No livro “Intelectuais das Áfricas”, no capítulo em que a professora Divanize Carbonieri fala do nigeriano Wole Soyinka, são comentadas duas obras importantes do africano, o romance The Interpreters e a peça A Dance of the Forests que tratam do passado ancestral do período colonial e do presente representado na pós-independência.

Seus personagens do presente, na verdade, viveram num passado onde cometeram crimes e erros que agora refletem numa Nigéria emancipada, cujas elites negras são tão ou mais nefastas que os colonizadores. Os personagens do agora precisam se redimir de seus pecados para que haja uma renovação do país.

O romance The Interpreters (1965) se desenrola em torno de um grupo de jovens intelectuais nigerianos que retornam de viagens de estudos da Europa ou nos Estados Unidos e agora atuam em cidades de seu país natal.

Eles desempenham a função de interpretes entre a cultura ocidental, que assimilaram em sua educação, e a cultura nativa africana. Como explica Divanize, é uma tradução marcada por niilismo e decepção. A desilusão se dá em relação à elite nativa que chegou ao poder após a descolonização do país e que se revelou pior que os antigos colonizadores.

O romance descreve narrativas que questionam as consequências do colonialismo, mas também os resultados dos movimentos nativos de resistência depois que eles chegaram ao poder. Não parece existir nenhuma solução fácil e pronta para a Nigéria, conforme narrativas dos personagens do romance. Eles são tomados por dúvidas e incertezas.

O nacionalismo que havia alimentado protagonistas de acontecimentos anteriores, agora se tornou problemático, porque não respondeu às expectativas dos africanos. Casos de corrupção, golpes, guerras étnicas, desmandos e estabelecimento de regimes ditatoriais foram alguns dos feitos dos governantes nativos que haviam lutado sob a bandeira da unificação nacional e se beneficiado de seus resultados.

No livro, os deuses ou os orixás iorubas, são retratados através de seus personagens, como na pintura que Kola produz sobre eles, como modelos para dar forma humana a essas entidades divinas. No romance, Soyinka entra no aspecto da apostasia do artista que procura se afastar de uma sociedade corrompida, a qual não tem mais esperança de reformar. No entanto, ele ensina que “o artista não deve paralisar suas ações pelo medo de ser punido pelas forças restritivas e autoritárias de sua sociedade”.

Os protagonistas de Soyinka são homens para quem um retorno completo à tradição não é mais possível nem desejável, pois eles têm a missão de sair da inércia e construir, na Nigéria, uma nova moderna nação. Entre os deuses orixás do universo ioruba, Soyinka prefere Ogum que, mesmo errando, quando foi embebedado por Exu, se arrisca para conseguir a autorrealização.

Para Spyinka, foi a única divindade que buscou o caminho do conhecimento e utilizou os recursos da ciência para abrir uma passagem através do caos primordial para a reunião dos deuses com o homem. Ogum pode ser entendido como um artista porque ele é o primeiro ferreiro, o primeiro a forjar suas armas a partir do metal. Ele representa o espírito criativo da humanidade.

Na concepção de Soyinka, Oxalá apresenta as qualidades de acomodação dos indivíduos e da sociedade como um todo. Em Ogum, ele enxerga a energia de ação necessária para que as sociedades sejam transformadas e avancem para seu progresso.

Na peça “A Dance of the Forests”, escrita para celebrar a independência da Nigéria, em 1960, a figura do deus Ogum surge novamente para dar forma à visão mítica, estética e política de Soyinka. Também a obra está marcada pela decepção. O que deveria ser euforia pela independência, o que existe é uma ênfase na amarga reavaliação do passado e de suas continuidades no presente.

Seu caráter de desilusão se dá pela constatação de que os erros cometidos no passado pela coletividade não serviram de lições para que o presente da jovem nação nigeriana fosse mais acertado. O fim da dominação estrangeira não significa necessariamente que as coisas serão melhores porque os próprios africanos têm que se haver com a responsabilidade de suas falhas no passado para construir uma realidade mais justa na atualidade.

O cenário da peça é uma cidade ioruba que, em séculos passados foi governada pelo imperador Mata Kharibu. Um grupo de pessoas invoca a presença de seus ancestrais para fazer parte da Reunião de Todas as Tribos.

Eles esperavam que o Rei da Floresta lhes enviasse figuras éticas e de moral que tivessem realizado grandes feitos quando eram vivos. No entanto, o Rei da Floresta manda espíritos perturbados, vítimas desse passado glorioso que retornam para confrontar os descendentes de seus malfeitores.

Na cultura ioruba, os vivos são reencarnações de seus ancestrais. Feitos grandiosos no passado refletem uma vida dignificada no presente. O oposto também é verdadeiro. Os personagens dos mortos tentam se aproximar dos vivos que lhes fizeram mal em vidas passadas, visando buscar ajuda para obter a reparação pelo seu sofrimento. Os vivos não estão dispostos a dar ouvidos aos ancestrais. Os protagonistas da peça cometem malfeitos no presente, repetindo os mesmos erros do passado. Vida e morte, construção e destruição são os temas que estão na base da peça de Soyinka.