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Nem a primeira, segunda ou terceira revoluções industriais e o avanço tecnológico conseguiram deter a marcha paciente dos artesãos com suas profissões condenadas a desaparecerem ao longo do tempo. Mesmo um tanto escassas, essas atividades vão resistindo à extinção através da cultura dos ensinamentos, passados de pai para filho.

A senhora ainda tece o fio e lida com o bilro para fazer o tecido e a renda. Em alguma esquina de alguma cidade o sapateiro trabalha com o couro e molda o calçado. O alfaiate e a costureira com suas tesouras e agulhas fazem elegantes ternos e outras peças da vestimenta. Em algum canto ainda existem o amolador de facas e o ferreiro que usa o fogo do fole para fabricar ferramentas do campo.

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De todas as atividades, a do relojoeiro, como se fosse um cirurgião, é a que requer mais habilidade e paciência para desmontar, trocar e montar com precisão as miúdas peças que marcam o tempo dividido em meses, dias, horas, minutos e segundos.

O “PELÉ DOS RELÓGIOS”

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Conhecido por todos na cidade como o “Pelé dos Relógios”, José Britto, de 75 anos de idade e quase 60 de profissão, pode ser considerado também o cirurgião consertador mais antigo dessas máquinas em Vitória da Conquista e, talvez, de toda Bahia. Todos os dias, numa salinha apertada, lá está ele diante de uma mesinha repleta de “marcadores de horas”, parafusos, peças e “pinceis”, pronto para atender aos mais diversos clientes.

PELÉ RELOJOEIRO 020As premiações de “Pelé dos Relógios” em sua trajetória profissional de quase 60 anos.

Um a um, José Britto, nascido em Itabuna-Bahia, vai anotando os problemas como já fazia aos 14 anos de idade em Belo Horizonte no cargo de “aprendiz competente” (estagiário), conforme relata seu filho Britto Filho, num texto em homenagem aos 50 anos de profissão do pai. No final do conserto tem aquele tradicional polimento no relógio pra ficar brilhando.

Em BH sua carreira começou na “Relojoaria Mota”, de propriedade do senhor Cesário Mota. Foi ali, ainda menino, que tomou gosto pela coisa e, num grupo de 60 participantes, ficou em terceiro lugar no curso técnico cultural de São Paulo. Era seis de março de 1957 o início de sua trajetória como “cirurgião dos relógios”.

Coincidência ou não, o nome “Pelé” como é mais chamado veio também como atleta dos gramados do futebol. Não é que Vitória da Conquista o recebeu através da equipe do Humaitá Esporte Clube onde jogou de lateral por vários anos! Aqui teve o apoio do amigo Lourival Cairo e inaugurou, na rua Francisco Santos, 15, em outubro de 1960, a “Relojoaria Brasília” em homenagem à fundação da capital.

Durante sua trajetória profissional já foi requisitado a trabalhar em outras cidades e estados, homenageado e premiado por diversos segmentos da sociedade como no XI Congresso Estadual do Comércio Lojista. Mas, o que ele mais se orgulha é de ter educado seus filhos Josmar, Josmara, Britto Filho, Fávio e Josneri como relojoeiro, apesar da ascensão dos produtos sofisticados vindos do exterior.

O apelido “Pelé dos Relógios” foi dado há mais de 50 anos pelo radialista e locutor da Rádio Clube de Conquista, J. Menezes e permanece até hoje. De lá pra cá personalidades conquistenses, como Dom Climério, Sebastião Castro, Pedral Sampaio, Coriolano Sales, Raul Ferraz, Elquison Soares e outros recorreram aos seus serviços técnicos quando precisaram marcar o tempo certo em seus relógios.

Não foram somente glórias ao longo desses anos. Talvez devido sua cor negra, lembra de uma história amarga. Certo dia dos anos 60, quando conversava em seu estabelecimento com o vereador Gil Moreira, pai do compositor Gilberto Gil, recebeu uma batida dos policiais federais alegando a existência de produtos ilegais em sua loja. Não houve conversa, levaram tudo, mas até hoje nada ficou comprovado.