A pedido do Instituto dos Ciganos do Brasil-ICB, os ciganos vítimas de violências e ameaças depois da morte de dois policiais no dia 13 de julho deste ano, no distrito de José Gonçalves, em Vitória da Conquista, estão prestando depoimentos à Justiça em audiências fechadas sem a presença da imprensa devido ao sigilo das testemunhas.  Nove pessoas serão ouvidas, mas outras deverão ser incluídas ao longo do processo.

O ICB preparou um relatório minucioso e encaminhou para várias instituições de direitos humanos no Brasil e no exterior, inclusive solicitou a federalização dos crimes em Vitoria da Conquista e região. Com exceção do ICB, da equipe de trabalho e dos depoentes, ninguém está tendo autorização a participar das audiências.

Na manhã do dia 13/07, numa terça-feira, dois policiais militares, 1ª Cl PM Robson Brito de Matos, 30 anos, e o 1º Ten PM Luciano Libarino Neves, 34 anos, morreram após troca de tiros com os ciganos no município de Vitória da Conquista, no distrito de José Gonçalves. As unidades de cidades vizinhas da PM, com apoio da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT/Rondesp Sudoeste), e de outras Companhias Especializadas fizeram um cerco na região para capturar os ciganos, que fugiram em veículos.

Na caça aos ciganos, oito deles foram mortos, inclusive menores. De acordo com a versão do comando da polícia militar, em todas as operações houve reação dos suspeitos pelas mortes dos soldados. O pai dos ciganos chegou a ser baleado e preso. A matriarca com os netos e outros familiares foram obrigados a fugir de Conquista por causa de ameaças e atos de violência.

Como forma de apoio, o Instituto implantou o Grupo de Apoio as Comunidades Ciganas Solidariedade, Respeito, Esperança e Responsabilidade (Gacoc) dentro de um acordo ético de sigilo. Esse Grupo foi formado a partir da necessidade de se criar uma comissão de proteção e incentivo às famílias enlutadas pelas mortes dos ciganos, bem como, em prol das mulheres ciganas e suas crianças, que foram inseridas no Provita/SP, no dia (26/07) e, por falhas no processo deste acolhimento, causando insegurança para estes vulneráveis, que temendo represálias, abandonaram o programa e foram acolhidas, no dia (2/08), pelo ICB.

De acordo com nota do Instituto, os excessos da polícia, no entanto, se espalharam por toda comunidade. As famílias foram desalojadas e perderam todos seus bens. O ICB luta contra toda e qualquer forma de preconceito, como homofobia, anti-ciganismo, ciganofobia, racismo, sexismo e machismo.

A questão agrária

Na data dos acontecimentos, em 13 de julho, consta ainda da nota que o cigano Solon Mattos revelou à matriarca que o acampamento do seu povo estava correndo perigo. Na ocasião, houve troca de tiros e dois policiais foram mortos.

A matriarca narra que a cigana Rita Mendes e seu filho Solon tinham informado dois dias antes do 13 de julho que algumas pessoas da redondeza estavam incomodadas com o acampamento e que os vinte e dois lotes que comprados era de outra pessoa poderosa, e que iriam dá um jeito para tirar nossa terra.

 Este deve ter sido o principal motivo dos conflitos que resultaram na morte de dez pessoas, incluindo os soldados -ressalta. Dois ciganos ainda continuam foragidos. Disse a matriarca que o pagamento da terra foi feito à vista no valor de R$1.500 cada lote.

“Nós estamos vivendo um momento muito complicado de paralisação da reforma agrária, indefinição sobre a questão fundiária, demarcação de terra, regularização de áreas de comunidades de quilombo e ribeirinhos, junto com uma ofensiva do setor ruralista no sentido de ampliar os interesses ligados ao agronegócio. Tudo isso acaba tencionando muito a situação no campo e, é claro, agravando as possibilidades de conflito, gerando muitas mortes”- destaca o Instituto.

“Conflito de Tamanduá”  e o “Sertão da Ressaca”

Em pesquisa feita pela suas assessoria, o ICB lembra o “Conflito doTamanduá’, em Vitória da Conquista, em 1985. O episódio ganhou esse nome devido a uma chacina que matou 22 pessoas de uma mesma família, na antiga Fazenda Tamanduá. O crime foi resultado de uma vingança, de rixas geradas por disputas de terra e exercício de poder entre duas famílias rivais.

O nome “Sertão da Ressaca” pode ser derivado tanto do fenômeno de invasão das águas dos rios sobre o sertão, semelhante ao fenômeno marinho, como da palavra ressaco, que corresponde à funda baía de mato baixo circundada por serras.

Ainda sobre a história do município, o Instituto ressalta que “a vinda dos colonizadores portugueses e mestiços à região de Vitória da Conquista está ligada à exploração de metais preciosos, principalmente ouro, e à política de ocupação do território. Um dos responsáveis pelo desbravamento do “Sertão da Ressaca” foi o bandeirante João Gonçalves da Costa, português nascido na cidade de Chaves, provavelmente em 1720.

Ele ficou conhecido como um conquistador violento e dizimador de aldeias indígenas. João Gonçalves da Costa chegou ao território onde hoje está Vitória da Conquista depois do esgotamento das minas de ouro de Rio de Contas e das Gerais. Ele procurava novos pontos de exploração mineral. Embora não tenha encontrado ouro por aqui, ele acabou ocupando a região e fundando o Arraial da Conquista.

Há um elemento importante sobre João Gonçalves. Segundo os registros históricos, ele era um “preto forro”, ou seja, um ex-scravo. A ascensão política de pessoas como João Gonçalves da Costa dava-se por meio de sua coragem e de sua fidelidade à Coroa Portuguesa. A filiação ao terço Henrique Dias, espécie de irmandade, afirmou sua condição de livre. Em troca, ele agia em nome de Deus e da Coroa, desbravando terras e garantindo a ocupação do território.

A ocupação do “Sertão da Ressaca” foi realizada às custas da derrota dos povos indígenas. Primeiro, João Gonçalves enfrentou o povo Ymboré. Valentes, resistiram à ocupação do território. Por causa da fama de selvagens, foram escravizados pelos colonizadores. Para piorar a situação, os Mongoyó aliaram-se aos portugueses para derrotá-los – diz comentário elaborado pelo ICB.