Não se sabe ao certo como é no além, mas a desigualdade social é um estigma que o indivíduo carrega consigo desde o nascer até na morte. Basta olhar nos cemitérios as covas dos pobres com uma simples cruz e os túmulos suntuosos dos ricos, para sentir como ela é perversa na vida que já nasce morta. É através dela que muitos questionam a existência de Deus, indagando o porquê de Ele permitir tudo isso. Outros mais resignados dizem que foi assim que Deus quis, até quando o pobre tem dez filhos.

Não é coisa pronta de Deus. É coisa arquitetada pelos próprios homens, do estrangulamento impiedoso dos mais fortes contra os mais fracos. É fruto da natureza egoísta e da ganância desmedida do poder e do capital que só enxergam seus interesses exclusivos do lucro e do governar a serviço de si e das elites burguesas. A desigualdade fere a alma de morte e anula qualquer sentido de ser, do existir.

No Brasil ela sempre foi, desde os tempos coloniais, a mais carrasca de todas, senão uma das mais agudas do mundo. O deboche chega ao cúmulo de dizer que Deus é brasileiro. Se fosse assim, então Ele seria um ente desprezível. Brasileiro Deus para eles que vivem em suas mansões com fartos banquetes custeados e mantidos pela miséria e pela escravidão, de sangramento contínuo da carne humana e do espírito.

No nosso país, creio que essa desigualdade é mais ainda alimentanda pela total alienação, pelo individualismo e pela falta de indignação em protestar contra as mazelas e as corrupções. É cômodo jogar a culpa em Deus e passar todo o tempo fazendo caridades e assistencialismos que só fazem humilhar mais ainda o ser humano. Esmolas não vão nunca resolver a questão da desigualdade. No Natal aparecem os “socorristas” de plantão para enganar uma dor que logo depois volta a fustigar dia e noite.

OS NÚMEROS NÃO MENTEM

Vamos deixar de lado o blábláblá sociológico e filosófico e partir direto para os cruéis números da desigualdade social no Brasil que são estarrecedores. Não são as almas caridosas de final de ano que vão amansar uma tirana que rói continuamente as barrigas famintas, ou apagar as injustiças que ferem mortalmente as pessoas necessitadas. Não considero este tipo de ação como solidariedade, mas como remorso de consciência pelo que não é feito de real para curar o mal que corrói toda sociedade.

Bem, para começar, como diz a manchete dos jornais: “1% dos brasileiros ganha 36 vezes mais que a metade pobre do país”. No Brasil, a desigualdade é extrema e segue aumentando o abismo entre o 1% e os 50% com os menores salários. Os dados mortais de extermínio em massa são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É um verdadeiro genocídio entre irmãos, para ser bem redundante, provocado pela corrupção e por todos brasileiros que cruzam os braços ante a desgraça humana.

Pelos números, as 889 mil pessoas, correspondentes a 1% dos abonados, têm uma renda média mensal do trabalho acima de R$27 mil. Os 50% recebem os piores salários, em torno de R$700,00, bem abaixo do mínimo. Considerando os 5% com menores salários, a renda média é de míseros R$73,00 mensais. São quase cinco milhões nesta situação de degradação social. Nos centros urbanos, somente 23% têm uma vida satisfatória em termos de dignidade humana. A maioria luta para sobreviver.

No caso da renda per capita de todas as fontes, e não apenas o rendimento do trabalho, onde o ganho disponível é dividido por todos moradores do domicílio, ou barraco, o quadro é ainda mais grave. Ai, a renda média mensal per capita dos 5% com menor poder aquisitivo foi de apenas R$47 em 2016.

O NORDESTE SUPERA EM TUDO

Como sempre foi em todos os níveis e setores econômicos e sociais, a pobreza no Norte e Nordeste é mais aguda e violenta, com apenas R$38 e R$33, respectivamente. Até a estatura média do nordestino é a menor de todas. Apesar de forte e valente, ele é raquítico pela fome. E ainda dizem por aí que Deus é brasileiro. O Nordeste bate todos os recordes de tudo que é ruim, e pior ainda no campo social.

Vamos a outros índices repugnantes que são a vergonha da nação. Os 10% mais bem remunerados no Brasil detém 43,4% do total de rendimentos, em 2016, mas isso é bem pior nos dias atuais. Outro dado é que 12,4 milhões ganham mais do que o conjunto de 99,2 milhões de brasileiros juntos.

Praticamente, 30% das casas localizadas no Nordeste recebem Bolsa Família, isto em 2016, mas só faz crescer o contingente. Do total de 69,2 milhões de domicílios registrados, em 2016, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 14,3% recebiam o Bolsa Família. Outros 3,4% tinham o Benefício de Prestação Continuada. No Nordeste, 5,4%.

O rendimento médio domiciliar per capita de casas com Bolsa Família é de cerca de R$330,00 contra R$1.240,00 para o país como um todo. A região Nordeste concentra 44% do total de quase 16 milhões de pessoas que recebem renda classificada como outros rendimentos.

Crianças e idosos são as maiores vítimas do monstro da desigualdade social. Quase dois milhões de um total de 40 milhões de crianças e adolescentes no grupo de 5 a 17 anos, realizam alguma atividade considerada trabalho formal. O Nordeste é a segunda região com maior quantidade de trabalho infantil entre menores de 5 a 13 anos.

O mais revoltante de tudo isso é que, para emplacar a reforma da Previdência Social, aparece a cara de deputados na tela nos dizendo que a dita cuja vai acabar com os privilégios, enquanto o Congresso Nacional mantem suas aberrantes mordomias de salários e verbas indenizatórias. Magistrados, verdadeiros marajás, não abrem mão de seus penduricalhos como auxílios-moradias, alimentação e saúde, onde 26 tribunais de Justiça gastam quase R$900 milhões por ano apenas com esses pagamentos. Para completar o extermínio social, introduziram agora a escravidão do trabalho.

Nesse conjunto de aberração social monstruoso surge todo final de ano o chamado “Natal Feliz”, com a entrega sentimental de brinquedinhos para as crianças e alguns produtos alimentícios básicos para suas famílias que vivem na pobreza e na miséria, amontoadas em casebres fedidos, sem saneamento e as mínimas condições de habitação. Somos o país da hipocrisia sentimentalista que se utiliza da miséria para fazer “caridades cristãs” e dizer a eles (os sofridos) que um dia vão ganhar o reino dos céus.