SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

O conceito de sociedade do espetáculo apareceu pela primeira vez em 1967, quando o anarquista francês Guy Debord publicou seu livro La société du spectacle, estudo crítico sobre capitalismo, consumo e sociedade. Temas como a desilusão capitalista, negação da vida real e forma-mercadoria estão nesse livro, um dos textos paradigmáticos das manifestações de Maio de 68 em Paris. Pode-se dizer que é um estudo, mais que pioneiro, profético. O comportamento empresarial, político e psicossocial que determina o que conhecemos hoje como sociedade do espetáculo só teve início consciente a partir dos anos 1970, desenvolvendo-se na década seguinte e fixando seus padrões nas décadas 1990 e 2000.

Na base dessa compreensão e dessa prática do ser para ser visto e não do ser por existir está o simulacro, a imagem e/ou o som da coisa no lugar da coisa em si, a sacralização da imitação, a virtualidade, a existência passada a limpo através das máquinas, a troca do sangue-suor-e-lágrimas da vida vivida pela magia das ficções, das telinhas e telões. A meta mais perseguida pelas novas tecnologias da comunicação é a realidade virtual, a criação de ambientes cibernéticos “realistas” (com aspas porque na verdade são ilusórios) onde as pessoas podem interagir com as coisas, e no futuro com outras pessoas, utilizando todos os sentidos. Na prática temos a popularização do 3D (terceira dimensão), o sexo virtual, o anonimato nas redes sociais onde você pode se mostrar ao mundo com a cara que desejar, postando outras caras ou modificando, embelezando, a própria.

Uma vertente importante no contexto espetacular é a cultura do narcisismo, desde as transformações do corpo nas máquinas, nas telas (fotoshop), até a transformação do corpo real: a onda mundial das tatuagens e piercings, a radicalização da body modification (modificação corporal), dos peitos e bundas siliconados, da implantação de membranas entre os dedos ou de chifres de plástico na cabeça. De maneira geral, a medicina não é contra essa prática, a cada dia aumenta o número de médicos dedicados a essas cirurgias duplamente invasivas (na matéria da carne e no imaterial da alma), essas alterações da natureza. Claro que o ser humano sempre fez pequenas alterações corporais, vide as escarificações dos povos africanos, as tatuagens tribais e a maquiagem. Mas de um costume culturalmente restrito, arcaico e grupal, de caráter defensivo (assustar animais e pessoas hostis), passamos a uma moda universal e vaidosa, no sentido do destaque pessoal.

Outra vertente é a espetacularização da política, aspecto que me levou a escrever essas mal traçadas, ainda impregnado pela truculência da recente campanha eleitoral brasileira, onde os candidatos atuaram como personagens de uma peça indecisa entre o Sonho de uma noite de verão de Shakespeare e A resistível ascensão de Arturo Ui de Brecht. Tudo bem ensaiado e sincronizado por um enxame de diretores, redatores, figurinistas, cenaristas, maquiadores e cabeleleiros. Mas a imagem não é tudo, existe também a fala e aí o bicho pegou. Quando ouvi um senador, líder do partido derrotado, esbravejar que não queria diálogo (em resposta a um convite da candidata eleita) não acreditei, inclusive porque nem o orador acreditava no que dizia, já que é um político e a sustentação democrática da política é o diálogo.

Na sociedade do espetáculo a verdade não tem importância, o que vale são as versões, as visões que podem ser criadas e recriadas. No centro desse holocausto da veracidade, ponteiam e brilham as grandes corporações midiáticas, as que têm maior interesse e maiores ganhos com as simulações. O melhor exemplo recente também vem da campanha mencionada, quando uma revista estampou na capa, na véspera da eleição, que a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula eram coniventes com a corrupção. A acusação, sem provas, baseava-se em uma frase de um delator premiado (que delata para ter sua pena reduzida). A revista disse que estava praticando a liberdade de expressão. Ou seja, a sociedade do espetáculo está incluindo, cada vez mais, a mentira como manifestação da liberdade de expressão. Que tempos virão?

Por Orlando Senna

Comentário;

Em que pese a credibilidade de Orlando, peço permissão e ouso ponderar: nas últimas eleições, uma das mais espetaculosas de quantas já realizadas no Brasil, de meter vergonha em conservadores e revolucionários (se é que isso é possível), assistimos boque abertos, nos programas eleitorais exibidos na TV, um jogo de marketing e dos marqueteiros exaltando os feitos extraordinários de cada um dos personagens, dos candidatos, uma ode ao individualismo, um verdadeiro culto às personalidades, um espetáculo de extremo mal gosto.

No final do último parágrafo Orlando fala de acusações, sem provas à Candidata Dilma e ao expreseidente Lula, por parte de uma revista, concluindo, “Ou seja, a sociedade do espetáculo está incluindo, cada vez mais, a mentira como manifestação da liberdade de expressão”. No meu entendimento a revista apenas cumpriu, após a atividade investigativa, outro dever garantido aos órgãos de imprensa, o de informar à população sobre os acontecimentos, independente de qual seja o momento, em tempos de eleição ou não. Acho mais grave ainda, o fato ocorrido nas hostes do Governo Federal, quando o IBGE deixou de informar dados importantes a cerca da Economia brasileira antes das eleições, passando a fazê-los após a apuração do resultado do pleito eleitoral. Assim, concordo com Orlando quando pergunta “Que temos virão?”.

Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasília, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.

Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós doutorando em Ciências Sociais – Antropologia – pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.