Poema do jornalista Jeremias Macário. Este e outros podem ser encontrados em seu novo livro “Andanças”

De um tempo fizeram fatias,

e para uma noite criaram fogos;

inventaram a dança dos códigos,

na língua divinha da quirologia,

das cartas viradas e dos tarôs,

para ir ao futuro do ar e da jia,

de sonhos melados de fantasias.

 

É o final das contas de um ano…

um novo a contar que se anuncia;

é a despedida da via gregoriana,

religiosa, dionisíaca e profana,

de um reino espártaco e romano,

decifrado pela suma quiromancia.

 

É mais o fim de um ano…

da hora pontual da terra ranger;

dos mortos-vivos ressuscitarem;

explodirem as luzes do show,

quando o seu relógio zerar,

para o pacto entre amor e dor.

 

É mais o fim de um ano…

e um novo de Jeová, ou de Alá;

do deus da orgia sodomitana,

do ritual celta  da bela cigana,

e do espírito cristão de se rezar.

 

Cada um pode fazer o seu fim,

para começar um outro novo,

com a cara pintada de humano,

nas águas desse imenso oceano,

onde vai se banhar nosso povo.

 

O novo pode ser o início do fim,

para quem não segue seus planos,

de se purificar dos apegos carnais;

dos caprichos capitais mundanos,

e não escolhe os simples portais.

 

Na sua taça fina da embriaguez,

borbulha o glamour da nudez,

girando o luxo em câmara lenta,

no ácido disfarçado de água benta.

 

Os foguetes dos canibais globais,

são explodidos em nossos quintais.

Os devotos fazem rituais viscerais,

de oferendas para seus orixás locais,

banhando todo de branco os litorais.

 

Os morros estendem os seus varais,

como se fossem concurso de festivais,

de pobres vistos como os anormais;

e a violência é manchete nos jornais.

 

No final se reparte o PIB desigual,

com a cara de um novo sujo imoral,

na disputa do Ocidente e do Oriente,

entre o Israel poderoso e o mulçumano,

vivendo todos na mira do Americano,

e que se dane a fome fatal do africano.

 

É o pipocar dos velhos espumantes,

na Paris milenar de seus viajantes,

nos mares lunares dos transatlânticos,

na companhia dos tarados amantes,

ou na Londres aristocrata imperial,

e na Atenas da sabedoria imortal,

derramando toda riqueza de um ano,

no consumo varado da compulsão,

enquanto nobres se fartam de brioche,

e os miseráveis ficam sem o seu pão.

No mosteiro do fim de ano,

ora o monge do alto monte tibetano,

pelo seu opressor filho das dinastias,

e na ilha das prisões de Guatânamo,

vivem acorrentadas de ódio as etnias.

 

Nem no fim, nem no novo,

se ouve o roncar da barriga vazia,

nem o apelo do santo peregrino,

para dividir parte dessa fortuna,

para matar a fome do nordestino,

e não derrubar a única baraúna.

 

A roleta da vida gira outra vez,

e passa o final, e passa o novo,

na rota mitológica de cada povo,

como dos heróis da mesopotâmia,

que têm que derrotar os monstros,

para livrar-se da saga cruel do caos:

matar o rei num sacrifício penoso,

para lavar todo pecado criminoso.

 

No novo da Pérsia e da Babilônia,

os escravos tomavam o assento

dos seus notáveis mestres das lidas,

para narrar e cantar seu lamento,

lambendo suas próprias feridas.

 

A Grécia celebrava o seu novo,

com a luta de Zeus contra Titã,

encenando uma liturgia pagã.

 

Os romanos festejavam a saturnália;

soltavam na arena a grande fera;

Cristo cortava o deserto de sandália,

para anunciar ao povo uma nova Era.