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FAZER UMA COISA SÓ

(Chico Ribeiro Neto)

Quando eu tinha uns 10 anos, em Salvador, mamãe Cleonice me mandou comprar coador de café de pano na Rua da Ajuda e ainda me dava o troco para o picolé. Cheguei lá, era perto de um antiquário, quase na Ladeira da Praça, e lá estava o vendedor: em pé no passeio, com os dois braços cheios de coador. Voltei pra casa intrigado: aquele cara só vende uma coisa na vida.

Tinha um primo que vendia bilhetes da Loteria Federal sentado numa escadinha que levava a uma casa lotérica, no Forte São Pedro. Tinha sua freguesia certa e assim sobrevivia. Às vezes parava para cumprimentá-lo. Era de pouca conversa. Seu único trabalho era vender a sorte no seu silêncio.

Tinha um cara na Pituba que só vendia aipim, muito bom por sinal. Morei no bairro alguns anos e sempre o via pela manhã com o carrinho cheio de aipim e coberto com algumas folhas. Antes de meio-dia já tinha vendido tudo. Esse mudou. Na última vez em que o vi continuava a vender aipim – agora já descascado e embalado – junto com batata doce, banana da terra, inhame e quiabo, “diversificando os produtos para agregar valores ao seu negócio”.

Outro dia vi o letreiro na fachada de um restaurante: carnes, frutos do mar e massas. Dificilmente fará as três coisas bem feitas.

Sempre admirei quem vende uma coisa só ou quem faz uma coisa só, e bem feita. Nunca gostei daqueles caras que parecem uma orquestra: têm uma flauta amarrada na boca, tocam guitarra, o pé direito toca um bumbo, o pé esquerdo toca uma caixa, têm uns guizos presos no pescoço e se duvidar ainda tocam mais um instrumento com a orelha.

“Temo o homem de um livro só”, dizia Santo Agostinho, que também sentenciou: “O mundo é um livro, e quem fica sentado em casa lê somente uma página”.

Meu pai Waldemar tinha uma padaria em Ipiaú (BA) e queria abrir um segundo negócio. Meu avô Chico Ribeiro o desaconselhou: “Ou você toca o sino ou acompanha a procissão”. E tem gente que toca o sino e ainda carrega o andor na procissão. “Cuidado com o andor que o santo é de barro”.

Nunca pintei quadros. Não sei cantar e não toco nenhum instrumento. Não sei fazer móveis de madeira nem trocar a resistência do chuveiro. Procuro apenas lidar com meu ofício de escrever, onde minha caneta vira pá e pincel, enxada e picareta, enxó e serra, martelo e chave de fenda, voz e violão. Meus instrumentos são uma caneta tinta preta e um caderno de 200 folhas. E assim toco a vida.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

CURSO DE DEMOCRACIA PARA OS EXTREMISTAS E MEDIDAS SOCIAIS

O Brasil está mais para uma república de bananas e um reino das anistias, das intrincadas burocracias, dos engavetamentos de processos e da impunidade. No lugar de este não ser um país sério, prefiro indagar que país é esse? Na voz dos nossos cancioneiros poetas, ainda podemos citar que esta piscina está cheia de ratos, ou quem quer alugar o Brasil. É o quintal dos ianques coiotes com seus uivos horrendos.

Daqui brotam as coisas mais hilárias, absurdas e ridículas, como a mais recente de fazer um acordo com extremistas que invadiram e fizeram um quebra-quebra nos três poderes (não se sabe qual o mais mambembe e tupiniquim) para, no lugar de prisões, eles prestarem serviços sociais às comunidades, pagar multas, confessarem seus atos e o mais esdruxulo de todos, fazerem um curso de democracia.

No lugar, essa justiça do Supremo Tribunal Federal (STF) – mais política que técnica em suas decisões – poderia ordenar um curso de catequese religiosa para aprender os ensinamentos do Velho e do Novo Testamentos. Está mais para volta às aulas dos cursos sobre as leis de trânsito do Código Nacional quando o motorista comete uma infração grave, como dirigir bêbado. O catecismo cairia bem.

