O ESCRITOR, O POETA E A MORTE
Escrever é um ato contínuo, um exercício da mente, utilizado também para manter o corpo e o espírito alimentados. Dá apetite e fome, como exercício físico, e serve para driblar a matreira morte, o ponto do fim existencial de todo ser vivo, especialmente o mais racional humano.
Pode até ser um assunto macabro que a grande maioria prefere fazer de conta que ela não existe. Melhor tocar a vida e esquecer dela, mas não temos como escapar. Vez ou outra, a dita cuja está sempre batendo em nossa porta.
Uns lutam mais que outros para sempre adiar o dia. Por injustiça social, o pobre entra em suas garras mais cedo que o rico por questão financeira mais baixa. Infelizmente, o dinheiro faz adiar a sua data nas mãos de bons médicos e especializados hospitais.
O escritor e o poeta, como o fazedor de arte, encontram sempre uma forma de enganá-la, como o bom malandro que enrola o dono do botequim para viver sua boemia. O poderoso e o avarento juntam mais e mais grana e nem lembram da sua fatídica vez. O poder na cabeça faz achar que estão livres.
Se faz parte da minha vida, escrevo para viver, e se parar eu morro. Já ouvi está frase de alguém, ou é minha mesmo, quando perguntado sobre a importância e o significado da escrita para si. Colar palavras, pesquisar, escarafunchar e viajar na imaginação das letras é uma sublimação. Me torna deus do olimpo.
Às vezes, sorrateiramente, ela bate em sua porta, como não quer nada, e o escritor, com sua perspicácia e astúcia manda ela retornar outra hora porque está a escrever, ainda iniciando ou no meio do texto. Ele está me enrolando novamente – matuta consigo a morte.
Não se conforma. Ela é persistente. Volta a bater na porta noutra oportunidade e, para sua decepção, escuta uma voz saindo lá de dentro da escrivaninha: Continuo a escrever e sem previsão de concluir a obra. “Volte outro dia, ou outra hora”.
– Este cara só pode estar achando que sou uma besta ou uma idiota – segue a morte remoendo suas ideias na procura de outra presa. O escritor, ou poeta, se sente revigorado por ter ganhado mais tempo e ter arranjado um meio de se livrar da danada. As ideias borbulham e fervem. Mete a cara na labuta dias e dias, inventa histórias, causos, contos, crônicas, romances e até poesias, tudo no sentido de quebrar essa corrente e se tornar imortal.
Ela demora, dar mais espaço porque o cara é duro na queda. Passa distante, olhar meio cabreira pela porta do escritor e segue sua longa jornada. É uma peregrina indigesta que ninguém quer cruzar pela sua frente. O melhor é cortar caminho para que ela não lhe aborde.
Algumas vezes, ronda seu quintal e percebe que o escritor ainda escreve pela madrugada a fora. -“Ele sofre de insônia? Mais parece um lobisomem”. A luz está acesa e ela ouve o deslizar da caneta a rascunhar no papel e o clicar nos teclados do computa. Sua escuta é como um raio laser que penetra até paredes de aço.
– É um valente teimoso, do tipo sertanejo nordestino da terra árida, mas um dia, ou numa noite qualquer, pego ele desprevenido – assim pensa a morte, com seu bornal da dor da finitude. O escritor é vigilante e mal dorme, só cochila e assim vai empurrando ela para mais longe do seu alcance.
A HUMANIDADE PARECE HIPNOTIZADA DIANTE DAS TRAGÉDIAS E BARBÁRIES
A nossa humanidade parece reclusa e hipnotizada em seu retiro solitário e se agarra ao seu ritual de fé e religiosidade diante de tantas tragédias e barbaridades. Coloca toda essa desarmonia e desagregação humanitária nas mãos de Deus, como se Ele fosse um carrasco mentor dos castigos, quando o próprio homem é o ator e autor principal da destruição descomunal de si mesmo. Será que o humano perdeu seu rumo e se deteriorou de vez? Ainda existe recuperação para uma solidariedade humanística?
Existem os crédulos e incrédulos, estes em sua maioria. Um certo amigo simples comum me disse certa vez, com sua imaginação fértil do realístico-fantástico e fictício, que o nosso grande sol, que nos irradia de luz e vida, vai explodir em bolas de fogo que vão atingir a terra. Os sobreviventes dessa catástrofe apocalíptica, em sua visão profética, serão depois chamados de deuses do fogo.
A vida continua naquela correria de sempre no tudo pela sobrevivência, pela idolatria ao capital e ao consumismo. Cada um adota o modelo do si mesmo na busca da satisfação pessoal, do seu sonho, da felicidade, ainda que não seja tão real como se pensa. Estamos vivendo tempos sombrios que seguem o seu curso.
