Este texto, de Jeremias Macário, pode ser encontrado nos livros de sua autoria, “A Imprensa e o Coronelismo” e em “Uma Conquista Cassada”, o qual fala da ditadura civil-militar de 1964, que cercou a cidade e cassou, na base da força das armas, o mandato democrático do prefeito da época José Pedral, na trigésima sessão da Câmara de Vereadores, em maio do mesmo ano.

Os Mongoiós ou Monochós, também conhecidos como Camacans, e os Pataxós e Amborés ou Imborés, eram os verdadeiros donos destas terras do sudoeste baiano, compreendidas entre os rios Pardo e das Contas, da região do São Francisco até São Jorge dos Ilhéus.

No centro deste vasto território chamado de “Sertão da Ressaca”, está hoje o município de Vitória da Conquista que virou pólo de desenvolvimento regional, e neste ano de 2020 está completando 180 anos de emancipação política (9 de novembro).

Fotos reprodução e de José Silva

A Imperial Vila de Nossa Senhora da Victória, antes Arraial da Conquista, foi criada pelo decreto imperial de número 124, em 19 de maio de 1840, desmembrando-se da Comarca de Caetité.

No entanto, a data política é comemorada em 9 de novembro quando aconteceu a posse da primeira Câmara Municipal. Com a proclamação da República, em 1889, a Vila passou a se chamar Cidade da Conquista, em 1º de junho de 1891, e em 1943 recebeu o nome de Vitória da Conquista.

A CHEGADA DA BR-116

O pequeno povoado, com as primeiras habitações de taipa cresceu, e em 1817, conforme registrou o príncipe alemão Maximiliano Wied-Newied, em visita ao lugarejo, já contava com 40 casas. A Vila expandiu-se aos poucos na encosta verdejante da Serra do Periperi; foi parada de tropeiros; mudou de nome; e começou a prosperar a partir da década de 1960 com a chegada da BR-116 (Rio-Bahia).

A cidade ampliou sua economia com a introdução da cafeicultura, em meado dos anos 70, e se firmou no início do século XXI com a implantação de novos projetos nas áreas da educação e da saúde até se transformar num dos maiores pólos de desenvolvimento do Estado e do Nordeste. Com cerca de 350 mil habitantes, é hoje a terceira maior cidade da Bahia.

CONQUISTA E SUA EVOLUÇÃO

Até antes da instalação da Vila, (1840), na residência do coronel Teotônio Gomes Roseira, situada na Rua Grande (Praça Tancredo Neves), o território pertencia ao município de Caetité. Depois a casa do coronel veio a se tornar Paço Municipal.

Naquela data de 9 de novembro foram escolhidos os conselheiros, membros do Conselho Municipal, hoje denominados de vereadores, para cuidar da sua administração. O presidente desse colegiado exercia o cargo de prefeito. O primeiro Conselho foi composto pelos cidadãos Manoel José Vianna, Joaquim Moreira dos Santos, Theotônio Gomes Roseira, Manoel Francisco Soares, Justino Ferreira Campos, Luiz Fernandes de Oliveira (primeiro presidente da Câmara) e Francisco Xavier da Costa.

Com governo próprio, a Vila começou a se organizar e, além do seu Conselho, foi instalada a Casa do Conselho a quem coube aprovar o Código de Posturas, com 80 artigos, para disciplinar os moradores, punir os transgressores e orientar o crescimento urbano, inclusive com regras para preservar os rios e as nascentes. Entre as normas, reprimia o batuque e o hábito de vagar pelas ruas durante altas horas da noite, especialmente os escravos sem o bilhete do seu senhor. A partir daí, foram contratados os primeiros funcionários públicos.

DE VILA A CIDADE EM 1891

Anos depois, em 1891, Conquista passou de vila a cidade, e as funções do presidente do Conselho Municipal passaram a ser exercidas por um intendente a que deram o nome de prefeito, com autonomia para governar. As ruas eram lamacentas e esburacadas, mas o primeiro intendente, Joaquim Correia de Mello, adotou algumas providências para melhorar o visual da cidade.