Passa pela cabeça de alguém que um extremista de direita nazifascista, que pede uma intervenção militar (ditadura), vai virar um democrata progressista depois de um curso sobre democracia e como deve ser exercida a liberdade de expressão? Confessar um ato criminosos para se livrar da cadeia até o bandido mais perigoso faz isso e depois volta para sua marginalidade do crime e da violência.

Não é para entender essas medidas de anistias, como para os crimes eleitorais e as ladroagens da Operação Lava-Jato, senão você vai ficar pirado e precisar fazer uma análise psiquiátrica, que dizem ser coisa para doido maluco. Os seguidores negacionistas e terraplanistas “bozonaristas” vão se tornar lulistas de esquerda? Que maravilha! Tudo está resolvido e juntos vamos realizar uma festa de pizza acompanhada do samba do crioulo doido! Melhor ficar ligado no aquecimento global do derretimento do gelo nas calotas polares!

O florentino Dante Alighieri (1265- 1321), em sua “A Divina Comédia”, um dos primeiros cordelistas teatrólogo clássico da Idade Média, de teor histórico, mitológico, filosófico, político e religioso (foi exilado pela Igreja Católica), puniria todos com castigos severos nos infernos, cada um em suas devidas camadas de sofrimento, como pecadores atormentados pelos demônios, e jamais optaria por um curso de democracia.

Agora mesmo está saindo o procurador Geral da República, o baiano Augusto Aras, o maior engavetador dos crimes cometidos pelo “capitão Bozó” e seus fiéis seguidores.  Na obra de Dante, ele seria julgado como o bajulador e impostor.

Os outros bagunceiros como traidores da pátria, falsários de fake news, avarentos e golpistas. Parece uma Divina Comédia ver o ministro Gilmar Mendes, do STF, elogiando e incensando os atos de Aras. Ele também estaria nos infernos do florentino de Florença.

Dá para acreditar em nosso Brasil dos conluios, dos conchavos, dos malfeitos, das malandragens, das traições contra o nosso povo, das castas privilegiadas em seus palácios e dos piores índices no âmbito da educação, o penúltimo no teste do Pisa (só ganhou para a Tunísia)? Confesso que admiro os otimistas, uns do próprio poder (ossos do ofício) e outros marqueteiros de palestras, mas desconfio que sejam somente da boca para fora. O que falam entre quatro paredes?

E assim caminha o nosso Brasil de feridas abertas, numa história de repetidas impunidades e anistias, desde aos escravistas dos barões do café da vergonhosa escravidão, passando pelas oligarquias republicanas e aos torturadores e perseguidores contra políticos nas ditaduras de Getúlio Vargas (1930-1945) e na ditadura civil-militar (1964-1990) dos generais que praticaram crimes de lesa-humanidade e saíram ilesos, sem nenhuma punição.

 

O LITRO, O QUILO E AS CONVERSAS DE COMPADRES DO FIM DO MUNDO

Quem veio primeiro, o litro ou o quilo? Pelo que sei (posso até estar errado), o litro na forma de medida, mesmo antes de Cristo na civilização da Mesopotâmia. Na era primitiva, funcionava o escambo, ou troca de mercadorias, inclusive por serviços, o que perdura até hoje na modalidade da moeda como espécie de compra e venda.

Nas feiras de antigamente, nas cidades do interior, lembro ainda menino, e não é coisa de velho, os mantimentos (farinha, feijão, milho, arroz), frutas e outras coisas mais eram vendidos na base do litro e da unidade. Só as carnes eram no quilo. Recordo bem do meu pai vendendo farinha nas medidas de cedro de cinco, três, dois e até um litro. Hoje tem até comida a quilo.

Os feirantes proseavam alegres nos encontros de compadres e comadres sobre os tempos de chuvas e secas, notícias de parentes de São Paulo, vizinhos e até moças que fugiam de casa com seus namorados. Diziam que o cara roubou a virgem donzela.

Existiam histórias de coronéis, gente valente, de vaqueiros destemidos nos espinhos do agreste sertão da caatinga e causos de pescador e caçador. Tinha-se mais calor humano. E quando se recebia uma carta pelos correios, era aquela felicidade! Saia-se mostrando para os amigos e parentes. Era até motivo de festa.

