É mais um texto extraído do livro “ANDANÇAS”, de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário, recentemente lançado e que pode ser encontrado na livraria Nobel e na Banca Central, da Praça Barão do Rio Branco, em Vitória da Conquista, ou ser adquirido diretamente pelo autor através do e-mail macariojeremias@yahoo.com.br e tel 77 98818-2902.

A sociedade tecnoconsumista cria, recria, inventa, reinventa, acresce botões, classifica os estilos sexuais e nos trata como poções. Ela dissolve, ilude, engana, derrete, conduz, seduz, atiça desejos supérfluos, discrimina, agride e tritura tudo na máquina das ilusões.

Os idiotas consumistas genéricos acreditam; perdem suas identidades; exercitam a beleza estética; e tornam acéfalos de espírito. Eles querem o espetáculo contraditório disforme de massas musculares enormes, ou corpos esqueléticos coliformes, mas nos ensinam que temos o livre arbítrio.

Conte sua história. A felicidade do sucesso é expor a vida íntima em troca de três minutos num programa de audiência televisiva evasiva. Tudo que se revela não passa de um monte de mentira contraditória, sem vitória. A imagem da lente inventa e foca as vísceras; amplia as fezes e os vermes; e extirpa o pus lá de dentro do ventre. O homem é esmagado como barata nojenta.

É viva a corrida da busca pela glória! Não importam os meios. Tem que ser competitivo vencedor. A alma sempre está à venda numa bandeja de prata e não falta o comprador-financiador. A máquina foi feita para fabricar o stress, com suas técnicas infalíveis. Você tem que ser o primeiro a chegar à boca do cofre, senão outro pode arrombá-lo.

Como na roleta russa, o suor ferve e escorre na pele; as veias parecem explodir; o coração arrebenta, enquanto se espera o detono da bala. Num só impacto, sua cabeça será esfacelada. Cada corrida é um teste. É o jogo de vida ou morte. Tudo por um punhado de dólares, como na cobiça do faroeste.

Seu cuspe não vale nada se não alcançar a maior distância. Não é preciso aprender a ser humano e ter espírito de cooperação. Seu lado sentimental e emocional vive em constante processo de ebulição. Só existe uma via hegemônica, ou logo se falece na estrada. Nada de pensamento diverso. Siga a métrica e a rima do verso.

Na cultura capitalista, só o cliente é tudo, e o empregado, instrumento do lucro a qualquer custo. As relações entre o patrão se resumem ao trabalho. Depois é só jogar fora o caroço. Não existem espaços para erros.

O mercado é regido pela tabuada rigorosa do somar e multiplicar. Nada de dividir e diminuir. É só decorar e seguir suas normas impostas. Quem não assim fizer, está fora. Não importa se é fingido ou hipócrita. A ordem vem de lá como se apresentar; apertar a mão; olhar reto; sentar sem cruzar; vestir almofado; e até andar de lado, bem caprichado.

Aprenda na cartilha o que deve ser dito à frente do entrevistador. Prepare-se para os enigmas do QI. Decifra, ou seja, devorado. Você é domesticado para mentir e mudar de personalidade, sem remorso. Você tem prazo de validade.

A aparência da sociedade consegue encobrir, por um tempo, as condutas desequilibradas e desajustadas. O princípio é ser corretamente político, e nada de apontar a verdade. Não seja maluco, meu camarada. Siga pelo caminho que lhe indicaram. Ser o que se é não é mais o ideal.

Nossa terra precisa de um novo movimento antropofágico. Uma gente que incinere este lixo exportado de fora. Nosso estômago está cheio de bichos estranhos roedores. Nossa carne não é a nossa carne. Nossas vísceras são de outros canibais. Nossas cabeças não são mais dos antepassados ancestrais.

Povo aniquilado pelas ditaduras da beleza, do som, do corpo sarado, da estética, dos cosméticos e das cirurgias de plásticas monstruosas. Por que nos exigem tantos estilos para tudo? Vivemos trancados num armário bolorento, com cheiro de mofo, mas achamos que está todo perfumado. A única opção é viver engarrafado.

Estamos cheios de feriadões fabricados pela mídia, que dita o nosso comportamento e fala o que ela quer e não o que queremos. Todos saem estressados das metrópoles, para ficarem mais estressados nas estradas e nas filas dos restaurantes com hotéis lotados. Brigam todo tempo com a mulher e os filhos. O tempo vai engolindo a gente, sem, ao menos, aprender a viver, para morrer.

Temos um monte de coisas, sem uma sequência lógica dos fatos, mesmo porque a vida não tem lógica, e a felicidade de agora já foi embora. Depois que falo já não é mais a mesma fala. Qual o agora você é feliz? O antes ou o depois?

Dinheiro muito pode ser pouco, e dinheiro pouco pode ser muito. Solidão pode ser amor, e amor pode ser solidão. As andanças não têm fim quando se procura o sentido, mas você vai continuar a andar. Mesmo sem sentido, o destino é andar, mesmo que não haja destino.

As pessoas são rotuladas por tipos, como o metrossexual, ubersexual, o nerd, o “X”, o “Z”, o “Y”, o “CDF”, o branco, o negro, o rico, o pobre, o feio, o bonito, o da terceira idade, sem direito a quarta, mas todos têm que ser consumista; andar de celular; dar presentes no Natal; se vestir legal; e usar as redes sociais, para serem normais.

Afinal, você é subdesenvolvido ou emergente? Diferente ou indiferente? Alienado ou escória da sociedade? Ativo ou passivo? Pensando bem, sou nada e o tudo, e a mosca na sopa de Raul Seixas. Sou a navalha e a faca de dois gumes. Sou o metal usado dos dois lados pelo poder, que diz ser cedo a aposentadoria aos 65 anos, enquanto o mercado capital discrimina aos 40. Fico sem saber quem sou e para aonde vou.

Minhas vísceras estão sempre abertas ao sistema, que vigia o tempo, constantemente, mesmo debaixo do esgoto. O roto fala do esfarrapado, e o correto é o tolo. Que bosta é esta de que a vida me deu régua e compasso, se nem sou dono do meu próprio passo! Sou um maço de cigarro amassado.