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Itamar indica artigo de Orlando Senna:

Há dez anos tive uma longa conversa com o excepcional cineasta grego naturalizado francês Costa-Gavras, em Salvador da Bahia, onde estávamos participando de um seminário. Já havíamos tido outras conversas em Havana e na Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba e, depois do encontro baiano, voltamos a nos ver algumas vezes em Paris. Mas a conversa na Bahia foi reveladora para mim, tanto para um entendimento mais fino da obra costa-gavriana durante o século XX como para suas cogitações e propostas para o século que estávamos começando a viver naquele momento. Jantamos juntos três vezes durante o convívio de uma semana e ele escolheu sempre o mesmo restaurante, Delírio Tropical, e a mesma comida baiana, do acarajé ao arroz de hauçá, com muito dendê e pimenta. Explicou: “os deuses afrobaianos são os melhores cozinheiros de todos os Olimpos e quem está dizendo isso é um grego”.

Costa, como é conhecido entre seus amigos e no meio cinematográfico europeu, é um cineasta fundamental na relação da arte com a política. Ou, como ele diria, da arte com a política, a história e a análise social, aspectos que conformam uma unidade indissolúvel em seu entendimento do binômio vida individual/vida coletiva. Para ele todo e qualquer filme é político e cinema é, antes de qualquer coisa, cinema (“um filme é um espetáculo popular, é arte e diversão”). Ficou mundialmente conhecido com seu filme Z, de 1968, narrando o assassinato de um deputado esquerdista na Grécia e, por tabela, a derrota das esquerdas e a vitória da contra-revolução em várias partes do mundo.

Depois realizou mais uma dúzia de filmes marcantes até o final da década 1990, entre eles Estado de sítio (État de siège), o sequestro no Uruguai de um agente da CIA e um diplomata brasileiro, tendo como pano de fundo as ditaduras sul-americanas; Missing, o desaparecimento de um cidadão estadunidense no Chile de Pinochet e os empecilhos criados pelos próprios EUA para impedir a investigação; Atraiçoados (Betrayed), o envolvimento amoroso e psicologicamente divisional de uma agente do FBI com o fazendeiro que está investigando, matador de judeus e negros, no caldo de cultura racista, machista e supremacista dos EUA na década 1980.

Ou seja, filmes de gênero (psicológico, suspense, policial) que, através de uma dramaturgia simples e reconhecível, abre o leque para uma compreensão macro da civilização que estamos vivendo. Na Bahia, em 2005, vi O corte (Le Couperet): um executivo em busca de emprego mata os concorrentes que têm melhor currículo que o seu, sem piedade, sem culpa e sem punição. Um pistoleiro especializado em Curriculum Vitae. Disse a Costa que era o filme mais anticapitalista que tinha visto e ele afirmou que os assuntos que abordara nos filmes anteriores (nazismo, Igreja Católica, golpes de estado, ditaduras de esquerda e direita, grande mídia, relações políticas espúrias, vidas vazias) eram propagações do grande tema Capitalismo e que ia fazer um filme intitulado O Capital sem ter nada a ver com Marx. Fez e eu vi o filme, de 2012, faz pouco tempo: a ascensão de um empresário pelas vias da falta de escrúpulos e da corrupção, tendo como pano de fundo a amoralidade dos bancos.

Costa nunca participou de partidos políticos e nunca defendeu formalmente, ou acriticamente, qualquer ideologia. É um livre-pensador. E também um ser humano encantador, voltado aos prazeres singelos da vida, cantar, dançar, comer gostosuras, filmar. Meu impulso para escrever essas linhas sobre ele veio de uma notícia que acabo de ler: a revista inglesa Glam’Mag, dedicada a glamour, moda e celebridades, o elegeu como o cineasta mais sexy do mundo de 2015. É bicampeão na modalidade, pois a mesma revista já o havia escolhido “o mais sexy” em 2014. Fiquei rindo e pensando como Costa, aos 82 anos de idade, recebeu essa láurea. E também imaginando as possíveis gozações da bem humorada Michèle, sua companheira há 47 anos. Benza Deus.

Por Orlando Senna

Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.

Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – em 2014, pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.