Por cerca de 100 anos, Conquista passou esquecida dos poderes públicos, contrastando com a evolução de outros centros urbanos. Segundo observadores, viajantes e cronistas da época, o esquecimento se deveu mais ao fato da sua distância em relação à capital. Até os anos de 1890, as ruas eram iluminadas por lampiões a gás, depois substituídos por carbureto. Só a partir de 1920 veio a energia elétrica.

Somente a partir deste período, a cidade veio a sair do isolamento quando um grupo de fazendeiros e comerciantes se reuniu e fundaram um consórcio para construir uma estrada carroçável ligando até Jequié. Nessa época, o trem já existia até Jaguaquara, e os trilhos avançavam às terras jequieenses. A linha até esta localidade chegou em 1927.

Com o passar dos anos, o aspecto urbano foi melhorando, mas o conquistense não se preocupou muito com a preservação da sua história, tanto que muitos sobrados e casarões foram sendo derrubados para dar lugar a edificações novas, como o velho barracão acolhedor de tropeiros que foi demolido em 1913.

Para se abastecer, os conquistenses dependiam das mercadorias, transportadas no lombo dos burros, vindas das cidades de São Felipe e Cachoeira, passando depois por Jequié (150 quilômetros). Mas, Conquista também tocava o gado trazido de Minas Gerais para fornecer carne para o Recôncavo.

  Por volta de 1940 chegou a Rio-Bahia, asfaltada no início dos anos 60, no Governo de João Goulart. A partir desses anos, Vitória da Conquista não parou mais de crescer, e é hoje a capital do sudoeste e a terceira maior cidade da Bahia, cujo município tem cerca de 350 mil habitantes, distante 510 quilômetros de Salvador.

Apesar da sua grandeza e beleza, Conquista dos tempos atuais ainda é carente de muitos projetos na área de infraestrutura, como a prometida obra da barragem de abastecimento de água; serviços modernos no setor de mobilidade urbana; um centro administrativo para desafogar o centro; e, acima de tudo, uma política cultural, mais escolas e expansão na saúde.

OURO, MORTE E EXPULSÃO

Na busca por riquezas, especialmente o ouro, a primeira investida no Sertão da Bahia foi feita pelo castelhano Francisco Bruzza de Spinosa, em 1553, acompanhado de 12 portugueses, partindo de Porto Seguro e indo até o rio São Francisco. A passagem dos bandeirantes pelas terras dos índios significava expulsão, morte e escravidão.

A descoberta de ouro nas imediações de Rio das Contas e em Jacobina, no início do século XVIII, aumentou o povoamento em Minas Gerais.  Já em 1724, Rio das Contas passava à categoria de vila, com a implantação de vários órgãos de administração pela Coroa Portuguesa.

Como descreve a historiadora Maria Aparecida Silva de Sousa, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-Uesb, em seu livro “A Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse da terra no interior da Bahia”, por volta de 1728, o coronel Pedro Leolino Mariz recebe do governo português a missão de desbravar diversas áreas do interior da Bahia e do norte de Minas Gerais.

Essa personagem aparece como importante figura da história que realizou investigações nos rios das Contas, Paramirim e Rãs, chegando a ocupar o posto de superintendente Geral de todas as minas da Bahia e das Minas Novas do Araçuaí. Sabedor de que essa porção de terra era uma das melhores do Brasil para criação de gado e a cultura de lavouras, o Governo de Portugal mandou que Pedro Leolino averiguasse as notícias. Em recompensa pelo seu trabalho, o superintendente recebeu uma sesmaria em 1743.

Com intuito de obter o mesmo êxito conseguido na região vizinha de Rio das Contas e Jacobina, com a descoberta de ouro, o coronel organizou uma Bandeira, sob a direção de André da Rocha Pinto, para conquistar o sertão entre os rios das Contas, Pardo e São Mateus. A intenção era também a de encontrar ouro, estabelecer fazendas de gado e matar os índios que se opusessem à conquista.

