI e dos jeitinhos brasileiros. Quando se fala em 10 mil pagantes, por exemplo, quinhentos ou mais de mil foram de graça. Em pouco tempo, ali no estádio, presenciei muitos atravessando ligeiramente a portinha estreita, na base do pulo.

Mas, o que tem a ver o pobre do “Quiabo” com o carnaval? É que neste mesmo dia era a abertura da festa momesca na cidade e quiabos piores entraram em ação, uns para furtar no meio da folia e outros “donos da prefeitura”, da coisa pública, para fazer os contratos escusos com bandas, trios elétricos, camarotes e cantores.

Numa conversa informal com um funcionário comissionado, porém concursado, ele me contou horrores que acontecem lá dentro e foi demitido do cargo porque não aceitou concordar com as coisas erradas. Uma dessas maracutais foi o carnaval, segundo ele, superfaturado.

Conforme me confidenciou, o cantor Bel Marques “recebeu” 550 mil reais para tocar no circuito por uma noite, mas só que ele não leva essa bolada toda. “Tem uma parte por fora que fica com eles lá dentro. Estão passando a mão”- acusou o funcionário que trabalha ou trabalhava na Secretaria de Finanças. Cadê a investigação do Tribunal de Contas?

São os quiabos mais escorregadios e danosos que desviam recursos do contribuinte nessas festas, mas o povo cai dentro da fuzarca e nem quer saber disso. O que importa mesmo é o circo. Enquanto isso, com as chuvas, a periferia de Juazeiro sofria com as ruas esburacadas, alagadas e esgotos estourados, numa fedentina danada.

UM PAPO COM O “VELHO CHICO”

– Olá, meu “Velho Chico”!

Vim de longe daquelas terras de Vitória da Conquista que muitos, sem noção, as chamam de “Suíça Baiana”, para lhe pedir a benção. Uma pena que só lhe conheci depois de adulto. Quando era criança, nem ouvia falar sobre a existência do Senhor. Aliás, alguma coisa na escola, mas sem muito destaque.

– Sei, meu filho, e Deus lhe abençoe!

– Como está de saúde?

– Um pouco melhor que há uns oito ou dez anos quando estive na UTI, naquela braba sequidão.

– Ah, lembro da ocasião e fiquei muito triste, mas antes disso teve aquele frei da Barra que fez uma greve de fome em protesto contra sua transposição, ainda no segundo mandato do Governo Lula. Faz tempo e, como sempre, o brasileiro esquece desses episódios.

– Pois é, meu filho! Minhas águas minguaram nas margens, só arreião e apareceram ilhotas por todo canto. O mar tentou me engolir lá foz de Sergipe e, por pouco, não virei um riacho salgado. Fui até entubado e os homens de lá de cima prometeram me revitalizar.

– E de lá para cá não fizeram nada?

– Só promessas e sofri com o assoreamento e erosão dos terrenos. Desmataram minha vegetação ciliar. Fiquei muito tempo descoberto no árido sertão. Até minha nascente quase morre. Atingiram até meus afluentes com tanta irrigação para plantar grãos e frutas para os mais ricos capitalistas exportarem. Eles só pensam em cifrões.

– E depois disso tudo?

– São Pedro resolveu me socorrer. Sempre estou dependendo dele. Sai das últimas e renasci. Nem os movimentos sociais tocaram mais na questão.

– E se vier outra estiagem prolongada daquela?

– Ah, meu filho, nem sei o que será de mim. Pode até ser o fim, porque se for depender deles, já era.

Por falar nisso, qual era mesmo seu nome antes daquele português navegar em seu mundaréu de água?

– Ah, os meus irmãos indígenas me chamavam de Opará, o que significa rio-mar, por ser grande e caudaloso, meio de comunicação e de fuga, uma rede que interligada diversos povos da região.

– E quem lhe deu o nome de São Francisco?

– Foi um tal de Américo Vespúcio, em 1501, quatro de outubro, dia de São Francisco. Essa mania dos cristãos de denominar tudo com o nome de santo. Sou mesmo Opará.