Nos tempos atuais, tudo é na base do quilo, desde nossa saborosa e vigorosa banana, até a manga, a maçã, o mamão e todos legumes. Só está faltando vender as folhas (alface, rúcula, coentro, salsa) no peso. Até o papo é no quilo, porque ninguém atura mais ouvir o outro por muito tempo, pois pode ser taxado de chato. No máximo 50 ou 100 gramas de prosa.

O pior de tudo é que ninguém sabe como está a balança. No Brasil dos falsários e golpistas, não dá para confiar na fiscalização dos órgãos do poder público (precária e até corrupta) e nem nos comerciantes, muitos gananciosos e inescrupulosos. Nem sabemos quando estamos sendo roubados. Nos supermercados, os líquidos não estão completos.

E aí alguém diz: São coisas dos tempos antigos. O progresso trouxe mudanças. Será que para melhor? Só se for para eles, os abonados e aqueles que, de tanto viverem em disparada na corrida pelo dinheiro, acham tudo normal. Nem percebem que estamos desumanizados.

Porém, este é outro assunto sociológico e filosófico mais profundo para se discutir. A conversa aqui mesmo é sobre o litro, o quilo e os papos agradáveis e cordiais dos compadres e comadres. Naquela época não era cafona as crianças e jovens respeitarem os pais e até darem benção aos mais velhos quando se cruzavam no campo e nas ruas das cidades. As pessoas eram bem mais humanas e quase não se ouvia notícias de violências bárbaras.

Será que estou sendo romântico e nostálgico demais? Nas cidades, principalmente no final da tarde, homens e mulheres colocavam as cadeiras no passeio, na porta de suas casas, para vários dedos de prosa, sem pressa. Hoje não se faz mais isso, e o contato com o vizinho é coisa rara. Nas grandes metrópoles, mal se conhecem.

Havia aquela conversa de pé de orelha ou de ouvido quando era um segredo que logo se tornava público pelo fofoqueiro ou fofoqueira, que passava o dia na janela vendo o movimento. E as conversas dos anciões, carregadas de sabedoria e cultura sobre a vida! Eles atualmente são raramente consultados porque são vistos como imprestáveis e caducos, lelés da cuca.

– Oh cumpade, cadê Nô de Dina?

-Ah cumpade, não sabe não? A fogosa da mulher fugiu com outro e de desgosto ele sumiu pra San Palo. Também não dava no coro!

– E aquela morena da filha das ancas aprumadas?

– Ficou mal falada, cumpade! Puxou a mãe e anda por aí regaterando com todo mundo. Tá amasiada com um cara lá do Norte, cabra meio esquisito com jeito de pistolero.

– É cumpade, coisa de fim do mundo. A terra é só sequidão. Só se ver gente descendo de pau-de-arara. Virou formiguêro. As lavouras se acabando e o gado berrando na cacimba.  Os moços de hoje só quere saber de bater perna nas cidades.

As conversas entre as comadres eram mais coisa de mulheres, das intimidades do sexo, o tabu da época. Era até pecado falar nisso em público. Os homens não tomavam parte. Hoje existe uma abertura em pé de igualdade e, nessa questão, foi um grande avanço. Elas estão inseridas no mercado e em postos de decisões.

No entanto, em se tratando de litro e quilo, está todo mundo embolado e nivelado na mesma muvuca da desumanização, da barbaridade, da falta de respeito para com o outro, do consumismo, da falta de leitura e cultura, do egoísmo e do individualismo. Todos de celular na mão só estão de olho no dinheiro, e nem olham para o nível da balança nos restaurantes.

Até a inteligência e o conhecimento são classificados na base do quilo, mesmo assim desvalorizados e não muito levados em conta. Aliás, um quilo de ignorância, de extremismo, de intolerância e ódio está valendo mais que um de saber e estudo. Um quilo de corrupto e bandidagem vale mais que um de honestidade e caráter. O litro é coisa do passado, tenho até um em meu espaço cultural como peça de museu.

