:: ‘Na Rota da Poesia’
MINHA FILHA DOWN
Poema inédito do jornalista e escritor Jeremias Macário
Sou continente e ilha;
Navegante errante,
Dessa insensata nau.
Esse meu verso e canto,
É para minha filha Down,
Que perdoe meu egoísmo,
Por tanto lidar com esse ismo,
Que me deixa confuso,
Mas seu olhar de ver,
Acalanta o meu ser.
Sou deserto e mar,
Horizonte finito e infinito;
Você é facho de luz,
Ternura que me conduz;
Desculpe esse meu ego conflito;
Sou como vento cortante;
Você rosa perfumante.
Minha filha Down!
Sou dúvida do sentido sentir;
Você é certeza do existir,
Sem pecado, imaculada,
Pedra reluzente preciosa,
Alma de encanto formosa,
De pura beleza sideral:
Down estrela da natureza,
Do ventre da mãe Tereza.
CABARÉ PÉ DE SERRA
Mais um poeminha inédito do jornalista e escritor Jeremias Macário
A terra pegando fogo em guerra,
E eu aqui nesse cabaré
Do Nordeste pé de serra
Dos poros transpiro sofrência
Nas luzes ultravioletas
Bani da alma toda crença
Sem mais fé e consciência
Sangrando pela Julieta
Que na cama me traiu
Com um cara de nome Capeta
Sem você acabou melodia
Tô pior que cachorro de rua
Vira-lata todo pulguento
Ninguém cura meu sofrimento
Nem sei mais o que é noite e dia
Nem vejo o sol, nem vejo a lua
Nesse cabaré pé de serra
Entre mulheres quebrantes
Só vejo o rosto de Julieta
Com suas coxas rebolantes
Nesse cabaré pé de serra
Como cartucho na linha de frente
Nem sei mais o que é ser gente
Na embriaguez dessa agonia
Ninguém escuta meu pranto
Sou como papel em branco
Na lagoa uma simples gia
Um inseto lá no canto
Jogado numa sarjeta
Por aquela ingrata Julieta
Que fugiu com o Capeta.
AÇÚCAR É ESCRAVIDÃO
Mais um poeminha inédito de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
A África fez o Nordeste,
Nação de grandes mestres;
Açúcar é cristal escravidão,
No melaço amargo da cana;
Fogo fervente da escuridão,
De cativos vindos de Gana;
Negreiros Benin e da Guiné:
Massacres de religião e fé.
Açúcar é escravidão,
Do tráfico negreiro malvado,
Nas borbulhas do caldo;
Fornalhas caldeiras do inferno;
Tachos melados no cobre,
Suor no couro subalterno,
Do senhor engenho nobre:
Açúcar é ouro e escravidão.
Açúcar é escravidão,
Nas correntes e algemas de ferro;
Chicote lacerado do corpo,
Moído no vinagre e no sal,
Da última dor, morto no berro;
No corte do feitor do canavial;
Lenhas nas ventas das bueiras;
Facão afiado, cantante vigilante,
Pra mutilar moedeiras:
Açúcar é escravidão.
RADICAIS DO GELO
Mais um poeminha inédito de autoria de Jeremias Macário
Das rampas voam homens-pássaros;
Suave pouso das pranchas no gelo;
Nos esquis, alturas de aros;
Descidas radicais dos picos:
Montanhas de adrenalina riscos,
Rasgando flocos,
Nos blocos de gelos:
Grass-grass, chaps-chaps!
São Jogos poéticos de Inverno,
De imagens do eterno:
Sê-los atletas radicais do gelo.
Radicais do gelo!
Peles macias, plasticidade,
Desafios da gravidade;
Deuses da mocidade:
Sê-los radicais do gelo.
Mobilete dos trenós,
Cento e trinta de velocidade,
Seguindo os sinais
Nas curvas de nós:
Lá vão deslizando sem medo,
Os radicais do gelo.
Radicais do gelo!
Nos pares patins-patinação:
Arremessos no ar;
Espiral da morte;
Giros espelhados,
No bailado vento esvoaçar;
Ou no individual surreal,
Ao som galopado de Ravel;
Leveza da poesia feminina;
Idade jovial menina:
Sensualidade, sabor de mel,
No sorriso de cada nação:
Sê-los radicais do gelo.
