Carlos González – jornalista 

Criados em 1894 pelo francês René de Fredy, o Barão de Coubertin (1863-1937), os Jogos Olímpicos nesses 127 anos foram desestabilizados e manchados por acontecimentos com perfis bélico, terrorista, ideológico e por corrupção. Pela primeira vez o maior evento esportivo do planeta foi ameaçado por um vírus letal, que já havia provocado o adiamento por um ano da XXXII Olimpíada da Era Moderna, realizada entre os dias 23 de julho e 8 de agosto, na populosa cidade de Tóquio, no Japão.

Contrariando a opinião da maioria dos moradores da capital japonesa, as autoridades locais e o Comitê Organizador, pressionados pelas empresas patrocinadoras, realizaram os Jogos, mesmo sem a presença de público, numa decisão similar recente adotada por alguns brasileiros indiferentes à vida humana, capitaneados pelo presidente Bolsonaro, quando da promoção da Copa América. Sob estado de emergência – somente no dia 31 ocorreram 4.058 novos contaminados pela Covid-19 – o Japão recebeu 12.500 atletas de 206 países.

A partir do próximo dia 24 a população de Tóquio vai ser submetida a um novo período de tensão, com a abertura dos Jogos Paralímpicos, que se estenderão  até 5 de setembro, com possibilidade de aumento de infectados  – na última Olimpíada foram 246 casos, incluindo 26 atletas, nenhum brasileiro. O  motivo para preocupação é muito simples: o competidor (deficiente físico ou mental) não tem a mesma estrutura músculo-esquelética e metabólica do atleta profissional.

Esta semana encerrou a quarentena de 14 dias, submetida as 52 membros, sendo 27 atletas, da representação brasileira à Paralimpíada, cuja viagem foi antecipada ao Japão para adaptação ao fuso horário e aos locais das provas. As autoridades sanitárias japonesas determinaram o isolamento depois de detectar dois casos de Covid-19.

Potência olímpica

O 12º lugar (sete medalhas de ouro, seis de prata e oito de bronze) atingido pelo Brasil nos Jogos de Tóquio foi a nossa melhor campanha desde 1920 quando fomos representados por 22 atletas nos Jogos de Antuérpia, na Bélgica, mas ainda estamos distantes do que qualificamos de potência olímpica.  Com 10.950 km de litoral e a maior reserva de água doce (rios e lagoas) do planeta, o Brasil contou apenas com um representante no remo; o basquete (masculino e feminino) não foi a Tóquio. Como justificar o fracasso das duplas de vôlei de um país com mais de 7 mil quilômetros de praias?

A Rede Globo, dona dos direitos exclusivos de transmissão da Olimpíada, tentou mostrar o contrário. Seus narradores e comentaristas, como torcedores arrebatados (o G1 publicou várias fotos de Galvão Bueno fazendo “caras e bocas”)  bem que se esforçaram durante as madrugadas, instalados numa cabine em São Paulo.

O fuso horário foi um dos fatores determinantes do pouco interesse dos brasileiros pelos Jogos. Também não se pode ignorar que o povo vive apreensivo com as atitudes absurdas que chegam de Brasília, idealizadas por um psicopata.

Até o torneio de futebol, nosso esporte mais popular, passou despercebido. O título ganho com ajuda da arbitragem ficou em segundo plano diante da atitude dos jogadores, violando um acordo feito com o COI, relacionado à empresa patrocinadora da delegação brasileira. No pódio, Daniel Alves e seus companheiros exibiram a marca usada pela CBF. A transgressão disciplinar vai parar na Justiça.

Mesmo sendo considerado como emergente no concerto das nações com maior potencial olímpico, o Brasil ainda está muito distante dos Estados Unidos, China, Japão, Rússia, Canadá. Fora das escolas (Fernando Scheffer admitiu que a medalha de bronze ganha em Tóquio foi resultado de preparação numa universidade norte-americana), e dos  clubes sócio-esportivos, o esporte nacional carece da implementação de políticas públicas, tanto do governo federal quanto de estados e municípios; do investimento de empresas privadas, sem priorizar, por exemplo o futebol e o basquete, que têm maior visibilidade na televisão, ou optar por um atleta de ponta.

Dois programas bancados pela União ajudam no treinamento de centenas de atletas que estão nas melhores posições nos rankings de modalidades esportivas, de acordo com as respectivas confederações. O Bolso Atleta, administrado pela Secretaria Especial de Esportes, destina uma verba mensal de 370 a 3.100 reais a jovens candidatos a vagas em Olimpíadas e Mundiais.

O programa do Ministério da Defesa, o PAAR, com recursos de 38 milhões de reais anuais,  incorpora nas Forças Armadas, nos postos de recruta a 3º sargento, com soldo máximo de 4.000 reais, atletas de alto rendimento, com uma única obrigação: o aprimoramento nos locais de treinamento  militar. O Time Brasil em Tóquio contou com 91 militares, entre os quais os medalhista Kahena Kunze (vela), Ana Marcela e Fernando Scheffer (natação), Hebert Conceição e Beatriz Ferrreira (boxe), Alison dos Santos e Abner Teixeira (atletismo) e Daniel Cargnin.

O COB premiou os medalhistas individuais com 250, 150 e 100 mil reais. Nos esportes coletivos, o futebol recebeu 750 mil e o vôlei feminino 300 mil reais.

A conclusão a que chegamos é que o Brasil esportivo trabalha a médio prazo, sem lançar a vista para o futuro, na esperança de quer suja um atleta-exceção, como a skatista paraense Raissa Leal

O Nordeste, particularmente a Bahia, comemora, com todos os méritos, as medalhas conquistadas por seus filhos em Tóquio.  São chamados de “atletas exceção”, como os alunos do mestre Luís Dórea, que há mais de 40 anos forma campeões em sua academia no bairro periférico da Cidade Nova, em Salvador. De lá saíram Popó e Robson Conceição, e agora Hebert Conceição, medalha de ouro em Tóquio.   No mesmo bairro, Raimundo Ferreira ensinava a arte do boxe a um grupo de garotos, sendo observado por sua filha Bia, que, com o passar do tempo tornou-se aluna do seu pai, e hoje, no seu currículo são mais de 100 lutas, muitas delas fora do país. A medalha de prata na Olimpíada a tornou conhecida dos seus conterrâneos.