Pelas conquistas, a luta é mais travada no campo individual que coletivo. Faz-se de conta que tudo é normal e natural nessa conturbada vida passageira entre o nascer e o morrer. Praticamente não mais se reflete sobre a finitude, como se ela não existisse, daí a arrogância, o orgulho, a ganância e a prepotência. O outro ao lado, pouco importa se está bem ou não.
O trabalhador acorda cedo para bater o ponto, o pobre miserável do casebre e da favela, em meio ao tiroteio da bala perdida, passa fome e espera por uma campanha de doação. Os golpistas miram suas próximas presas, o poeta faz sua poesia, o escritor escreve seu livro, o filósofo sua análise, o psicólogo e o sociólogo seu prognóstico, o jornalista vive da notícia, o operário é escravo do patrão, os políticos e os governantes fazem seus conluios contra o povo, enquanto a tempestade da destruição leva tudo pela frente.
São tantos horrores ocorrendo ao mesmo tempo no planeta terra que este século XXI entra com a cara das trevas, apesar dos avanços tecnológicos (a inteligência artificial) e científicos em geral, muitos dos quais nos amedrontam. Do outro lado, vejo as pessoas hipnotizadas, como se nada estivesse ocorrendo de anormal.
Levantei hoje a pensar no que escrever nesse meu cotidiano da vida, e pela minha cabeça bateu esse turbilhão de fatos e acontecimentos, não dignos de louvor, que estão assolando a humanidade. Nos noticiários, as telas de televisão, as redes virtuais nos celulares, as rádios, outras mídias e ainda os jornais impressos (poucos leem) invadem nossos lares, escritórios, ruas e avenidas e até no campo com cenas apocalíticas.
Ouço muitos falarem de futuro ainda pior e sempre digo que já estamos navegando dentro dessa nave incerta descontrolada pelas turbulências, só que o labor extenuante da vida pela busca existencial não nos deixa enxergar que a humanidade está se autodestruindo. A impressão é que sou atraído a escrever sobre o aterrorizante e não olho o outro lado bom da história. Será que sou mesmo um terrorista?
Talvez seja assim um tanto trágico das novelas e peças gregas da antiguidade, ou o profeta das lamentações do Antigo Testamento. Que me perdoem, mas é minha maneira única de ver esse conjunto de atos desumanos que nos chamam para estarmos sempre em eterna vigilância.
Muitas vezes, por ser mais cômodo, preferimos o silêncio e banalizamos o anormal diante das tiranias de mandatários opressores neonazistas que promovem massacres em massa, de políticos ditadores e extremistas eleitos por um povo em desespero que se agarra ao pior como tábua de salvação. Pula de um barco afundando para outro aparentemente seguro.
Após séculos de depredação, poluição, incêndios nas florestas e gases tóxicos no ar, a natureza se revolta na forma das bruscas mudanças climáticas, com terremotos, ciclones, tufões, tempestades de areias e um calor de até 50 graus. Colocamos tudo na culpa do El Nino, enquanto nós é que somos os “meninos” malvados do aquecimento global. A humanidade chegou ao ponto do irracional incorrigível porque se recusa a admitir o terror.
HISTÓRICA! SAUDAÇÕES TRICOLORES!
Era um 4 de novembro de 2023 num sábado à tarde quando terminaram os hinos nacionais e a bola rolou no olimpo do Maracanã no primeiro apito do juiz. A sorte estava lançada. Ave te César!
Em campo a disputa pelas Libertadores – uma homenagem aos nossos heróis da independência e da liberdade das nações da América do Sul – entre o Fluminense e o Boca Juniors, da Argentina.
No toc, toc do Flu, de passes curtos na pequena área, o coração do torcedor ficava mais apertado e começava a acelerar, nervoso com os olhos grudados na tela. A bola corre rasteira na grama como uma seta de pé em pé e, às vezes, ela voa como uma pomba para o atleta lá na frente amaciar a “criança” no peito ou na ponta da chuteira.
A plateia colorida é só poesia e plasticidade no estádio, com suas bandeiras, caras pintadas e cartazes de campeão. Gritos de incentivo, manifestações, apreensões e expectativa misturados entre crianças, jovens, adultos e idosos. Mulheres e homens numa só sintonia energética.
A multidão com a voz entalada na garganta para soltar pela primeira vez a histórica saudações tricolores de campeão internacional, especialmente os de idade mais avançada como é o meu caso. Será que vou para o outro além da margem sem esse título inédito? Como protesto, não vou pagar o barqueiro do rio e ele vai dispensar.