MOMENTOS DE TORMENTOS
Nova autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
A noite rasteja lentamente;
Lá fora, sacodem ventos:
Tiram a visão dessa gente,
Nos momentos de tormentos.
A bruxa acende sua tocha,
Pra afastar corvos agourentos,
Que querem sugar minha mente,
Nos momentos de tormentos.
O sol demora a raiar,
Para espantar meu sofrimento,
Dessa peste, sufoco sem ar,
Como trevas brocar meu pensamento,
Nos momentos de tormentos.
Esse templo está contaminado;
A cancela abriu para os demônios;
A saudade não mais dói;
Só ficou o buraco no peito,
Estendido em meu solitário leito,
Que me corrói,
Nos momentos de tormentos.
A abelha fabrica o mel;
Em sua colmeia faz a ceia;
A aranha tece sua teia;
A formiga, seu formigueiro;
O ser humano destila raiva e fel;
Só sabe separar bem e mal;
Cada um com sua flor e dor,
Com seu conflito existencial,
Nos momentos de tormentos.
O MOCHILEIRO
De autoria de Jeremias Macário (uma nova versão)
Pelas brenhas do mundo,
No recanto mais profundo:
Sou mochileiro do agreste,
Água caindo das cachoeiras,
Rasgando todas fronteiras,
De norte-sul, leste-oeste.
Gira-planeta do tempo!
Mochileiro do vento!
Na hora do aqui e agora;
Sandália do asfalto-poeira,
Cruzando cancela e porteira,
Sempre um passo à frente,
Nessa multidão de tanta gente,
De ideário valente libertário.
Por estrada estranha diferente,
Como caravana cigana;
Latino-americano, euro-indiana;
Cantante mochileiro romeiro,
Com sua milenar filosofia,
Mochileiro da travessia.
Filho do mar, ondas de areias,
Sem intolerâncias nas veias;
Bravo andante, tocha amante;
Cometa de alma universal;
Estrela do Cruzeiro sideral;
Poente vermelho e nascente.
SALVABOA
Nova versão, de autoria de Jeremias Macário
SalvaBoa, navegar de saveiro!
Conhecer um Terreiro;
Velha e antiga Lisboa,
Onde nasceu o fado;
Misturar Amado com Pessoa;
Em Belém, com muita fé,
Mirrar a Torre, comer pastel,
Ou passear pelo Sodré.
Da Piedade, São Bento/Pelourinho;
Chile, Praça de Thomé,
Na Salvaboa, em todos cantos,
Olhando cada pedacinho;
O mar de Todos os Santos;
Soledade a Liberdade,
Pode-se ir a pé, numa boa,
Vendo Lacerda/Catedral da Sé.
Do Contorno da Gamboa,
Lembro da minha Lisboa,
Dos azulejos no casario;
De Nazaré, como quiser,
Ou do Canela a Paralela,
Corre-se noite e dia,
Pra preencher o vazio,
Desse PIB que diluiu.
De Ondina-Amaralina, coroa,
Passe uma “Tarde em Itapuã”,
Do poetinha, o seu fã,
No céu azul da Salvaboa.
De lá, vá ao Abaeté;
O avião rasga o vento;
Esqueça o senhor tempo;
Ouça o samba e o axé,
Ou o relincho do jumento;
Siga até o aeroporto,
Pelo túnel do bambuzal,
E leia notícias do jornal.
NAS TRINCHEIRAS
NAS TRINCHEIRAS
De Danilo Jamal, em seu livro “POESTO – Ação Direta”. O autor é um artista de rua, poeta inquieto, ousado, contestador e engajado com questões concernentes à comunidade negra, principalmente periférica, segundo palavras de Marilza Oliveira, que prefaciou sua obra.
Pelas trincheiras da sociedade
Observando o submundo da maldade,
Dói a realidade…
Embora tudo isso seja verdade,
Existe algo que nos trava.
Falta mais sentimento…
Muito mais alma
Para sairmos da fornalha
Que queima os corações sofredores.
Digam-me senhores,
Felizes com seus horrores?
Mas é isto.
A massa gosta de atores.
MAR PORTUGUÊS
Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzamos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosse nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
DE VEZ PRIMEIRA
Mário Quintana
Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha…
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha…
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada…
Arde um toco de vela, amarelada…
Como o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!
Este poema está no livro Mário Quintana “Prosa e Verso”. São textos variados