O TRABALHO REMOTO E A DESUMANIZAÇÃO DO SER HUMANO

Com a grande pandemia da Covid-19 (anos 20 a 22), as pessoas saíram dos escritórios e se isolaram em suas casas para os chamados trabalhos remotos em seus computadores e aparelhos. Outros, jovens, idosos e desempregados também foram obrigados ao enclausuramento.

A partir disso, os problemas físicos e mentais (psicológicos) foram surgindo, como angústia, violências dentro de casa, comportamentos anormais e a depressão. Essas questões foram constatadas por especialistas no assunto. No entanto, teve gente, com o espírito mais centrado, que aproveitou o período para produzir arte. O certo é que o maldito vírus deixou muitas sequelas.

Por incrível que pareça, quem mais se beneficiou com isso foi o capital (nem está aí para a desgraça humana) que reduziu seus custos. Passado o tormento da Covid, entrou a onda do trabalho remoto que isola ou confina o ser humano num canto da sala, tornando-o cada vez mais antissocial.

As novas tecnologias da informática (redes sociais, inteligência artificial e outros aplicativos) e o cruel sistema capitalista aplaudem as mudanças e mostram suas “vantagens”. O ser humano embarca nessa corrente, mas não percebe, conscientemente, que ele está sendo usado como apenas uma máquina de triturar.

O trabalho remoto dos chamados nômades aparenta ser o ideal, mas o indivíduo está perdendo o que há de mais importante que é a sociabilidade, a solidariedade e o compartilhamento dos problemas da sua vida com seus semelhantes colegas e amigos. Com isso, o que estamos observando é uma desumanização e o surgimento de mais doenças mentais, principalmente a depressão.

Na verdade, entre guerras, ganâncias, consumismo, violências por todos os lados, inclusive entre as famílias, o ódio, o racismo e a intolerância, não somente religiosa, estamos vivendo num mundo desumanizado, e o pior é que não temos a certeza de um futuro humanista.

Alguém pode estar aí maldizendo que já sou um velho de mente retrógrada e que as coisas mudaram. O que tenho visto são muitos conhecidos e amigos entrando em depressão. Talvez essa doença seja o “mal de siècle”, como a tuberculose fora para os poetas e românticos no século XIX

Os jovens atualmente estão perdidos entre as tecnologias da internet das redes sociais e do ganhar dinheiro, não mais por vocação profissional, mas “focados” no qual setor oferece mais lucro. É o mundo da ambição, do isolamento de um só, sem o espírito de equipe.

“A DIVINA COMÉDIA-INFERNO” V

Dante Alighieri

Tradução de Pedro Xavier Pinheiro

O que Dante e Virgílio, os poetas, diriam em suas visitas ao inferno para os falsários e traidores da pátria brasileira? No Canto XXX, no décimo compartimento, são punidos os falsários, tornados hidrópicos. Eles são constantemente atormentados por furiosa sede.

Aqueles que falaram falsamente são perseguidos por febre ardentíssima. Em sua obra “A Divina Comédia”, Dante vagueia em XXXIV cantos onde narra personalidades pecadoras da sua terra Florença, religiosos, gigantes rebeldes, hipócritas, avarentos, reis e mistura figuras mitológicas gregas e romanas.

Sobre os falsários, em uma de suas estrofes, o autor descreve que “Quando a fortuna a cinzas reduzia/A pujança de Troia, em tudo altiva,/E com seu reino o morto rei jazia”.

No mesmo Canto XXX, discorre: “Súbito quando o corpo descobrira/Uivou qual cão, de angústia possuída./Tanto a pungente dor na alma a ferira”. “Escancaras a boca venenosa,/O moedeiro diz: por mal somente;/ Se sede eu tenho e a pança volumosa”.

No Canto XXXII, de acordo com o tradutor da obra, Pedro Xavier, os dois poetas se encontram no círculo, em cujo pavimento de duríssimo gelo estão presos os traidores. O círculo é dividido em quatro partes; na Caina, de Caim, que matou o irmão, estão os traidores do próprio sangue.