A bola insiste em não entrar. O ataque do adversário era como se fosse a angústia de um toureiro na arena ou de um gladiador romano no Coliseu. Me agarrava ao meu boneco “Pó de Arroz”, às cores da bandeira e a outros símbolos. “Aqui dorme um tricolor”. Do outro lado, a nossa investida e arrancadas dos meninos acendiam a fé e a esperança nos lances de se levantar da cadeira e sair levitando no ar.
O Flu envolve, atrai os argentinos, cutuca dali, de lá e cá, instiga com todo sangue e suor até que aparece a fatídica na medida certa para o Cano, com sua batida fatal de primeira empurrar a “menina” para o fundo das redes e fazer os corações “explodirem” num só ritmo de alegria e emoção. No entanto, o “inimigo” na “guerra” é impiedoso e não perdoa fazendo 1 a 1. Silêncio sepulcral, mas a crença continua grudada nas camisas verde, branca e grená.
O tempo parece se eternizar para uns e voar para outros. O técnico Diniz, ora pensativo, ora nervoso e alterado na linha divisória não para de passar instruções para Fábio, Marcelo, Nino, Samuel, Ganso, André, Braz e os outros companheiros de luta até que resolve mudar as peças.
O intervalo é como uma trégua que o general tem para montar suas estratégias e retornar com força total na hora de avançar e recuar. Estamos em plena segunda etapa, a mais decisiva e crucial. Os corações não aguentam mais até que ele chama o menino John Kennedy, nome de presidente, e com toda garra e pulmões profetiza que ele vai fazer o gol da vitória.
Os minutos vão se encurtando e a aflição chega ao seu pico. O nervosismo toma conta de todos, mas os jogadores permanecem em seu ritmo do toc toc, procurando deixar o Boca atordoado até a redonda arredondar nos pés do predestinado John, para mais uma vez, enfiar a danada teimosa no canto do goleiro.
Foi a maior explosão que já vi e senti, indescritível e sem palavras. As cenas de comemorações entre atletas e torcedores dizem tudo. Estava ali se aproximando a histórica saudações tricolores.
Agora era só esperar o apito final e levantar a taça. Parece que os segundos não passam e a aflição toma conta das nossas almas. O sangue corre rápido nas veias, o coração pulsa forte até o final da batalha, de é campeão das Américas, nesse 4 de novembro de 2023. Só nos resta partir para a disputa do mundial.
AS BOMBAS VÃO CONTINUAR A CAIR
Carlos González – jornalista
Passados os quatro dias dessa trégua, em que foram libertados, num primeiro instante, 13 reféns (mulheres e crianças), em mãos do Hamas, e 39 palestinos (menores e mulheres), confinados em prisões de Israel, os bombardeios israelenses ao norte e sul de Gaza serão retomados “com força total”. A promessa é do ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallanti”.
Gallanti, que se refere aos palestinos como “animais humanos”, estava naquele momento repetindo as palavras do seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. A missão do seu exército nesse jogo, onde há apenas um time em campo, não é somente de eliminar o Hamas. Israel quer tornar realidade um sonho de quase 80 anos: estender suas fronteiras, ocupando inteiramente os territórios de Gaza e da Cisjordânia, ampliando as restrições impostas aos palestinos, como, por exemplo, a liberdade de ir e vir.
“Bibi” Netanyahu, que já ameaçou avançar sobre o Líbano, na perseguição ao grupo terrorista Hezbollah, não respeita as resoluções tomadas pela ONU e, muito menos, a Carta das Nações, da qual é um dos signatários. São frequentes suas violações aos direitos humanos, além de cometer crimes de guerra. Nas prisões israelenses há 7.200 palestinos, incluindo 88 mulheres e 250 menores, muitos deles sem culpa formada.
A participação da diplomacia do Catar foi decisiva para que as partes em conflito fechassem um acordo. Importante também foi a pressão dos Estados Unidos e dos familiares dos reféns ao governo do primeiro-ministro israelense, que se mostrava inflexível em negociar com o Hamas.
Nesse período de trégua, 200 caminhões entrarão por dia no norte da Faixa de Gaza, levando o que se convencionou chamar de ajuda humanitária para 2 milhões de pessoas que perderam tudo e não sabem para onde ir e o que lhes espera nos próximos dias.
Uma criança é morta a cada 10 minutos em Gaza. A informação é do diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Ninguém está a salvo em nenhum lugar”, revelou o dirigente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Segundo ele, o sistema de saúde do território palestino está “de joelhos”.
