Carlos Albán González – jornalista 

O Tribunal de Justiça Desportiva do futebol da Bahia (TJD-BA) deveria vir a público para explicar quais foram os critérios adotados na interpretação das leis que regem o popular esporte, por ocasião do julgamento, no último dia 27, dos fatos vergonhosos que mancharam o Vitória x Bahia do dia 18, no Estádio Manoel Barradas (Barradão). Sem precisar do bola de cristal prevejo que o debilitado campeonato de 2018 vai trocar os campos de jogo pelas salas dos tribunais, por meses a fio, repetindo a crise de 1999, quando Bahia e Vitória dividiram o “caneco”.

Insatisfeito com o resultado do julgamento, a Procuradoria do TJD manifestou sua decisão de recorrer ao Pleno do órgão judicante, constituído de nove auditores, solicitando à presidência da Federação Bahiana de Futebol (FBF) a paralisação do campeonato, cuja penúltima rodada da fase de classificação está programada para o próximo final de semana.

Na opinião do procurador Ruy João, a continuidade do estadual pode provocar “dano irreparável ou de difícil reparação”. Numa entrevista aos jornais de Salvador o procurador qualificou de “absurdas e estarrecedoras” as punições aplicadas pelos quatro auditores (advogados de “reconhecido saber jurídico e reputação ilibada”) – o quinto se declarou impedido – da 1ª Comissão Disciplinar do TJD.

O principal questionamento da Procuradoria está relacionado com a ausência de punição para o responsável pela interrupção do jogo. O Vitória, que deu causa, recebeu uma multa de R$100 mil. Entidade jurídica, o clube se “personifica nos seus dirigentes, técnico e atletas. Então, alguém precisa ser apontado como responsável”, expõe Ruy João, estranhando a ausência, na lista dos punidos, de um membro da diretoria, do treinador Valter Mancini, do supervisor Mário Silva, e até mesmo do zagueiro Bruno Bispo, que recebeu o quinto cartão vermelho, deixando o seu time com apenas seis jogadores em campo, entregando a vitória ao Bahia, pelo placar de 3 a 0, como determina o Regulamento Geral de Competições da CBF, no seu artigo 56, incisos 3º e 4º.

Outra questão levantada pelo procurador diz respeito a não apreciação pelos auditores da leitura labial, encomendada pelo Globo Esporte, da frase de Mancini, mandando seu atleta receber o quinto cartão vermelho. Ruy João também discorda da absolvição do goleiro Lucas Fonseca, que aparece nas imagens das televisões como o iniciante da briga generalizada, ao imobilizar Vinicius pelo pescoço, para que seus companheiros do Vitória praticassem a bárbara agressão física. Com o supercílio sangrando, a vítima deu queixa numa delegacia policial.

Ao apresentar a denúncia contra os envolvidos na guerra do chamado “Ba-Vi da Paz”, um outro membro da Procuradoria, Hermes Hilarão Teixeira Neto, pediu a desclassificação do Vitória do campeonato deste ano e o rebaixamento para a 2ª divisão em 2019. Somente um dos auditores da 1ª Comissão Disciplinar do TJD acatou o pedido.

Dias de terror viveu Hilarião e sua família, com as ameaças de morte enviadas por membros a torcida organizada do Vitória “Os Imbatíveis”, considerada como uma das mais violentas do país. O procurador garante que dispõe dos números de telefones e endereços nas redes sociais de todos os agressores, passíveis de terem que passar uma temporada atrás das grades.Convocado extraordinariamente, o Conselho Deliberativo do Bahia esteve reunido na última quarta-feira para analisar as medidas tomadas pelo TJD. A principal decisão foi continuar a disputar o Campeonato Baiano – dirigentes chegaram a falar em abandonar a disputa – “mesmo não lhe dando credibilidade, mas em respeito aos nossos torcedores e patrocinadores”. Na nota distribuída, o Tricolor sugere que os tribunais esportivos atendam aos princípios éticos e sociais e diz esperar que o futebol baiano passe pela mesma transformação – a derrubada de uma ditadura – que o clube conheceu há quatro anos.

Ainda comemorando o resultado do julgamento, Mancini declarou a uma rádio de Salvador que, a partir do próximo jogo o Vitória descarta firmar pactos de paz com seus adversários. Vai, inclusive, proibir seus jogadores de abraçar os colegas de outros clubes e que estava arrependido de ter abraçado o técnico Guto Ferreira, do Bahia, antes do Ba-Vi do dia 18.

Até agora não foi explicado como os jogadores punidos vão cumprir de dez (Kanu) a oito (Denílson, Rhayner, Yago, Edson e Rodrigo Becão) jogos de suspensão, se Bahia e Vitória têm, no máximo, cinco jogos a fazer pelo “Baianão”.

A interrupção do campeonato vai provocar uma crise financeira ainda maior nos clubes que se organizaram para uma disputa de janeiro a março. O torneio é bastante deficitário. Um exemplo: o jogo Vitória da Conquista x Jacuipense, programado pela FBF – seu presidente, Ednaldo Rodrigues, torcedor do Vitória, é filho desta cidade – levou apenas 381 pagantes ao “Lomantão”, numa Quarta-Feira de Cinzas”, ficando o clube local com um prejuízo de R$ 6.189.

Ex-jogador amador (1970 a 1984) do futebol de Vitória da Conquista e ex-presidente da Liga local, Nadinho, como era conhecido na cidade, elegeu-se presidente da FBF em 2001. Como a maioria dos “cartolas”, adquiriu vitaliciedade. Nos 16 anos de mandatos de Ednaldo, o Vitória ganhou 11 títulos estaduais e o Bahia, quatro.