Na Antenora, de Antenor, troiano que ajudou os gregos a conquistar Troia, os traidores da pátria e do próprio partido; na Ptolomeia, de Ptolomeu, que traiu Pompeu, lá estão os traidores dos amigos; na Judeca, de Judas, traidor de Jesus, os traidores dos benfeitores e de seus senhores.

POR QUE SUIÇA BAIANA?

Carlos González – jornalista

As frases ditas há mais de meio século pelo polêmico jornalista Nelson Rodrigues continuam atuais, assim como sua obra literária, suas peças teatrais, seus princípios conservadores e seu amor pelo futebol. Uma de suas mais conhecidas teorias, a que deu o nome de Complexo de Vira-Lata”, coloca em discussão a baixa autoestima do brasileiro, pródigo em acatar o que vem de fora.

Se vivo estivesse, o escritor pernambucano, autor de “À Sombra das Chuteiras Imortais”, bradaria com veemência, com voz rouca e o cigarro no canto da boca, contra a ausência de orgulho do conquistense, inclusive da mídia local, ao se referir a sua terra como a “Suíça Baiana”.

Segundo os defensores do termo inadequado há uma semelhança entre as condições climáticas de Vitória da Conquista e da Suíça. O que não é verdade. Celebrado como modelo de desenvolvimento econômico e social, a Suíça registra entre dezembro e fevereiro temperaturas abaixo de zero. Aqui, os termômetros raramente chegam aos 10 graus.

De acordo com os meteorologistas, Piatã e Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, registram as mais baixas temperaturas na Bahia, seguidos de Vitória da Conquista. O inverno este ano não foi tão severo com a população conquistense, vítima do aquecimento global, como bilhões de pessoas neste planeta.

Como todos podem observar, o comércio varejista de artigos de vestuário deixou de vender como em anos anteriores e vai ter que esperar 2024 para repassar ao consumidor o que está estocado. No recente Festival de Inverno, as jovens usavam vestidos de alça, porque os termômetros, mesmo nas madrugadas, insistiam em marcar temperaturas amenas.

O autor dessa discordante comparação preferiu ficar no anonimato, ao contrário do romancista francês Albert Camus, que em 1949 deu ao Recife a alcunha de Veneza brasileira, fascinado com a topografia da cidade, cortada por pontes sobre os rios Capibaribe e Beberibe. Na verdade, o recifense nunca se revelou envaidecido pelo qualificativo dado por um europeu.

Arraial de Conquista foi o nome que o sertanista português deu em 1783 à região que se tornaria uma espécie de capital do Sudoeste baiano e do Norte mineiro. Em julho de 1891, a antiga vila foi elevada à categoria de cidade, batizada de Conquista, recebendo em dezembro de 1943 o prenome de Vitória porque já havia em Minas Gerais um município com o mesmo nome.

Com uma área de 3.254.186 km² e uma população de 387.524 habitantes (Censo de 2022), Vitória da Conquista exibe indicadores econômicos e sociais que a colocam no top 10 entre os municípios nordestinos, excetuando as capitais. No entanto, está longe de rivalizar com cidades do mesmo porte situadas no Sul e Sudeste, em parte por culpa dos seus gestores e legisladores, que substituem o trabalho pela politicagem.

No passado, Conquista foi rotulada como a “Capital do Café”. As lavouras da rubiácea ocupavam grandes áreas do Planalto Conquistense. Essa honraria foi “roubada” pelos nossos vizinhos da pequena, mas empreendedora Barra do Choça, que vem exportando para o exterior um café de ótima qualidade.

Do café ao biscoito. Por iniciativa do vereador Edvaldo Ferreira Jr. (MDB), Conquista poderá receber o título de “Capital Estadual do Biscoito”. O projeto de lei foi encaminhado ao deputado Tiago Correa (PSDB) para ser votado pela Assembleia Legislativa do Estado.

Autor de dois projetos qualificados como controversos (moção de aplausos para o empresário bolsonarista Luciano Hank (o homem do terno verde) e construção de um cemitério para cães de estimação), o vereador emedebista justifica sua proposta: “A fabricação do biscoito avoador coloca a cidade na rota do empreendedorismo e do turismo na Bahia e faz parte de uma enorme cadeia produtiva que gera emprego e renda para Conquista”. Edvaldo Jr. também idealiza criar a “Semana do Biscoito”.