Ghebreyesus relatou a situação desesperadora do sistema hospitalar local: “Os corredores dos hospitais estão lotados com feridos e pessoas desabrigadas; médicos operando sem anestesia; necrotérios abarrotados” O complexo hospitalar Al-Shifa, o maior da região, suspendeu as cirurgias por falta de combustível para os geradores de energia elétrica.
Munição pesada de artilharia do exército israelense atinge diariamente as proximidades dos hospitais, sob a justificativa de que suas instalações servem de base para o Hamas, e que sob o piso dos prédios há uma rede de túneis utilizados pelo grupo terrorista.
A Faixa de Gaza, com 6,020 km2 e uma população 4,9 milhões de habitantes, se transformou em 45 dias num cemitério a céu aberto em terra arrasada, onde já morreram mais de 13 mil palestinos, vítimas dos bombardeios diários do poderoso exército de Israel. Na Cisjordânia, soldados e colonos israelenses já expulsaram mais de mil palestinos de suas terras. Os que se recusam a sair são assassinados. Aqueles que se sentem ameaçados pedem ajuda de fora, inclusive ao Brasil.
O ataque impiedoso do Hamas a civis israelenses na noite de 7 de outubro foi providencial para “Bibi”, alvo de protestos do seu povo, que o acusava de corrupção e de enfraquecer o Judiciário. No dia seguinte, ele iniciou a invasão de Gaza, ação que contou com apoio dos Estados Unidos, Grã Bretanha e França, sob o pretexto da necessidade de defender o país.
A comunidade judaica está aterrorizada na Europa. Seus membros receiam sair às ruas, mandar seus filhos à escola ou ir às sinagogas; a suástica é pintada nas fachadas das casas e cemitérios israelitas são violados. A França e Alemanha registraram mais de 1.200 ocorrências de antissemitismo nas últimas semanas, com a prisão de 486 acusados.
No Brasil, ao contrário, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) conseguiu na Justiça censurar o jornalista Breno Altman, fundador do site Opera Mundi, que tem combatido o que ele chama de “regime de apartheid construído pela liderança israelense”. O jornalista, que é judeu, afirma que “a Conib, ao buscar me censurar, volta-se contra a liberdade de expressão e de imprensa, revelando as entranhas do autoritarismo típico da doutrina que professa”.
A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA E A ABOLIÇÃO NA “PÉROLA DAS ANTILHAS”
Os negros cativos de São Domingos (hoje Haiti – “Pérola das Antilhas”) conseguiram a abolição da escravatura em 29 de agosto de 1793, mas a luta só foi totalmente consolidada com a independência, decretada em 1º de janeiro de 1804. Era a segunda independência nas Américas, após a dos Estados Unidos, em 1783.
Quem conta toda essa história é o escritor Marcel Dorigny em seu livro “As Abolições da Escravatura no Brasil e no Mundo”, no capítulo “A Primeira Abolição da Escravatura (1789-1804). Em “o fracasso da abolição do tráfico” (1789-1790), ele narra que a ofensiva contra o comércio negreiro foi inaugurada pelos ingleses através de uma moção parlamentar entregue a William Wilberforce, em maio de 1788.
No entanto, um lobbie ligado às colônias e aos armadores se mobilizaram contra a proposta com 14 mil assinaturas recolhidas em Liverpool. O projeto foi rejeitado. Do outro lado, os fundadores da Sociedade dos Amigos do Negros, de Paris, acompanharam os debates e seguiram a escola inglesa numa força conjunta pela abolição do tráfico.
Os dirigentes da Sociedade, liderados por Condorcet, lançaram em todo país francês uma vasta campanha contra o tráfico, mas não diretamente contra a escravidão em si. Nessa linha, um parlamentar inglês abriu a discussão no sentido do governo reduzir as comissões pagas para estimular o tráfico negreiro.
No início de 1789 o foco das proposições era a abolição do tráfico, mas, por detrás disso, questionava-se a abolição da escravatura. Da Inglaterra, o avanço voltou-se para Paris a partir da Declaração dos Direitos do Homem, votada em 26 de outubro de 1789, cujo artigo primeiro dizia que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”.
Mesmo assim, segundo Marcel, a lei colocava de fora a escravidão e o tráfico. Nesse contexto, a Sociedade Amigos dos Negros confiou ao parlamentar Mirabeau a missão de preparar um discurso contra o tráfico negreiro com o fim de arrancar uma lei de abolição de todo comércio de seres humanos. O trabalho mobilizou toda uma equipe de políticos, como Étienne Dumont, Étienne Clavière, Salomon Reybaz e o inglês Thomas Clarkson.
