A LUTA DE CLASSES NAS TRIBOS CENTRALIZADAS E NO ESTADO

No capítulo “Do Igualitarismo à Cleptocracia”, em seu livro “Armas, Germes e Aço”, o cientista Jared Diamond faz uma viagem na história da humanidade há 40 mil anos, descrevendo a vida do homem em bandos, nas tribos acéfalas, nas centralizada onde já aparece a estrutura social e política de organização até a criação do Estado com suas leis, ordens e punições aos cidadãos que cometem delitos.

Primeiro, ele começa citando os bandos nômades da Nova Guiné onde fez suas pesquisas, chamados de fayus. Eles viviam como famílias solitárias, espalhadas pelo pântano e se reuniam uma, ou duas vezes ao ano para negociar a troca de noivas. São formados por cerca de 400 caçadores-coletores, divididos em quatro clãs. Seu número foi reduzido por causa dos assassinatos cometidos entre eles.

MISSIONÁRIOS E PROFESSORES

A incorporação dos bandos e das tribos à sociedade moderna muito se deveu ao trabalho dos missionários, professores, médicos, burocratas e aos soldados colonizadores. “ A disseminação dos governos e da religião sempre esteve interligada ao longo da história que está registrada, quer a disseminação fosse pacífica, como dos fayus, ou pela força.

Como exemplo de bandos, que ainda vivem de modo autônomo confinados, o autor da obra cita os da Nova Guiné e os da Amazônia, mas existem outros que se submeteram ao controle do Estado e até foram exterminados. Entre eles estão a maioria dos pigmeus africanos caçadores-coletores, os aborígines australianos, os esquimós e os índios das Américas.

Todos, de acordo com Diamond, foram caçadores-coletores em vez de produtores de alimentos estabelecidos. Esses humanos viviam, provavelmente, em bandos até pelo menos 40 mil anos atrás. Praticamente, o bando não tem liderança formal, conquista por qualidades, força, inteligência e uso da luta. O “líder” do bando é chamado de o “homem-grande”, como qualquer outro do grupo, sem nenhum privilégio de vida.

Na Nova Guiné, por exemplo, o bando é nômade porque tem que se mudar quando já cortaram os sagueiros maduros em uma área. Lembra o autor do livro que os gorilas, chimpanzés e os macacos bonobos africanos também viviam em bandos. “O bando é a organização política, econômica e social que herdamos de nossos milhões de anos de história evolutiva”.

“A organização tribal é bem representada pelos habitantes das regiões montanhosas da Nova Guiné, cuja unidade política antes da chegada do governo colonial, era uma aldeia, ou grupo de aldeias de pessoas com relações de parentesco”. O pesquisador aponta, como exemplo, os forés com os quais trabalhou, em 1964, com a mesma língua e a mesma cultura.

Em sua opinião, essa organização tribal começou a surgir por volta de 13 mil anos atrás no Crescente Fértil e depois em algumas outras áreas. Além de deferir do bando, em virtude da residência fixa e do maior número de membros, a tribo também é constituída de mais de um grupo de afinidade, denominada de clã.

Na estrutura tribal centralizada em sociedades, as soluções quanto às questões de conflitos entre estranhos são mais complicadas em grupos maiores. Numa tribo acéfala, quase todos são parentes consanguíneos, ou por afinidade. Mesmo assim, ela preserva um sistema de governo informal e igualitário. No bando, o poder do “homem-grande” é limitado.

Nas tribos, nenhum membro, ou bando tradicional, pode enriquecer mais do que os outros pelos próprios esforços, pois cada indivíduo tem deveres e obrigações para com os outros. Como nos bandos, as tribos não têm força policial, burocracia e impostos. Todos os adultos capazes participam do cultivo, da coleta ou da caça dos alimentos.

DESAPARECIMENTO DAS TRIBOS CENTRALIZADAS

As tribos centralizadas totalmente independentes desapareceram no início do século XX, porque costumavam ocupar a melhor terra, almejadas pelos Estados. Elas surgiram por volta de 5500 a.C. no Crescente Fértil, e por volta de 1000 na Mesoamérica e nos Andes, conforme indícios arqueológicos. As centralizadas são muito diferentes em características dos Estados europeus e americanos modernos.

Diz o autor que, cerca de 7.500 anos atrás, com o aparecimento das tribos centralizadas, as pessoas tiveram que aprender como encontrar-se com estranhos sem tentar matá-los. Na centralizada, o chefe ocupava um posto reconhecido, preenchido pelo direito hereditário, diferente da tribo acéfala. As ordens do chefe podem ser transmitidas por um, ou dois níveis de burocratas, muitos dos quais, subchefes.

Ao contrário dos burocratas estatais, os das tribos centralizadas desempenhavam funções genéricas, e não especializadas. Mesmo assim, o excedente de alimentos gerados por algumas pessoas, relegada à classe plebeia, era usado para alimentar os chefes, suas famílias, os burocratas e os artífices. Os produtos de luxo eram reservados para os chefes.

“Algumas antigas tribos centralizadas complexas, também se distinguem dos povoados tribais simples pelas ruínas da arquitetura pública elaborada e por uma hierarquia regional de povoações, revelando um local maior e possuindo mais prédios administrativos e artefatos que os demais”.  A sociedade era dividida em chefes hereditários e classes plebeias. Muitas funções inferiores em tribos centralizadas eram exercidas por escravos, capturados em ataques de surpresa.

AS PROMESSAS DAS CLEPTOCRACIAS

As centralizadas desenvolveram um sistema monetário, denominado de economia redistributiva, o que significava tributos, precursor dos impostos que apareceram pela primeira vez nesse modelo de tribo. As maiores tendiam a ter chefes mais poderosos, com mais níveis de linhagens e distinções entre a autoridade e os homens do povo, mais retenção de tributos e mais categorias de burocratas. Uma aldeia maior com um chefe supremo controlava as menores com chefes inferiores.

Com o tempo, foram se formando as cleptocracias através da transferência da riqueza do homem do povo para as classes sociais superiores. Diamond destaca que a diferença entre um cleptocrata e um estadista sábio é de apenas um grau; só questão do tamanho da percentagem do tributo extorquido dos produtores e retida pela elite. Outra diferença está nas obras públicas nas quais o tributo redistribuído é aplicado.

Seja numa sociedade estratificada, ou um Estado, o cientista pergunta por que o povo tolera a transferência do fruto do seu trabalho para os cleptocratas? Questão como essa abordada por Platão e Marx é novamente levantada por eleitores em todas as eleições modernas. As cleptocracias correm o risco de serem derrubadas pelo povo oprimido, ou por novos ricos prontos para substituir os cleptocratas que buscam apoio na opinião pública com promessas de uma prestação maior de serviços em relação aos frutos roubados.

Para se manter no poder, os cleptocratas sempre procuraram desarmar a população e armar a elite; fazer a massa feliz redistribuindo boa parte dos tributos; e usar o monopólio da força para conter a violência. Outra saída é elaborar uma ideologia ou religião que justifique a cleptocracia. Muitos chefes apelam para as crenças, alegando ter uma linha direta com os deuses, mesmo nas tribos. O chefe dizia servir ao povo intercedendo por ele junto aos deuses, utilizando fórmulas rituais para obter chuvas, boas colheitas e êxito na pescaria.