Lembro que, em setembro do ano passado, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema Neto, sancionou a Lei 23.946, criando a “Capital Estadual do Café com Biscoito” e a “Capital Estadual do Biscoito Artesanal”, credenciais dadas, respectivamente, às cidades de São Tiago e Japomar.

Retomando a nossa conversa sobre Nelson Rodrigues, recordo sua paixão pela Seleção Brasileira e pelo Fluminense (“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar”). Na sede do clube, em Laranjeiras, no Rio, foi colocado um busto em homenagem ao criador do Sobrenatural do Almeida, uma espécie de anjo de guarda do Tricolor.

A Seleção Brasileira de 1958 foi a razão que levou Nélson Rodrigues a escrever a crônica “Complexo de Vira-Lata”, publicada na semana que antecedeu a estreia da equipe comandada pelo técnico Vicente Feola na Copa do Mundo da Suécia, onde ganhou sua primeira “Jules Rimet”.

Diante das frustrações causadas pelos times de 1950 (derrota para o Uruguai na partida final) e de 1954 (goleado pela Hungria nas quartas de final), o de 1958 levou na bagagem para a Suécia o descrédito do torcedor brasileiro. Um dos poucos otimistas, Nelson Rodrigues escreveu: “Perdemos em 1950 de maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: Obdulio Varela (“capitão” da equipe uruguaia) nos tratou a pontapés, como se vira-lata fôssemos”. A maldita expressão atravessou décadas e tem sido até hoje tema de estudos e debates nos círculos literários e sociais.

Peço licença aos meus colegas de imprensa que evitem se referir a Vitória da Conquista como a “Suíça Baiana”. Vamos lembrar do pequeno (área de 41.285 km²) país do centro da Europa como um exemplo de democracia, de economia estável, de excelente qualidade de vida, e um dos principais destinos turísticos do mundo.

 

 

 

NAS PORTAS DO INFERNO

O Secretário Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em seu pronunciamento, foi incisivo em suas palavras (realista) quando declarou que a humanidade abriu as portas do inferno. Ele estava se referindo ao aquecimento global advindo dos estragos contra o meio ambiente, seguidos das catástrofes e tragédias no planeta, e não estava exagerando. Concordo de que já estamos nas portas do inferno, e mais ainda, de que não existe mais retorno porque a ordem é cada vez mais consumir. O capital não para com os desmatamentos para expansão do agronegócio (plantar grãos e pastagens para bois) e, cada vez mais, joga CO2 e metano no ar. Os rios estão poluídos de substâncias tóxicas, e o que é reciclado e recuperado com plantios de árvores significam o mínimo em relação à destruição da terra. Milhões de toneladas de lixo são jogados todos os dias nos mares e no planeta a fora. A nossa terra treme e geme em todas as partes, até aqui no sudeste, as tempestades são avassaladoras, o calor ultrapassa os 40 graus, o deserto vira lama na África e já temos ciclones até no Brasil, coisa imaginária em tempos passados. Aqui mesmo em nossa casa, digo nossa região de Vitória da Conquista, nossos campos de florestas foram desmatados para se plantar café, eucalipto e criar gado. Fiquei a observar isso mais de perto nesta semana quando fui visitar uma fazenda entre Conquista e Barra do Choça. Por essas e outros é que sempre digo que a conta, entre o que é depredado e recuperado, nunca bate e não existe mais retorno para reduzir as temperaturas a níveis toleráveis.

A CONTA NUNCA BATE

Autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário

Nesse ciclo de tanto estrago,

Entre consumo e o reciclável

Da economia sustentável,

A conta nunca bate,

Tomo mais um trago,

Que se reparte,

Na resistência da arte.

 

O capital só quer consumo,

Indica quem leva o fumo.

 

A chapa só esquenta,

Nas estações de forno,

Onde não existe retorno.