Com objetivo de sensibilizar a opinião pública, Mirabeau recorreu a fortes ilustrações de mortes e castigos impostos aos negros, como as máquinas de abrir a boca dos cativos para alimentá-los à força. Na verdade, o discurso não chegou a ser proferido, mais uma vez por causa dos movimentos em favor das colônias e dos armadores de navios.
O famoso discurso só foi lançado em 22 de março de 1790 diante da Sociedade dos Amigos dos Negros, só que não houve repercussão devido ao boicote dos conservadores. O assunto deixou de existir nas assembleias revolucionárias até que o deputado Grégoire retomou a questão, em 27 de julho de 1793. Uma convenção resolveu, então, acabar com o subsídio da República concedido ao tráfico.
Os “livres de cor”, mestiços e negros das colônias passaram a reivindicar os direitos civis e cívicos do artigo primeiro da Declaração dos Direitos Humanos. Os colonos reagiram e chegaram a excluir essa categoria de libertos das assembleias, criadas pelo decreto de 28 de março de 1790.
Diante disso, os “livres de cor” de São Domingos resolveram, no final de 1790, pegar em armas, seguindo o exemplo dos parisienses que tomaram a Bastilha. Mal organizados, os revoltosos foram logo esmagados e seus principais líderes Vicent Ogé e Jean-Baptiste Chavannes condenados ao apedrejamento em praça pública, em 25 de fevereiro de 1791. Os outros foram enforcados e sentenciados às galés.
Apesar do fracasso, as ideias de liberdade não deixaram de existir e tiveram um fértil terreno na cisão dos adversários que estavam em guerra, como a Inglaterra, França, Holanda e Espanha, que aliviaram a repressão. Outra rebelião começou em 23 de agosto de 1791, perto de Cap-Français, a partir de uma cerimônia noturna mágico-religiosa, de inspiração vudu e mesclada a ritos cristãos, no “bosque Caiman”.
Desse ato, 54 escravos prometeram jurar por liberdade. Boukman, letrado, vindo da Jamaica, foi o mestre da cerimônia. Logo foi morto, mas continua como um mito no Haiti. A Assembleia da França enviou tropas para combater os rebeldes, mas depois, como manobra, decidiu criar um decreto para aproximar brancos e “livres de cor”, concedendo a estes direitos políticos.
Dominada pelos partidários de Brissot, a Assembleia enviou três comissários a São Domingos (Léger-Felicité Sonthonax, Étienne Polverel e Ailhaud), para fazerem valer o decreto. Eles chegaram em 1792 em meio a uma guerra entre espanhóis e ingleses. A comissão fracassou e tiveram como saída a abolição, em 29 de agosto de 1793.
Abolida a escravidão, três novos deputados representando o povo de São Domingos foram eleitos e enviados a Paris, sendo eles Louis-Pierre Dufay (branco), Jean-Baptiste Mills (mestiço) e Jean-Baptiste Belley (negro). Eles chegaram em Paris em 1794 e foram detidos, mas soltos depois quando relataram tudo o que estava ocorrendo na colônia.
A convenção votou pela abolição da escravatura em Haiti, estendida às outras colônias, mas na prática a escravidão continuou em Guadalupe e na Guiana, conquistada tempos depois, em dezembro de 1794. Pela lei de 1º de janeiro de 1798, as colônias foram transformadas em departamentos.
Após o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, uma nova Constituição ignorou a integração das colônias, abrindo caminho para o restabelecimento da escravidão, principalmente com o fim da guerra com a Inglaterra (Tratado de Londres – 1801 e de Amiens – 1802). Em Guadalupe houve uma forte repressão e a escravidão voltou em 7 de julho de 1802. Em São Domingos, o enviado de Napoleão, seu cunhado Emmanuel Leclerc, se deu mal.
O exército indígena, liderado pelos generais Toussaint Louverture, Jean- Jacques Dessalines e Jérôme Péttion conseguiu vencer a reconquista militar da colônia. Apesar da captura de Louverture, morto depois em Paris, as tropas francesas, comandadas por Rochambeau, capitularam em 18 de novembro de 1803.
A escravidão não foi restabelecida e São Domingos se tornou República do Haiti, em 1º de janeiro de 1804. “Assim, a Revolução Francesa nas colônias foi marcada pela revolta vitoriosa dos escravos de São Domingos, que lhe impuseram uma abolição radical da escravidão, estendida às outras colônias…” – conforme assinalou o escritor e historiador Marcel Dorigny.
HAIKAI OU VAIKAI?
