Pelo mínimo de atenção que nossos governantes e o setor empresarial dão à nossa raquítica cultura, não basta o gesto de transformar uma linguagem artística popular em patrimônio cultural nacional como fizeram agora com a secular literatura de cordel, tão cantada e decantada no Nordeste. Não passa de mais uma atitude de embromação de que estão fazendo alguma coisa pela nossa memória.

Esse tipo de reconhecimento que sempre não sai de um documento de papel, seja de ordem material ou imaterial, não apaga os anos de abandono da cultura, mesmo porque essa política ignorante de país atrasado subdesenvolvido já destruiu e eliminou do nosso mapa centenas e milhares de patrimônios culturais, como agora aconteceu com o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

São tão ridículos que criaram tal de Agência Brasileira de Museus (Abram) no lugar do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), como se a troca de siglas, ou das letras “A” pelo “I”, fosse resolver o problema do setor. Não têm a mínima vergonha na cara de dizerem que a agência vai reconstruir o museu e dar suporte à preservação de outras 27 instituições do país. Com atestado de mediocridade, sempre fazem isso com a maior cara de pau.

Faço aqui uma vênia para reverenciar os grandes cordelistas cearenses Cego Aderaldo e Patativa do Assaré, este último um titã do Nordeste, destacando “Triste Partida”, composição gravada pelo mestre “Gonzagão”. Homenagem merecida também ao alagoano Rodolfo Cavalcanti e aos baianos José Gomes, o Cuíca de Santo Amaro e ao nosso Bule-Bule ainda com seu pandeiro nos batuques da vida.

O Cuíca vendia seus livros a preços populares por toda Salvador, fazendo ponto nas partes alta e baixa do Elevador Lacerda. Pela sua irreverência, infernizando a vida de grandes personagens da sociedade, era sempre preso pela polícia, tendo conseguido um salvo-conduto expedido pelo então  governador Otávio Mangabeira.

Sou amante do cordel e dos repentistas desde menino quando via nas feiras estes cantadores e os papeizinhos miúdos de versos recitados por nordestinos sertanejos, contando as histórias e estórias do nosso povo. Seus causos sempre sacudiram minha imaginação, como numa viagem ao mundo dos mitos e das lendas. Não é de diploma que o cordel necessita, e essa ação não me empolga em nada.

Esses impressos em papéis de segunda ou terceira categoria sempre tiveram o caráter noticioso, escritos por verdadeiros repórteres do povo, mas os acadêmicos, com suas arrogâncias de sábios que nada sabem, sempre torceram a cara e trataram essa cultura popular como literatura de nível inferior. Poucas vezes foi estudada nas escolas, nos cursos de graduação ou mestrado.

Portanto, não é esse título isolado de patrimônio cultural que vai mudar este cenário de desprezo, nem a mentalidade política e acadêmica a respeito da grande importância que exerceu e ainda exerce o cordel na sociedade em geral. Prova disso é que não houve até agora mudanças políticas no sentido de apoio integral com relação a outras atividades culturais que também foram agraciadas, como o samba, o frevo, o acarajé e outras expressões.

Fosse assim, nosso patrimônio arquitetônico, museus e monumentos estariam em ótimos estados de conservação. Muito pelo contrário, estão todos em ruínas e muitos desapareceram ou viraram cinzas. Aliás, a nossa cultura se arde e é consumida pelo constante fogo criminoso da irresponsabilidade. Em trajes esfarrapados e maltrapilhos, é assim que vive hoje nossa triste história, sempre caminhando para ficar completamente nua pelos incêndios e desabamentos.