 

Nos raros telefones de amor,

Oh, meu Senhor!

Nesse vosso paraíso,

Do apocalipse final juízo,

Assola a solidão,

Na loucura da contramão,

Desse metal vil,

Dos ciclones até no Brasil.

 

A conta nunca bate,

E ninguém ouve o vate.

 

Treme e geme a terra,

Na guerra, frio e calor,

Da flora, lágrimas de fogo,

Larvas espirram dos vulcões,

Do caos devastador:

Brasas, fumaças e chamas,

Tempestades engolem multidões,

Nos desertos de lamas.

 

Do leste ao oeste,

Do norte ao sul,

Lá vem Deus deslizando

Entre raios e trovões,

Como profetizou

Nosso maluco Raul.

 

Conferências climáticas,

Para reduzir o metano,

O C O Dois,

Nas propostas temáticas,

E tudo fica para depois.

 

Meu peito sangra de dor,

Nas asas do beija-flor!

Tentando salvar a floresta

Que o homem incendiou.

Só que nesse embate,

Todos só querem festa,

E a conta nunca bate.

 

 

 

TÁ PEGANDO FOGO!

(Chico Ribeiro Neto)

Estava começando a dormir, umas 22 horas, e despertei com os gritos dos vizinhos: “Tá pegando fogo!”: “É incêndio!”; “Não usem o elevador!”. Assustado, corri pra janela para ver onde era o fogo. Será que dá pra pular pela janela sem quebrar nada? Aos 75 anos, tá difícil.

Havia muita fumaça, mas vi que o fogo era no prédio vizinho. E foi um corre-corre danado. O zelador disse depois: “Nunca vi tanto velho descendo correndo pela escada”. Num instante se formou uma multidão de curiosos e vizinhos. O grande Millôr Fernandes escreveu: “Os homens não são bons, são curiosos”.

O melhor são as versões. Cada um conta uma história:

– Eu soube que queimou o apartamento todo.

– Mentira, só queimou a sala e a cozinha. O banheiro chamuscou um pouquinho e nos quartos não teve nada.

– Eu soube que foi uma vela acesa.

– Já eu ouvi dizer que foi curto-circuito.

– Soube que foi a mulher que deixou o ferro ligado.

– Ela deixou foi a boca do fogão aberta. Quando o marido acendeu a luz, o pau quebrou.

– O marido dela deixou o celular carregando e foi pra rua.

– E o cachorro? Eles não tinham um cachorro?

– O cachorro morreu queimado.

– Mentira, o cachorro escapou, não teve nada.

– O cachorro fugiu quando o fogo começou e não voltou até agora.

– Eu soube que o cachorro só queimou o rabo.

– E tinha cachorro no apartamento?

E os bombeiros?

– Meu filho, quando os bombeiros chegaram, o incêndio já tinha acabado.

– Mentira, os bombeiros chegaram a tempo e jogaram foi muita água.

– Interessante, eu nem vi os bombeiros.

– Você não ouviu a sirene, não, homem?

Uma vizinha falava pra outra: “Minha filha, outro dia eu vi na Internet que a gente precisa ter em casa a Pasta do Incêndio. Você junta tudo de documento importante – escritura do apartamento, identidade, título, cartões do banco e de crédito, passaporte – e coloca tudo numa pasta. Na hora do incêndio é só pegar ela e sair correndo”.

Outro dia assaltaram uma farmácia na Pituba. Veja os comentários:

– Foram cinco assaltantes. Quatro entraram e um ficou do lado de fora dando cobertura se chegasse a Polícia.

– Não, senhor, eram seis, pois ainda tinha o que ficou no carro esperando.

– Eu tava lá dentro na hora pegando meu remédio de pressão. Só vi três: dois entraram e um ficou montando guarda lá fora.

– E teve assalto? Eu moro aqui do lado da farmácia e não vi nada.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

O PATINHO FEIO DOS GOVERNANTES

Quem tem medo de cultura? Não precisa responder. É só refletir. Os governantes e políticos devem achar que cultura não dá voto, mas não imaginam que também tira. É um menosprezo, desvalorização e total desrespeito para com a cultura, e isso é secular no Brasil. É, meus amigos, a cultura é mesmo o patinho feio dos governantes.