– Tá certo, mas mudando de assunto, e seus ribeirinhos?

– Agora estão melhor, com mais peixes na rede e irrigando suas plantações, mas sempre tiram dos pobres e dão para os ricos. Não ando nada contente com isso.

– Estou sentindo um mal cheiro aqui nas margens. O que é isso?

– São os esgotos, meu filho, que jogam dentro de mim, sem falar no lixo e outras sujeiras. Eu padeço durante mais de 500 anos. Despois vêm as muriçocas, insetos, ratos e cobras. Reclamam e ainda me xingam.

– O que dizer que esqueceram do senhor?

– Eles lá de cima não passam de politiqueiros de baixo nível. Se apropriam de mim para arrumar votos dos eleitores incultos. Essa tal de transposição só atendeu os mesmos. Os pobres continuam mendigando as migalhas ou farelos que caem da mesa desses burgueses.

– Dizem que o senhor é esquerdista comunista. O que falar sobre isso?

– Sem comentários, meu filho. Não dá para dialogar com essa gente imbecil. Prefiro ficar calado, com meus caninos, cavernas, navegantes, carranqueiros e barraqueiros. Veja ali o Nego D´Água e Iansã.

– E sobre esse tal de aquecimento global?

– Já está acontecendo, meu filho! O futuro de tragédias e catástrofes já existe, mas ainda não caiu a ficha deles. Ficam aí transando com El Nino e mudanças climáticas. Se reúnem e depois tudo fica no mesmo.

– É meu “Velho”, o papo está bom, mas já estou indo pegar estrada para outras bandas.

– É, meu filho, vá em paz e que Deus ou São Francisco lhe acompanhe.

– A benção, mas prefiro Opará, como na língua indígena Tupi-Guarani.  Até a próxima, meu “Velho” mestre.

CONTINUE REMANDO!

(Chico Ribeiro Neto)

Naveguei nas águas da praia do Unhão, em Salvador, com uns 14 anos, na catraia construída junto com o amigo Zoinho, com uma placa de Madeirit roubada na construção da Avenida Contorno para servir de casco da embarcação, depois batizada por meu irmão Cleomar de “Minas Gerais”, o velho porta-aviões que o governo brasileiro comprou da Inglaterra em 1956.

Foi uma felicidade ter um barco, toda a meninada queria passear nele. Os remos dormiam em casa, para não roubarem, e a catraia (também chamada de “quadrada”) dormia ancorada nas serenas águas do Unhão.

Sempre gostei dos nomes dos barcos e de saveiros. Revelam muita poesia, a sintonia com as águas, o sol e a lua.

Em sua página no Facebook o grupo “Velas de Içar – Saveiros da Bahia” revela uma pesquisa feita com nomes de saveiros de Bom Jesus dos Pobres – um dos portos de saveiros mais dinâmicos da Baía de Todos os Santos – nas décadas de 50, 60 e 70, que catalogou 46 nomes de saveiros de vela de içar que levavam mercadorias do Recôncavo para Salvador.

Destaco alguns nomes de saveiro: “Admirado”, “Amigo Fiel”, “Aurora”, “Chamêgo”, “Considerado”, “Deus Que Me Deu”, “Educado do Norte”, “Dois Amigos”, “Luar de Bom Jesus”, “Piolho de Cobra”, “Respeitado”, “Riso do Amor”, “Sonho Feliz” e “Sombra da Lua”.

Lá vem o “Minas Gerais”, cortando água. Pega aquele caminho que o sol traça no mar às 5 e meia da tarde quando se prepara pra dormir.

No barquinho só cabem dois tripulantes: Chico e Zoinho. Outros meninos seguram na catraia, deixando o resto do corpo no mar: Atum, Biúca, Tristeza, Cobra D’Água, Cascavel, Pé de Valsa e Mondrongo.

Zoinho dá o comando:

– Vamos remar!

– Para onde?

– Não sei, continue remando!

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

 

 





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