Cineasta Orlando Senna

Blog Refletor Tal-Televisión América Latina

Indicado pelo professor Itamar Aguiar

Nestas vésperas de carnaval, estive conversando sobre as antigas marchinhas com minha amiga Tânia Ferreira, filha de Ivan Ferreira e sobrinha de Glauco e Homero Ferreira, autores do ininterrupto sucesso Me da um dinheiro aí, de 1959. Ela mesma autora de várias marchinhas carnavalescas, falamos sobre um fenômeno desse gênero: marchas antigas, como a citada, como Allah-lá-ô, como Mamãe eu quero e algumas outras são muito cantadas nos carnavais atuais mas as novas marchas não. Sim, porque essa música típica dos carnavais passados ainda é feita aos montes e até existe um Concurso Nacional de Marchinhas, da Fundição Progresso. Este ano, na décima edição do concurso, concorreram mais de mil e 300 e a vencedora foi a pernambucana Adoro celulite, de Jota Michiles e Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco e ex-ministro de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

As marchinhas vencedoras desses concursos “ficam só no concurso, os blocos não cantam, preferem as clássicas”, como disse Tânia. Na verdade, nossa agradável conversa versou basicamente sobre as marchinhas antigas centradas na Commedia dell’Arte, ou seja, no triângulo amoroso Pierrô (ou Pierrot), Colombina e Arlequim. São dezenas as composições inspiradas nesse teatro popular que apareceu no século XV, na Itália, se espalhou pela Europa no século seguinte e foi trazido para as Américas pelos colonizadores europeus. Quando chegaram por aqui, os personagens centrais desse teatro meio improvisado, mostrado em lugares públicos, já estavam integrados aos carnavais europeus. São todos palhaços circenses: o Arlequim malandro, cheio de treitas, marginal; o Pierrô (em italiano Pedrolino) apaixonado e triste; a Colombina, ou Pombinha, bem humorada, irônica, travessa, que ama Arlequim e é amada por Pierrô.

Sempre me liguei muito nas marchinhas, marchas-ranchos e sambas carnavalescos românticos, histórias e declarações de amor que permeiam a vasta gama de temas da música de carnaval, e desde muito percebi que boa parte dessa vertente se apoia nos amores dos palhaços da Commedia dell’Arte. Perguntei a Tânia qual é a sua marchinha romântica preferida e ela mencionou Pierrot apaixonado, de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres, 1935. Também faz parte da minha lista de prediletas. “Um Pierrot apaixonado, que vivia só cantando, por causa de uma Colombina acabou chorando. A Colombina entrou num butiquim, bebeu bebeu, saiu assim assim, dizendo ‘Pierrot cacete vai tomar sorvete com o Arlequim’. Um grande amor tem sempre um triste fim”.

Na minha lista também consta Confete, de David Nasser e Jota Júnior, 1952. “Confete, pedacinho colorido de saudade, ao te ver na fantasia que usei confesso que chorei. Chorei porque lembrei do carnaval que passou, daquela Colombina que comigo brincou. Confete, saudade do amor que se acabou”. E também Colombina, de Armando Sá e Miguel Brito, 1957. “Colombina, eu te amei mas você não quis, eu fui para você um Pierrô feliz. Os confetes dourados que alguém te atirou não fui eu quem jogou”.

No primeiro lugar dessa lista está Máscara negra, de Zé Keti, marcha-rancho de 1966. “Tanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão, Arlequim chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão. Foi bom te ver outra vez, tá fazendo um ano, foi no carnaval que passou. Eu sou aquele Pierrô que te abraçou, que te beijou, meu amor. A mesma máscara negra que esconde o teu rosto. Eu quero matar a saudade, vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”. É isso aí, não me levem a mal, é só saudade dos carnavais românticos.

Por Orlando Senna

Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.

Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós doutorando em Ciências Sociais – Antropologia – pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.