Carlos Albán González

Há três anos “migrei” para Vitória da Conquista, depois de  concluir que Salvador, onde morei por mais de meio século, estava cassando meus direitos elementares de cidadão, aprisionando-me no interior de um apartamento na Barra, bairro festivo para os visitantes e insuportável para os que lá trabalham e residem. Nesse período de mudança de cidade e de clima andei pesquisando e ainda não encontrei alguém que tenha manifestado a intenção de fazer o caminho de volta.

O principal argumento que os novos conquistenses apresentam é a qualidade de vida que aqui encontraram. Confessam – e eu faço coro com eles – que sentem falta de uma boa programação cultural; das águas mornas da Baía de Todos os Santos; dos jogos do Galícia e do Bahia. Ao mesmo tempo reconhecem – e com toda razão – o reduzido número de agências bancárias e dos Correios, a má cobertura da cidade pelo transporte público, e, principalmente, o precário atendimento médico e hospitalar oferecido pelo poder público à população carente. Nesse sentido, uma grande parcela de culpa cabe às administrações de dezenas de municípios da região, cujos gestores desviam as verbas destinadas à saúde e “despacham” seus doentes para Conquista.

Há cerca de dez dias fiz uma viagem a Salvador, onde permaneci por duas semanas, hospedado num apart-hotel na Barra, onde . observei que, em vários aspectos, os problemas de três anos atrás se multiplicaram. Estado e município travam uma briga surda visando às eleições do próximo ano.

De um lado da cidade, mais precisamente na Avenida Paralela, o governador Rui Costa acelera o carro-chefe de sua administração, o metrô, que deve chegar ao final deste ano até o Aeroporto 2 de Julho. No outro extremo da cidade, erguem-se  – as obras tiveram início em novembro – os gigantescos camarotes (o maior deles, em Ondina, dificulta o acesso dos banhistas à praia), com as bênçãos do prefeito ACM Neto. Tanto na Paralela quanto na Avenida Oceânica (trecho Ondina-Barra), as obras pioram o mau humor de motoristas, moradores e comerciantes.

Ao sobrevoar Salvador o viajante não pode deixar de notar a enorme concentração de favelas horizontais, cujas casas, muitas delas com “puxadinhos” e lajes, não seguem a um ordenamento. Esses verdadeiros “formigueiros humanos” ocupam quase toda a região norte, estendendo-se pelo Subúrbio e pelos municípios de Lauro de Freitas e Simões Filho. A favelização da capital baiana foi comprovada pelo IBGE, após o Censo de 2010. Foram encontradas 931.662 pessoas morando em Aglomerados Subnormais (AS), o que corresponde a 26% dos habitantes (segunda posição em números percentuais, abaixo de Belém).

Essa parte de Salvador, com uma enorme desigualdade econômica e social com os bairros da zona sul, expõe a ausência do poder público – os políticos só aparecem nos períodos eleitorais – é orientada por falsos líderes evangélicos e a conviver com o submundo do crime, que controla o funcionamento do comércio,  das escolas e dos postos de saúde,além do tráfego de ônibus e caminhões de entrega.

A Bahia está em primeiro lugar em número de beneficiários do Bolsa Família, segundo a Secretaria de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. São 1.783.728 famílias, que recebem uma ajuda média mensal de R$ 167,43. Entre os 5.570 municípios brasileiros, Salvador é o quarto colocado, abaixo de São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza. As 175.531 famílias soteropolitanas cadastradas recebem uma média mensal de R$ 149,10. A economia dos bairros periféricos da capital gira em função do programa social criado em 2004.

Uma visita à igreja do Bonfim faz parte do roteiro turístico de Salvador. Para chegar à Colina Sagrada o visitante tem que, invariavelmente, de passar diante do hospital que faz parte das Obras Sociais de Irmã Dulce (OSID), onde, diariamente – muitos chegam na véspera – centenas de pessoas, sob um sol inclemente, aguardam por uma consulta médica. Aquelas filas ofendem a dignidade humana e revelam ao turista a quanto  anda a saúde pública em Salvador. A poucos metros dali, a prefeitura construiu uma praça em homenagem à religiosa, beatificada pelo papa Francisco. Tenho certeza que ela ficaria muito mais satisfeita se o espaço fosse utilizado para receber os seus pobres e doentes.

A praia sempre foi a principal opção de lazer do morador de Salvador. O que ele gastava com a família nos fins de semana cabia no seu orçamento doméstico. Mas, há alguns anos, os preços de refrigerantes, água mineral, cerveja e “churrasquinho de gato” se tornaram proibitivos. O banhista está pagando por cadeiras e “sombreros”. Vai chegar o dia que será cobrada uma taxa por um simples mergulho. Hoje, a caixa de isopor faz parte da bagagem que o banhista leva de casa.

Concluindo esse meu “passeio” por Salvador, regresso a Vitória da Conquista com a certeza de que o custo de vida na capital é bem mais alto em comparação com o daqui. No confronto dos preços a exceção fica por conta do transporte público.