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:: ‘De Olho nas Lentes’

A FLOR DO CACTO E A QUARESMEIRA

Coisas misteriosas e sábias da nossa natureza, muitas das quais invisíveis aos olhos do homem que é um predador nato e nunca aprendeu a ter uma visão mais apurada e poética. Alguém já viu uma flor roxeada de um cacto? Difícil de ser encontrada, mas tive o prazer de fotografá-la num caqueiro do meu quintal.  Verdade que ela é pequena diante de uma quaresmeira toda frondosa e florida, bem mais vista, mas, mesmo assim, muitos passam apressados nas correrias da vida da cidade e não param para refletir sua beleza e agradecer a vida. O cacto e a quaresmeira. Um simples e modesto, mas rico por brotar uma flor inusitada que desperta em nós o sentido da grandeza, sem muito se aparecer. A quaresmeira, com toda sua eloquência e colorido, não é tanto admirada quanto a outra flor que chama mais a atenção quando apresentada. Num salão ou numa passarela, a flor do cacto, com certeza, seria mais aplaudida. Seja simples, mas nobre.

“JOÃO DE BARRO”

Dizem os mais sábios que a natureza é sábia, e um dos exemplos está na ave chamada “João de Barro” no construir da sua casa, conforme mostra a imagem das nossas lentes flagradas numa mangueira. A sua morada é perfeita porque até a sua entrada é feita de acordo com a direção do vento. Cada pássaro faz seu ninho que nenhum artesão consegue imitá-lo por mais semelhante que possa parecer. O “João de Barro” é um engenheiro e artista que não trabalha com números e equações, mas com sua sabedoria natural. Mesmo com as adversidades do tempo, com chuvas, temporais e ventos fortes, sua casa não desmorona, ao contrário dos seres humanos onde sempre um prédio está vindo abaixo. O “João de Barro” não precisa de escola, empreiteiro corrupto e arquiteto que faz cálculos errados. Ele trabalha pacientemente, ponto por ponto, e só usa para abrigar seus filhotes quando tudo está completo e seguro. São os mistérios da natureza que o homem perverso e predador só faz destruir.

CACHORROS DE CAMBÃO

Já vi jegue e vaca de cambão para impedir a invasão de cercas para terrenos de vizinhos por serem considerados arrombadores costumasses, mas cachorros de cambão é uma coisa rara que me chamou a atenção no sitio de um sobrinho lá no povoado de Jenipapo, em Jacobina. A curiosidade me levou à pergunta sobre o motivo e ele me respondeu que os animais estavam pegando os cabritinhos das fazendas próximas. Ele, então, improvisou um cambão feito de canos porque os cachorros estavam matando os cabritos da vizinhança. Foi o único meio para eles não saírem do sítio e o dono não mais receber reclamações e pagar os prejuízos. Andando pelo interior desse sertão nordestino sempre nos deparamos com coisas inusitadas e as lentes estão sempre preparadas para flagrar fatos que nem sempre vemos por aí. São pé duros, mas valentes quando algum estranho se aproxima. Pelo menos foi uma forma criativa encontrada para deixar os cabritinhos sossegados em seus pastos.

A TECNOLOGIA ULTRAPASSADA

Nem tanto antiga assim, mas com os avanços acelerados das pesquisas, ninguém mais se fala através de um telefone público. Numa viagem pelo sertão da Bahia até Juazeiro me deparei com essa peça que caiu em total desuso, mas ainda continua lá como relíquia de museu e nos faz lembrar daqueles tempos das moedas e dos cartões telefônicos. Havia até filas para alguém se comunicar com um amigo ou parente, muitas vezes distante, em outros estados. Podia ser para namorar, dar notícias da vida e a negócios urgentes. As lentes da minha máquina flagraram duas peças dessas, um no povoado de Jenipapo, em Jacobina, e outra na Tabela, um lugarejo rural pertencente a Piritiba onde me cresci moleque. Naquela época o fogão era a lenha e quase não se tinha energia elétrica, a não ser movida pelo motor a diesel. No interior, nem se falava em telefone, quanto mais o público. Na tecnologia atual, pouco se fala pelo telefone, mas através de mensagens, vídeos ou áudios nos celulares móveis que ninguém larga da mão por nada, até na hora de comer e tomar banho, inclusive de mar. Virou um vício para a grande maioria, para não dizer uma droga. Para uns, o antigo era os melhores tempos. Para outros as coisas mudaram para melhor, mesmo com a violência e os assaltos.  É o avanço da tecnologia que vai deixando rapidamente as inovações para trás, sem uso e ultrapassadas.