SANGRENTAS BATALHAS

Ao lado de André Pinto, aparece a pessoa de João da Silva Guimarães, designado para percorrer o rio São Mateus. Ele ocupou o posto de Mestre-de-Campo, concedido em 1735, pelo conde de Sabugosa. Pouco antes disso, João Guimarães fez um relatório ao rei D. João V, contando os perigos que enfrentou na luta contra os bravos gentios. O desejo dos sertanistas era o de encontrar as cobiçadas minas de prata de Belchior Dias Moreira, que foi um dos principais conquistadores do sertão baiano.

Tudo indica que o Mestre-de-Campo tenha percorrido o território onde hoje está situado o município de Vitória da Conquista. Cita a historiadora Maria Aparecida, que sua Bandeira, pelo meado do século XVIII, tenha passado pelos rios das Contas, Gavião e riacho do Gado Bravo onde hoje é Bom Jesus da Serra. Sua expedição foi marcada por sangrentas batalhas com os índios mongoiós, Imborés e Pataxós.

A chegada dos primeiros colonizadores portugueses, por volta de 1730 e 1734, comandados pelo Mestre-de-Campo João da Silva Guimarães e pelo Capitão-Mór, João Gonçalves da Costa, deu início a uma série de batalhas com os índios da terra, que durou cerca de um século, culminando com o extermínio dos nativos, num dos mais terríveis genocídios da história. As explorações feitas pelas bandeiras baianas, como relata a pesquisadora Aparecida, não tiveram o mesmo sucesso dos paulistas que encontraram ouro em Minas Gerais.

UMA LENDA ODIADA

João Gonçalves da Costa, o fundador da aldeia da Conquista do “Sertão da Ressaca”, foi odiado como matador brutal, mas não se pode negar que foi uma lenda e herói como desbravador, chegando a ser citado como protegido de Nossa Senhora da Vitória na luta contra os índios.

De qualquer forma, o capitão foi o pioneiro no povoamento do Arraial de Conquista, que depois passou a Imperial Vila da Vitória, em 1840. Com o tempo, acumulou uma fortuna considerável com sua família, através da posse de terras, gado e escravos.

Contam historiadores, que os Mongoiós habitavam, anteriormente, o território de Ilhéus, vindo depois a se instalar nessas terras, precisamente entre a atual Praça Tancredo Neves (Jardim das Borboletas e Praça da República), um dos cartões postais da cidade, e no local que recebeu o nome de “Batalha”, do outro lado da encosta da Serra do Periperi, onde se travou a primeira guerra com os colonizadores.

O destemido João da Silva Guimarães com sua gente, esteve por estas bandas do “Sertão da Ressaca”, área geográfica entre a caatinga e o litoral (Rio Pardo e Rio das Contas), por volta de 1730, desbravando o território à procura de ouro e pedras preciosas, mas não tinha autorização do rei D. João V, para combater os índios. Isso só foi possível em 1734, quando explorou parte do Rio das Contas até 1744, mas não obteve vitória sobre os índios.

Retornou em 1752, quando sofreu novas derrotas. Numa nova expedição, em 1782, João Guimarães e João Gonçalves da Costa saíram do litoral, cruzaram o Rio das Contas, e travaram uma difícil batalha com os Mongoiós. Foi uma sangrenta luta na localidade hoje conhecida como “Batalha” (9 quilômetros da cidade).

Os bandeirantes perdiam a luta, mas João Gonçalves, como narra a lenda, resolveu animar seus homens fazendo uma promessa a Nossa Senhora das Vitórias. Se vencesse os índios, ergueria uma capela em seu nome, nascendo, a partir daí a Imperial Vila da Victória, e depois Vitória da Conquista.

Até idos de 1933, muitos desses índios continuaram habitando as matas da região de Conquista, mas todos foram expulsos pelos brancos. Na década de 1970, o desmatamento se agravou para dar lugar á cafeicultura que duas décadas depois entrou em decadência.