(Chico Ribeiro Neto)
Costumo escrever com frases graúdas, mas hoje enveredei pelas miúdas. Isso é haikai? Difícil responder. Melhor consultar o poeta Carlos Verçosa, autor de belos haikais, como este:
“destino
se digo um a
desatino”
Na dúvida, resolvi enquadrar meus versos na categoria Vaikai (ou Vai que cai). Aqui vão eles:
Ele disse rumbora
Trancou a alma
E jogou a chave fora
XXX
Se Ana Rica deve 14 milhões
O que pensa Chico Pobre
Com os seus botões?
XXX
Fiz um relógio da casca do caranguejo
Pra marcar os minutos
Das horas que não te vejo
XXX
Não sabe que fim se deu
Foi lembrar
Mas esqueceu
XXX
De tão furibunda
A mulher mordeu
Sua própria bunda
XXX
Menino pintão
Transformou a galinha
Num avião
XXX
Calor retado
Dormir nu
Ventilador ligado
XXX
Se lenhou
O último gole de cerveja
O garçom levou
XXX
Deu a notícia de imediato
E correu logo depois
Para criar o fato
XXX
Vê TV o casal
E só conversa
No comercial
XXX
Sargento lê e ouve da mulher:
“O jornal tá de cabeça pra baixo”
“Polícia lê como quer”
XXX
Não tem porém
Me diga moço
O mar vai ou vem?
XXX
Coisa sozinha
Velho cata um arroz
No chão da cozinha
XXX
Velho em fila do mercado
Xinga os preços
E o velho do lado
XXX
E aí Serafim?
Na hora do chega
Ela não tava a fim
XXX
Na hora da dor
Come um Sonho de Valsa
Ou uma Serenata do Amor?
XXX
Aí ninguém chama
Desliga o celular
E bota embaixo da cama
XXX
Vendo coração usado
Maiores informações
Com a vizinha do lado
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
LIVROS, ÁRVORES E SOMBRAS
Dizem que para você ser realizado na vida tem que ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Não é propriamente uma máxima e nem é só isso que devemos fazer nessa curta travessia da ponte para o outro lado, mas vale pela força das palavras que nos deixam mais fortes para as lutas diárias. Lembrei desse pensamento ao flagrar com minhas lentes a exposição de vários livros debaixo de uma árvore no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima durante a I Fliconquista – Feira Literária de Vitória da Conquista. É como se fosse uma prosa debaixo de uma sombra. Não deixa de ser poético e significativo. Os dois representam a vida. Livro e árvore são fontes de alimento para o espírito e, infelizmente, são tão maltratados e vilipendiados nos tempos modernos e desumanos onde se idolatra o capital, ao invés de se valorizar e cuidar bem do meio ambiente e do livro. Lemos pouco para expandir nossos conhecimentos e saber, e derrubamos e incendiamos nossas árvores que nos dão oxigênio para respirarmos. No campo (não se faz muito isso nas cidades) como é bom prosear debaixo de uma árvore frondosa numa sombra fresca em sol escaldante. O livro também é uma sombra fresca onde você bate um bom papo com o autor e viaja dentro da sua imaginação, seja qual for o gênero. Livro e árvore são símbolos da vida que devem ser preservados e admirados com todo carinho e zelo. Ambos são puras poesias e brotam flores perfumadas e dão frutos existenciais. São eternos e imortais. Eles merecem louvor porque emitem amor e paz quando estamos triste, deprimidos, desanimados, sem fé e esperança diante de tantas intempéries do mundo atual.
AURORAS DO MENINO POSSÍVEL
Depois da ponte, a fazenda Natal;
A casa azul, adiante, no caminho.
Na Avenida Baér, os carroceiros
Acomodam arreios e alimárias.
De calças curtas ou calção de banho,
Ia com o primo manco de menino,
Sempre de tarde, quando o sol morria,
Tomar banho no Poço do Curtume.
Moço cordato e companheiro que era,
Ensinou-me a nadar no calmo rio.
Comecei pelo nado-cachorrinho;
Logo braçadas e depois mergulhos,
Só voltando de lá no lusco-fusco,
Quando o sino dobrava Ave-Marias.
Poema do meu digníssimo professor na Faculdade de Jornalismo da UFBA e colega de redação do jornal “A Tarde”, Florisvaldo Mattos, o Flori, para os mais íntimos, nasceu em Uruçuca-Bahia, poeta, jornalista, exerceu cargos em vários jornais, como editor-chefe do Diário de Notícias e no A Tarde. Foi chefe da Sucursal na Bahia do Jornal do Brasil, editor do Caderno Cultural do A Tarde, premiado em 1995 pela Associação Paulista de Críticos de Arte como melhor do Brasil no quesito de Divulgação Cultural. É membro da Academia de Letras da Bahia. Dentre outras obras poemas publicou Reverdor (1965), Fábula Civil (1975), Mares Anoitecidos (2000), Galope Amarelo e Outros Poemas (2001), Poesia Reunida e Inéditos (2011) e participou de antologias poéticas nacionais e internacionais.