MONUMENTO AOS PRESOS POLÍTICOS

Está na Praça Tancredo Neves. Muitos passam por lá, mas não sabem o que representa aquela escultura que, inclusive, serviu de ilustração para a capa da minha obra “Uma Conquista Cassada – cerco e fuzil na cidade do frio”. Trata-se de uma homenagem aos presos políticos baianos que tombaram durante a ditadura civil-militar de 1964. Na lista, a conquistense Dinaelza Coqueiro que lutou na Guerrilha do Araguaia. Nessa época, o monumento está todo iluminado, e a imagem é justamente de uma pessoa que se rende à brutalidade do regime dos generais que durou quase 30 anos no Brasil. Vitória da Conquista também esteve no roteiro das prisões em maio de 1964 quando o prefeito Pedral Sampaio, eleito democraticamente em 1962, foi cassado do seu cargo pelas tropas do exército. Perdeu seus direitos políticos por 20 anos. Toda essa história é contada no livro “Uma Conquista Cassada”, do escritor Jeremias Macário. O monumento é uma homenagem aos que lutaram pela democracia. Infelizmente, a nossa juventude pouco sabe sobre esse período. O pior é que muitos nem acreditam que aconteceu, principalmente nestes últimos quatro anos de um governo negacionista que tentou apagar nossa memória, mas isso nunca irá acontecer.

O “CALANGO” AMBULANTE

Ele é sempre visto na Praça Barão do Rio Branco e arredores, no centro da cidade, mas corre bares, restaurantes e outros pontos de movimento, como filas de bancos. Mais conhecido como “Calango”, ele é um vendedor ambulante daqueles que não larga o pé do cliente enquanto não compra alguma de suas bugigangas “importadas”, muitas das quais novidades que não se encontram nas lojas. São muitos anos de lida, cerca de 30 ou mais na batalha da vida que lhe deu sustento à família, inclusive para   educar seus filhos. “Calango” ambulante é daquele empreendedor inventivo que está no sangue do brasileiro que se vira para sobreviver. Sua informalidade vem de anos, tanto que o desemprego não lhe atingiu. Nas datas comemorativas do comércio, como agora no Natal, “Calango” também tem seu faturamento aumentado com seus produtos inusitados que servem de presente. É cabra sabido porque pede um preço alto para depois lhe vender pela metade do pedido. Ali na praça ele é mais conhecido que farinha na feira e tem gente que corta por fora para não ser cercado e cair em sua lábia de vendedor. É uma figura que já se tornou patrimônio e folclore de Conquista.

ACAMPAMENTOS DOS BOZÓS

Não dá mesmo para entender que há mais de um mês das eleições os acampamentos dos “bozonaristas” continuem lá em frente do Tiro de Guerra de Vitória da Conquista em protesto contra o resultado do pleito para presidente no segundo turno! Além de ser uma aberração, os barracões de lonas passam uma péssima imagem para a praça onde estão as estátuas do artista Cajaíba. O mais incrível é que a Prefeitura Municipal, as autoridades (Justiça) e a polícia militar não tomam nenhuma providência para desocupar a área. Caso fossem moradores de rua, há muito tempo já teriam sido expulsos dali na base da força, a ponta pés e no cassetete. Os acampamentos têm até estrutura de um carro de som, mesas, materiais de propaganda e sanitários públicos. Quem financia toda essa presepada? Até quando esses “sebastionistas” palhaços vão permanecer exibindo aquele espetáculo dantesco? Certamente estão esperando que o sargento do Tiro de Guerra saia com seus soldados reservistas e marchem com eles até Brasília para fechar o Congresso Nacional, o Tribunal Superior Federal, derrubar o presidente eleito e decretar o golpe militar, conforme pregam. Não passam de um bando de malucos e imbecis que continuam atentando contra a democracia. Isso não é crime? A coisa ficou tão bestial que ninguém dá mais importância e nem fazem comentários. Para não dizer trágica, aquela cena dos acampamentos é cômica e hilária, com um aspecto de feiura para Conquista. É uma coisa inacreditável! Só vendo para crer! A que ponto chegam o extremismo e o radicalismo! Mais parece movimento do MST ou dos sem teto. Só está faltando uma bandeira vermelha, mas essa cor é comunista. A mídia nem divulga mais nada. Imagine a doutrinação à lá talibã! Serão mesmo patriotas? Sem mais comentários.