A VIOLÊNCIA E A FROUXIDÃO DA JUSTIÇA

Na época de sua vista, em 1817, o príncipe Maximiliano  fez um perfil do arraial, dizendo que era ocupado por trabalhadores e desocupados, que faziam badernas e se embriagavam com bebidas fortes, provocando brigas, mortes e confusões. As pessoas sempre andavam armadas de punhal e estiletes, sendo frequentes os assassinatos e atos de violência que expandiam em todo território, com tiros que davam durante a noite. A Justiça ficava muito distante, tornando difícil a solução dos problemas em geral.

Em 1824, o senado da Câmara chegou a recomendar que os capitães-mores fizessem diligências nos arraiais para conter e deter os facínoras. A orientação partiu das câmaras no sentido de empregar os vadios e exigir passaporte de quem entrasse e saísse dos povoados. Também foi solicitada uma tropa de linha para controlar a violência. No Arraial de Conquista, o Juiz de Paz Antônio Dias de Miranda e seu irmão sargento-mor, Raymundo Gonçalves da Costa passaram a fazer mais diligências para prender os criminosos.

Por volta de 1829/30, os bandoleiros deixavam os moradores de Conquista e arredores em pânico. Para combater a violência, foi pedido munição de guerra ao presidente da Província, sendo que os quilombolas de pretos foram os principais alvos de perseguição. Os tropeiros também reclamavam, inclusive da falta de ranchos para pernoitarem.

Somente em 1845, a Província tomou algumas providências, melhorando as estradas e construindo ranchos. Para tanto, as autoridades exigiram dos senhores que um dia em cada mês, os cativos fossem utilizados nas obras de melhoria, como na estrada Conquista-Nazaré.

Em 1810, a freguesia de Santa Anna de Caetité, depois de muitos embates, foi elevada a vila, se desmembrando de Minas de Rio das Contas, que era vinculada à comarca de Jacobina. Caetité já era grande produtora de algodão e gado. Conquista, então, passou a novo termo de Caetité somente alcançando a categoria de vila, em 1840, mas sem ser comarca.

O arraial estava ligado à comarca de Jacobina, numa distância de cerca de 200 léguas. O capitão João Gonçalves da Costa chegou a reclamar ao governador por diversas vezes quanto a esta situação, porque os conflitos demoravam de ser resolvidos, sem contar os custos. Ele chegou a denunciar a frouxidão da Justiça de Caetité e Jacobina, denominando-se nas cartas como o “capitão da Conquista do gentio mongoió”.

Ele queria que o arraial fosse ligado a Ilhéus por ser mais perto. Argumentava que não dava para entender a vinculação com a Ouvidoria de Jacobina, criada em 1735. Segundo Ruy Medeiros, era mais por interesses econômicos, e a Coroa queria promover a integração regional.

Mesmo depois de 1840, Conquista ficou subordinada à comarca de Caetité e depois, em 1873, a Santo Antônio da Barra (Condeúba) de onde se desligou em 1882, se transformando em comarca.

Antes disso, o capitão fazia duras críticas aos juízes e vigários, que cobravam absurdos pelos inventários (300 mil réis) e pelos casamentos (quatro mil réis). Dizia ele: “É melhor ser gentio do mato que ser cristão nesta terra”. Por isso, chegou a ser ameaçado de prisão pelo juiz de Órfãos de Rio das Contas. Tudo era precário e faltavam casas de correção e escolas. Em Conquista só existia uma escola, com 13 alunos.

Na guerra da Independência, Conquista contribuiu com víveres e homens para lutarem, sob o comando do sargento-mor Raymundo Gonçalves da Costa, mas o distrito ficou sob as ordens do Corpo de Ordenança de Caetité, o que não lhe agradou.

Outra disputa se deu quando resolveram vincular a região à freguesia do Rio das Contas a Ouro Preto. Isso contribuiu para que a Assembleia Legislativa Provincial da Bahia decretasse, em 19 de maio de 1840, a emancipação do arraial a Imperial Vila da Vitória. A História de Conquista se confunde com a trajetória do capitão-mor, como se expressou a historiadora Maria Aparecida.