“ESCÂNDALO”, BRADAM OS ARGENTINOS
Carlos González – jornalista
“Escândalo” foi o termo mais usado pela imprensa argentina para qualificar as agressões sofridas por torcedores do país vizinho nas arquibancadas do Maracanã. Claro, a Polícia Militar do Rio de Janeiro executou as ações violentas, mas quem foi o responsável por não separar as torcidas, como é normal em jogos onde a rivalidade tem a maior relevância. Há casos de partidas com torcida única, como os Ba-Vi em Salvador.
O que mais causou indignação dos argentinos foi observar nitidamente pela televisão que os policiais brandiam os enormes cassetetes contra uma minoria, quando os incidentes entre as duas torcidas, com ampla vantagem numérica de brasileiros, era generalizada. Alguns argentinos tiraram as camisas para não serem identificados, enquanto outros sangravam no rosto e na cabeça.
“Isso sempre acontece no Brasil”, exclamou Lionel Messi ao observar as cenas de selvageria. Liderando seus companheiros de seleção partiu em direção às arquibancadas, numa tentativa de ajudar seus compatriotas. O goleiro Martinez chegou a arrancar o cassetete das mãos de um policial.
A atitude de Messi, que chegou a colocar em dúvida a realização da partida, surpreendeu a todos, porque o melhor jogador do mundo, eleito pela FIFA, revelou em toda sua carreira um comportamento passivo, nunca se envolvendo em confusões dentro do campo. Em sua última apresentação em solo brasileiro Messi admitiu que não jogou bem, “porque estava mais preocupado com a segurança dos “hinchas” nas arquibancadas”.
Rodrigo Paiva, eterno assessor de imprensa da CBF, questionado sobre a ausência de divisão de torcida, explicou que o “o mando de campo é nosso, mas a organização do jogo é de responsabilidade do Consórcio Maracanã”. Acrescentou que “a CBF não é polícia para definir a estrutura de isolamento”.
Vamos acabar com essa falácia de apontar argentinos e uruguaios como catimbeiros e violentos. No jogo de ontem, o Brasil cometeu 26 faltas, muitas violentas (o uso do cotovelo no rosto do adversário virou uma prática comum entre nossos jogadores); a Argentina, 16. Os brasileiros receberam dois cartões amarelos e um vermelho (jornalistas patriotas não viram o tapa desferido pelo desconhecido Joelinton no rosto de De Paul).
Recentemente, Argentina e Uruguai (a rivalidade entre os dois países é muito grande) se enfrentaram pelas Eliminatórias no “alçapão” da Bombonera, em Buenos Aires. Assistida por mais de 70 mil torcedores, a partida terminou em paz, com vitória da seleção visitante.
Três derrotas consecutivas e o primeiro revés em eliminatórias no Maracanã. É preciso reconhecer que já não temos o melhor futebol do mundo; caímos ao nível de colombianos e equatorianos; praticamos um futebol cheio de faltas e atitudes antiesportivas, como a irritante “cera”; nossa seleção tem 90% de “estrangeiros”, desconhecidos para o torcedor; a Europa está mil anos-luz na nossa frente.
Durante os 25 minutos que a seleção da Argentina permaneceu no vestiário do Maracanã, determinada a não jogar, o dirigente que mais se movimentou no estádio, com o objetivo de reverter aquela situação, foi Claudio Tapia, presidente da AFA (Associação de Futebol da Argentina). A presença do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues não foi notada.
Segundo os críticos de Ednaldo na imprensa do Rio e de São Paulo, que o discriminam por ser nordestino, o ex-jogador da várzea de Vitória da Conquista estaria evitando “bater de frente” com os dois metros do seu colega argentino. “Uma vergonha! Ednaldo se acha o rei do futebol. Deveria deixar o cargo…”, bradou Galvão Bueno.
Para outros, Ednaldo ainda estaria em Salvador festejando o título do seu time, o Vitória, campeão da série B de 2023. Coincidência ou não, durante os 16 anos como presidente da FBF (Federação Baiana de Futebol), o dirigente avalizou 12 dos 29 títulos de campeão baiano conquistados pelo clube rubro-negro em 124 anos de existência.
