CENTRO DE CULTURA 006

“Uma criança em farrapos contempla, com brilho no olhar, o maior túnel do mundo, recém-inaugurado no Rio de Janeiro. A criança em farrapos está orgulhosa de seu país, e com razão, porém ela é analfabeta e rouba para comer”.

Esse olhar do escritor uruguaio em “As Veias Abertas da América Latina” (todos deviam ler), publicado na década de 70, continua atualizado para os tempos atuais. Nos dias de hoje, jovens e adultos doidos por futebol e distantes da cultura, se orgulham do Brasil sediar a Copa do Mundo, embora a grande maioria nem possa ir aos estádios para assistir uma partida porque foram barrados do banquete por serem pobres.

 Pegando ainda o gancho de Galeano para falar da nossa renegada cultura, o escritor, ao se referir ao Brasil a América Latina, afirmou que “o desenvolvimento é um banquete com poucos convidados… os pratos principais estão reservados às mandíbulas estrangeiras”. É o caso típico da Fifa.

Pobreza, exclusão e alienação decorrem da falta de educação e cultura que se arrastam pelo chão. Vivem em decadência. Sem cultura não pode existir senso crítico, razão e dialética. Há poucos dias li comentário do colega e companheiro jornalista, escritor e poeta Ruy Espinheira que, em seu desabafo, lamentava o precário estado da nossa cultura.

Há tempos ele vem clamando pela valorização do mérito, enquanto é a mediocridade que vence. Sobre a Salvador da década de 60 (fui seu colega no curso de Jornalismo da Ufba), Ruy recorda que se respirava cultura e arte em toda parte, “poetas falavam de poesias nos bares, gente de teatro montava os grandes textos, romancistas discutiam tendências da ficção, abriam-se feiras de livros em praças públicas…”

Imagino que o mesmo acontecia em nossa próspera Vitória da Conquista com suas quatro ou cinco salas de cinema, cantos e contos por toda parte da cidade com a recém-formada academia e ala de letras, concursos literários e compositores produzindo as melhores músicas.

Ainda resta alguma coisa, mas Conquista hoje ficou só com a fama de cidade de maior efervescência cultural do interior baiano. Nos finais de semana a opção é jogar “conversa fora” nos bares e restaurantes. Até o nosso Centro de Cultura está interditado há meses sem uma solução de recuperação da sua estrutura física. Como disse Ruy, a decadência da cultura é um fenômeno nacional, mas, nas palavras do cronista Armando Oliveira, a Bahia é o Brasil levado às últimas consequências.

Culturalmente falando, como crava o poeta, a Bahia está na rabeira de tudo, inclusive dos outros estados do Nordeste. Talentos existem como pode ser constatado aqui mesmo em Vitória da Conquista. Mas, como assinalou Ruy, se alguém escreve, não há onde publicar. Uma boa música só é tocada no rádio se soltar um jabá. “Se o cara for bom mesmo, está mal arrumado… Pessoas cultas e talentosas não interessam…”

A capital do sudoeste com mais de 300 mil habitantes tem um enorme potencial cultural adormecido que não se expressa por falta de apoios. Na literatura, bons escritores da cidade e da região estão engavetados por falta de uma feira do livro e de uma editora genuinamente nossa, para a divulgação das obras dos autores.

Não é só a literatura que está abandonada. As outras linguagens artísticas, como a música, o teatro, a dança, as artes plásticas e demais formas de expressão cultural foram renegadas á própria sorte. Uma injeção de ânimo neste setor não pode ficar dependente e esperando apenas por uma ação do poder pública.

O pior é que a cultura em Conquista foi loteada e existem grupos que se arvoram como donos da verdade. Como intocáveis, se fecham em seus cubículos ou pedestais “fazendo cultura” para eles mesmos. Aí a cultura fica numa redoma e deixa de ser visível e compartilhada por toda comunidade. A cultura não pode ficar restrita a um grupo ou a grupos.