MATA DO POÇO ESCURO
Poema do jornalista e escritor Jeremias Macário, em homenagem aos 180 anos de emancipação política de Vitória da Conquista, completados no último dia 9 de novembro. O texto faz parte do livro “Andanças”, que pode ser encontrado na Banca Central e na livraria Nobel.
Tudo no alto era traçado,
Como se fosse um abraço,
Onde morava o sagrado,
Riscando o seu traço,
Na água farta escura,
Jorrando da escarpa,
Que saciava a cidade,
Pura clara e sem mistura.
Era tudo uma floresta,
Do irmão sol e da irmã lua,
Para dançar em sua festa,
Com a esbelta índia nua,
No Poço Escuro de mel,
Sem brancos e senhores,
Só com os deuses do céu
Num banquete de flores.
Devastaram tudo, seu moço!
E só uma mata rala restou;
A minação foi-se minguando,
Como dos bichos, o almoço;
O Poço fraco quase secou;
E até foi embora o orixá xangô;
O caboclo também se mudou,
Porque também foi o nosso nagô.
Num puxadinho nanico,
Tombaram um velho sagui,
Um macaco e um mico,
Pelos invasores exteriores,
Deixando em escombros,
A nossa bela Serra do Periperi,
Onde um dia passeou o Saci.
A serra tem gente por cima;
O capão de mata ainda respira;
O Poço virou coisa de rima;
No Escuro ainda conspira,
O homem do Senhor Criador,
Que escarra sangue na natureza,
Como se fosse um estripador,
Que desfigura a candura de beleza.