UM VENDEDOR DE POESIAS
Uma alimenta o corpo e a outra a alma, o espírito. Estou falando das feiras de produtos agrícolas, de cereais, carnes, frutas, mantimentos em geral, bugigangas e tantos outras coisas nas pequenas e grandes cidades, com seus cheiros, sabores e cores, onde acontecem os encontros e encantos através das amizades do bom bate-papo, e das literárias com suas ideias, pensamentos, conhecimentos, saberes e livros de autores de diversificados gêneros. Ambas são culturais, uma mais popular, mas ricas.
Tanto numa como na outra existem aqueles bons vendedores propagandistas e comunicativos que, num bom argumento, sabem atrair o cliente para negociar o “seu peixe”, seja numa barraca, num cantinho qualquer, no chão, na mão ou num estande. Não importa se o local é confortável ou estratégico. O que mais conta como arma principal é a palavra, esta que vem do alto e sai da mente com aquela força que arrebenta corações.
Na I Fliconquista – Feira Literária de Vitória da Conquista. que foi encerrada neste domingo (19/11/23), tive o grande prazer de conhecer esse bom vendedor, mas de ideias e poesias, de conversa agradável e cativante, que segue como um peregrino ou mochileiro de longas caminhadas e histórias para contar. Onde chega ele vai logo pedindo passagem com seu axé.
Trata-se do nosso poeta José da Boa Morte que veio lá da capital, numa distância de pouco mais de 500 quilômetros num ônibus tipo comercial, mais conhecido como “pinga-pinga” que para em todos lugares. Com sua mochila de imaginações e sonhos, não teme a hora desde que cheguei em seu destino das letras. É isso ai, seu Zé da travessia.
Com seu jeito simples e matreiro, atento a tudo que ocorre em seu redor, ele pode ser chamado de o rei das feiras literárias porque está sempre presente nelas. Na Bahia ou em outros estados, lá está o José cortando estradas, encurtando distâncias entre as veredas e comendo poeiras.
Olho no olho, falante e contador de causos, usa até seus repentes para vender suas poesias, como Amor e Risos (Sem Fronteiras), livretos “ArtPoesia”, da poetisa goiana Cora Coralina (134 anos), Maria Firmina dos Reis, uma negra que canta a liberdade (Poesia, Prosa e Amor) e tantos outros escritores e poetas de renome. Em sua sacola, o perfume das flores.
Tive o privilégio de ficar ao seu lado num estante da Fliconquista e aprendi muitas coisas, como abordar o leitor e ser um bom vendedor de ideias. Fizemos uma parceria onde um vendia a obra do outro quando precisávamos dar uma saidinha e até participar de algumas atividades que rolavam na feira.
“Daqui do telão, ouvi sua palestra sobre Cenas de Resistências na História de Conquista e adorei, uma potência de informações” – disse-me o Zé. Não sou muito de ligar para elogios, mas quando é sincero, sinto que a missão foi cumprida e o recado foi dado. O fundamental é a mensagem que fica, mesmo que seja uma só pessoa.
Sempre se diz que o escritor, como o artista de outra linguagem qualquer sabe fazer sua arte, mas se enrola e tropeça quando parte para comercializar seu trabalho ou entrar nesses editais burocráticos, mas José aprendeu a se virar na hora de conquistar um novo leitor. Se o sistema é assim, quem está na chuva é para se molhar. Ele vai com ânimo e não desiste, mesmo quando recebe um não.
José da Boa Morte, em homenagem à Irmandade da Boa Morte, de Cachoeira – Bahia, contou que no seu primeiro dia da feira em Conquista, na quinta-feira (dia 16/11) não vendeu nada e quase retornava, mas repensou e enfrentou com coragem os outros dias. “Não posso ser vencido logo no primeiro dia”. “E agora José”? Tem uma pedra no caminho, mas é só retirá-la. Se perdeu a chave, existe outra forma de entrar.
Não se abateu e se deu bem. Ele me fez lembrar do bom barraqueiro das feiras livres que, com sua voz firme na garganta e simpatia, chama o cliente para si mostrando a qualidade do seu produto. Vai chegando meu povo que aqui tem coisa boa – grita o bom feirante! Nessa hora, não adianta ficar pensando em crises. Na literatura, acontece o mesmo.
O livro, a abóbora, a melancia, o pepino ou uma verdura têm suas peculiaridades e gostos diferentes, mas são iguais na mão de um bom vendedor. José escolheu o mais difícil e vai rompendo trilhas, conhecendo gente nesse mundão e acreditando em sua arte de escrever e vender.
É o José das ideias e das poesias. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” – já dizia o cancioneiro Geraldo Vandré, o Boby Dilan do sertão nordestino. “Para não dizer que não falei das flores”. Lá vamos nós cruzando a ponte e pedindo passagem nas travessias.