Esse quadro ficou bem visível durante a 7ª Conferência Municipal das Cidades, realizada no último sábado (dia 16/9), no auditório do Cemae, onde praticamente nada se falou sobre cultura, como se ela não fizesse parte da cidade. O regimento interno, em seus objetivos, finalidades e proposições, nem tocou no assunto. Os trabalhos foram abertos pela prefeita Sheila Lemos.

Os palestrantes, a doutora Grace Gomes, analista de trânsito e transporte da Prefeitura de Salvador e superintendente de Mobilidade do Governo do Estado (referiu-se à cultura de forma genérica) e o professor Cláudio Carvalho, não abordaram o tema cultura, como se ela nem existisse.

Os expositores centraram-se na parte técnica, no uso do solo, infraestrutura, desenvolvimento urbano, Plano Diretor e ficaram por aí mesmo. Somente nos debates, de apenas uma hora, dos três eixos, propuseram estabelecer um jeton para os conselheiros e criar a casa desses colegiados em Conquista.

O pior é que empurraram a Conferência goela abaixo, sem contar que a participação da sociedade deixou muito a desejar, com pouca gente. Houve uma nota de repúdio com relação à ausência de representantes da Câmara Municipal de Vereadores.

Na 5ª Conferência Municipal de Cultura, entre os dias 11 e 12 de setembro, no Centro de Cultura (ausência da prefeita e também do legislativo), foram seis eixos e as discussões demoraram bem mais tempo e, mesmo assim, ainda tiveram vozes de protestos (algumas agressivas) de que a organização estava sendo antidemocrática por tentar colocar ordem nas normas e no tempo das falas.

Até no almoço ficou demonstrado que a cultura é mesmo o patinho feio abandonado lá num canto escuro. Na Conferência de Cultura foi uma quentinha insossa, enquanto na das Cidades, a prefeitura ofereceu um verdadeiro banquete, com tratamento vip.

É uma pena, mas nossa cultura em Vitória da Conquista está sem alma, anima em latim. Não é somente em Conquista, a maioria dos prefeitos nem querem ouvir falar em cultura e resistem em não criar os conselhos.

Os artistas precisam se unir para dar um basta nisso. Pelo menos de forma independente aqui estamos avançando com a organização dos coletivos em alguns setores, a exemplo dos escritores na área da literatura e do audiovisual. A maior promessa, que deve sempre ser cobrada, é a definitiva criação do Plano Municipal de Cultura para não se ficar apenas nos calendários das festas juninas e de Natal.

Quanto a 7ª Conferência Municipal das Cidades, que elegeu 24 conselheiros (o de Cultura tem 20), o que teve mesmo de brilhante foi a palestra do professor Cláudio Carvalho que foi menos técnico e mais prático com relação à nossa realidade nas cidades. Ele criticou, de certa forma, o programa Minha Casa, Minha Vida por colocar as pessoas nas lonjuras sem olhar para o problema da mobilidade urbana.

Segundo ele, no Brasil existe um déficit habitacional de seis milhões. No entanto, existem onze milhões de imóveis vazios que poderiam ser ocupados. Afirmou que o capital é quem indica onde a pessoa da classe baixa deve morar, comer e se vestir. Na procura de melhorar a vida, as famílias vêm para a cidade e ficam amontoadas nas periferias, em bairros pobres deficitários de infraestrutura básica.

Indagou o porquê de uma casa com os mesmos cômodos e tamanho em Candeias e outra igual na Patagônia, por exemplo, terem valores bem diferentes. De acordo com ele, de um modo geral, as cidades são excludentes e construídas sem o devido planejamento.

Para demonstrar como é o capital que manda, Carvalho citou o caso da Via Perimetral Pedral Sampaio, em Vitória da Conquista, que vai até as Bateias. Por que ela teve seu início de construção justamente na junção com a Avenida Olívia Flores, num local deserto, sem nenhuma segurança, de muros por todos os lados, e não no Bairro das Bateias? – indagou o palestrante.

 





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