A força policial brasileira é a que mais mata no mundo. É o que diz relatório da Organização Anistia Internacional. Diante de fatos comprovados através de atitudes e práticas reais de violências noticiadas quase que diariamente pela imprensa, a polícia militar, em questão, precisa ser totalmente repensada. Não é mais concebível a persistência de mentalidades arcaicas na sociedade atual.

Criada desde o império, mais para proteger as grandes propriedades dos senhores do reino, ela hoje tem o casco endurecido e necessita de uma nova roupagem longe da concepção primária de reprimir e matar como é pregado nos quartéis por muitos oficiais quando dizem que “bandido bom é bandido morto”, enquanto a violência só faz aumentar.

Há quem defenda sua extinção e criação de uma nova corporação, bem mais instruída do ponto de vista do saber lidar e se relacionar com as comunidades em suas abordagens. A população não quer mais uma polícia que passa a maior parte de seus treinamentos fazendo exercícios físicos, atirando em alvos e ouvindo de seu comandante a ordem de que ele (o soldado) está sendo preparado para uma guerra como se o povo fosse o inimigo.

A polícia da repressão do pobre (não quero aqui falar de cor) está caduca, viciada e contaminada, inclusive empregando métodos e força da época do regime militar. Aliás, pela Constituição, ela é ainda subordinada ao Exército. Modificar a cena do crime, forjar tiroteios e mortes para incriminar a vítima (seja marginal ou não) foram práticas costumeiras da ditadura contra políticos e os considerados subversivos.

É certo que não são todos corruptos, que aceitam propinas e fazem acordos com traficantes e bandidos, mas o número daqueles que têm desvios de condutas só tem crescido e aumentado, bem como as matanças e as chacinas dos esquadrões da morte. No Rio de Janeiro, por exemplo, descobriu-se que um batalhão, inclusive o comando, era todo corrupto.

Não dá mais para dizer e esconder que são apenas poucos os policiais fardados que optam pela bandidagem. A contaminação é cada vez mais crescente. Em países desenvolvidos, as instituições tendem a se renovar e a se evoluir com as mudanças sociais. Aqui elas continuam com os mesmos métodos antiquados, brutos, injustos e estúpidos.

Para comprovar essa mancha da repressão, segundo a Anistia Internacional, o Brasil aparece como país que tem o maior número geral de homicídios no mundo inteiro. Só em 2012 foram 56 mil homicídios. Em 2014, dos homicídios ocorridos, 15,6% tinham um policial no gatilho. A polícia atira em pessoas que já se renderam, que estão feridas e sem advertência para que o suspeito se entregue.

O pior de tudo é que a maioria dos policiais nunca foi punida. A Anistia acompanhou 220 investigações sobre mortes causadas por policiais desde 2011. Neste período, apenas num caso o soldado chegou a ser formalmente acusado pela justiça. Dos 220 casos neste ano, 183 investigações ainda não tinham sido concluídas.

Não temos só o caso do pedreiro Amarildo (Rio de Janeiro), mas muitos de truculência, inépcia e despreparo nas abordagens seguidas de mortes. Recentemente um sargento atirou em dois rapazes numa moto alegando ter confundido um macaco hidráulico como uma arma que eles levavam na garupa do veículo. Mesmo que fosse uma metralhadora o ato não é justificável. Ainda estão quentes as chacinas ocorridas em São Paulo.

Iguais a estes fatos existem centenas por aí, como o caso do menino Maicon, em Vitória da Conquista, que os policiais terminaram atirando nele quando de uma ação desastrada e ainda esconderam o corpo. Há três anos que não se tem uma resposta. Basta um bandido assassinar um policial para um grupo deles agir por conta própria e sair por aí fazendo matanças de qualquer jeito.

Mais uma vez, vamos relembrar aqui a chacina que policiais praticaram há cerca de 10 anos numa periferia de Vitória da Conquista. Na época, uma promotora foi ameaçada de morte (morreu depois num acidente de carro). Até hoje, nada esclarecido. Os culpados devem estar atuando nas ruas.

Em todas as mortes se pede que a justiça seja feita, e as “autoridades” declaram que o caso está sendo investigado e apurado. É por essas e outras que a população tem medo e não confia mais na polícia. Sempre impera o corporativismo, como em todas as categorias, inclusive entre as ouvidorias que mais existem como fachadas e não como órgãos sérios para punir.

A repressão cresce, a violência aumenta e só os comandantes e os governantes não aceitam que a instituição da polícia militar seja urgentemente repensada, não bastando apenas adotar aquela disciplina rígida de quartel. É preciso colocar de uma vez na cabeça da corporação que o cidadão merece todo respeito e não pode ser desacatado também.

Outro equívoco é a rigidez dos colégios militares que impõem aos jovens estudantes uma disciplina de quartel e ainda ensinam que em 31 de março de 1964 aconteceu uma revolução e não um golpe civil-militar no Brasil. Meninos e meninas convivem com soldados armados nas salas e corredores das escolas com a maior naturalidade. Os alunos perfilam com mãos para trás como num reformatório de menores infratores e se exige as continências, dentre outras práticas militares. Será que estes jovens estão sendo mesmo formados e preparados para o mundo moderno fora desses colégios militares?

Não contesto, sob hipótese nenhuma, o papel importante da disciplina  que as escolas devem manter nas salas de aulas, não só para o bom desempenho do estudo, mas também como forma de preservar o respeito entre estudante e professor. Era assim nos meus tempos de estudante.

O alcance da qualidade de ensino tão propalado no Brasil não depende de uma disciplina rígida militar. É correto nos tempos atuais conseguir bons resultados na base do medo e da repressão? Bem, a questão de se encontrar o caminho certo da boa educação ainda está longe de ser conquistado, mas não à base do rigor e com “mão de ferro”.