NATAL É LUZ

Natal nos faz lembrar de muitas coisas, como banquete com peru, mesa vazia para os pobres, vinho, árvores cheias de lâmpadas pisca-pisca, abraços, confraternizações, notas e mensagens (agora pela internet) de Feliz Natal, presépio do menino Jesus, cristianismo, mas, acima de tudo, luzes para dar o sentido de vida. Assim é que todos os anos a Praça Tancredo Neves, em Vitória da Conquista, já se tornou um ponto de tradição, quando ela fica toda iluminada e recebe milhares de moradores e visitantes que passam pela cidade na época. Para ser sincero, é uma festa que bate em mim uma certa tristeza (não gosto), como em muitas outras pessoas, e não sabemos muito como explicar, talvez esteja dentro do sentimento humano de cada um, quando se vive numa sociedade tão desigual e injusta. No entanto, as luzes animam nossos espíritos. Por alguns momentos nos fazem esquecer dos problemas e quebram aquele clima de certa angústia interna. Natal é luz.

PRAÇA GUADALAJARA OU NORMAL

Em toda parte do mundo sempre existe um ponto (praça, avenida, monumento ou centro histórico) onde as pessoas se reúnem para expressar suas manifestações e protestos a favor e até contra a democracia e a liberdade. Dalí nascem os grandes ativistas com seus discursos e pronunciamentos que mudam os destinos de uma nação e de um povo. Em Salvador temos a Praça Castro Alves, a Sé; São Paulo, a Avenida Paulista; Rio de Janeiro, a Cinelândia e assim por diante como nas grandes capitais estrangeiras, só para citar Pequim, Paris, Londres, Madrid, Lisboa, Nova York e tantas outras. Em Vitória da Conquista nós temos a Praça Guadalajara ou simplesmente Escola Normal (foto), um patrimônio que, infelizmente, o Estado está demolindo. Aqui vai o meu repúdio. Essas praças se tornaram e fizeram história na luta pelos direitos humanos (contra ditaduras), reivindicações dos trabalhadores, passeatas LGBT, movimentos sociais e até encontros religiosos e “gritos de guerra” de blocos de carnavais, micaretas e festas em geral. Da Guadalajara partiram organizações contra e a favor de presidentes da República formando-se um colorido de bandeiras e camisas amarelas e vermelhas. As ideias e as discussões se afloram. Para o bem e para o mal, de lá saíram até alaridos que ferem a nossa pátria como os pedidos de intervenção militar no país. Cartazes criativos os mais diversos se juntam na Guadalajara e estampam frases lamentosas sobre o desemprego, a má qualidade na educação e na saúde e até para dizer que estou com fome, quero comer. São locais que devemos reverenciar porque representam nossas ágoras gregas que nunca podem ser esquecidas e servem de recordações memoráveis para o resto de nossas vidas como participantes ativos dessa sociedade, na maioria das vezes desumanas.

RETRATOS DESSA GENTE

As lentes podem desfocar ou não captar as imagens se o artista e poeta da fotografia não tiver sentimentos e muita sensibilidade. Não é o caso do fotógrafo Hildebrando Oliveira, cujas obras estão expostas no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima. Vale a pena fazer uma visita para conhecer seu trabalho. Como no linguajar antigo, são retratos da vida dessa gente, com expressões e olhares os mais variados possíveis. Não é somente luz, tempo e espaço certos, mas conta muito o sentir e o pulsar. Antes de qualquer coisa, foto é poesia como bem retrata Hildebrando. As imagens dão um mergulho nas pessoas e deixam suas mensagens em cada um nas cores preto e branco. Os fotografados deixam de ser anônimos e os objetos se movimentam para entrar nas imaginações. Suas fotos, Hildebrando, são também jornalismo-reportagens, e cada uma delas vale mil palavras. Não precisam de textos. Cada leitor faz sua interpretação, seu julgamento e interação. São retratos da vida dessa gente.





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