A nossa mídia sempre conta os fatos pela metade, principalmente quando se deixa envolver pelo sensacionalismo. Aí, então, não explica o outro lado da história. O tema proposto “os intocáveis” lembra título de filme, mas quero aqui me referir às nossas instituições que até há pouco tempo e ainda hoje fazem cara feia para a liberdade de expressão e exercem o patrulhamento ideológico, muitas vezes com mortes.

É claro que a conotação e a dimensão dos atos de terror praticados por fundamentalistas islâmicos radicais contra o jornal francês Charlie Hebdo são bem diferentes, mas me atrevo a fazer uma reflexão sobre a nossa sociedade ocidental, sem jamais tentar justificar as atrocidades de ambos os lados.

Queria indagar quem primeiro criou e espalhou todo este ódio tentando calar, dominar e oprimir as nações que nunca aceitaram nem aceitam a teoria do seu consenso? Desde o início do século XX, mais acentuadamente após o término da I Guerra Mundial, os Estados Unidos têm imposto seu Terror de Estado, inclusive sacrificando inocentes em nome de sua ideologia política e religiosa, tida como a verdadeira.

Foi o presidente George Bush, no limiar do século XXI, quem chamou os países do Oriente Médio (Irã, Iraque), a Coréia do Norte e até o mundo mulçumano de eixo do mal. O Ocidente, que sempre se achou o único civilizado, tratou o povo árabe e sua religião de atrasados e bárbaros.

Longe de mim instigar o ódio, mas é bom que se mostre o outro lado perverso. Quem criou os ditadores nas Américas Central e do Sul? Quem antes financiou Osama Bin Laden (Al-Qaeda), os talibãs, rebeldes na Síria, no Iraque e colocou suas tropas sanguinárias no Vietnã, sem falar em outras inúmeras cruéis invasões?

 Bem, não vou me estender nesta questão histórica, mas fazer alguns comentários sobre os nossos intocáveis aqui entre nós brasileiros que sempre destilaram sua ira contra a liberdade de expressão da mídia, perseguindo e assassinando jornalistas.

Até pouco tempo coronéis do interior mandavam matar repórteres e donos de jornais que falassem mal deles em charges ou textos. Certa vez ouvi conversa de um amigo de que não tocasse na maçonaria porque seria morte certa. Tive um colega de redação que foi excomungado pela Igreja Católica. O próprio João Gumes, de “A Penna”, de Caetité (início do século XX), foi excomungado por ter feito uma matéria dando boas vindas à chegada da Igreja Presbiteriana na cidade.

Nunca vi ilustração, ou coisa semelhante de algum cartunista satirizando o terreiro de candomblé. Se alguém fez foi taxado de racista, preconceituoso e escravista. Outras instituições que ainda se acham intocáveis são a Justiça, Forças Armadas e algumas irmandades que se sentem puras.

Não vou citar aqui os traficantes de drogas e armas, mesmo porque não são instituições constituídas, mas organizações criminosas. Acontece que a mídia, em muitos casos, é obrigada a impor seu próprio limite de liberdade.

A todo o momento, a mídia que contraria o ex-presidente Lula e pensamentos de certas correntes do PT é carimbada raivosa e agressivamente de elite burguesa a serviço até do imperialismo estrangeiro. Portanto, temos também aqui os nossos intocáveis; vivemos os nossos medos; e temos os nossos próprios fantasmas que apontam suas armas para nossas almas.

Quanto o atentado ao jornal Charlie Hebdo – a mídia usa o sensacionalismo para ganhar mais audiência e termina por incitar o ódio – infelizmente, o terrorismo não vai se acabar aqui. Cada lado mostra o seu monstro, bem mais real e pior que quando existia a chamada guerra fria.

A imprensa em geral fala de caçada das tropas, passando a sensação de uma ação de abate de qualquer bicho. É a resposta da violência bruta contra outra violência que gera mais ódio. A parte humana deixa de existir e assume o animal feroz.

O mais contraditório e irônico nisso tudo foi a representação de diversas autoridades mundiais na Marcha de Paris em favor da liberdade de expressão e em homenagem aos jornalistas mortos. Lá estavam presentes países que censuram, negam e assassinam a liberdade, como a Jordânia, Gabão, Turquia, inclusive Israel que vive encurralando os palestinos e não admite críticas ao seu povo judeu. Quase sempre revida com mais sangue.